sábado, 29 de janeiro de 2011

LIVRO: Arte $ Dinehiro



Em breve postarei um artigo sobre esse otimo panorama da arte contemporanea relacionado ao tematica dinheiro. Enquanto termino a leitura deixo aqui duas resenhas da imprensa.


A arte expressa em dólares


Estudo dos americanos Katy Siegel e Paul Mattick demonstra como a ascensão econômica dos países emergentes está mudando a criação contemporânea, hoje refém de colecionadores, curadores e museus


Antonio Gonçalves Filho -
O Estado de S.Paulo

A última grande fronteira entre os ateliês e os bancos foi derrubada por dois críticos e professores norte-americanos que, definitivamente, não dividem a crença renascentista de que os artistas trabalham por amor à profissão - e não por motivos econômicos. Claro que o pop Andy Warhol já havia provado, nos anos 1960, que o poder do dinheiro fascina, particularmente artistas em busca de reconhecimento público imediato. Antes dele, Picasso disse que queria viver como um pobre, desde que tivesse à disposição uma boa soma de dinheiro no banco. Assim, conscientes de que a principal questão no século 21 é mesmo a econômica, a crítica e professora Katy Siegel e o filósofo Paul Mattick resolveram violar o último tabu do mundo monetarista de Picasso e Warhol, escrevendo Arte & Dinheiro, que a Editora Zahar colocou esta semana nas livrarias.





Com tantos museus sendo inaugurados no mundo e tantas reformas em outros, parece natural que alguém pergunte por que tanto interesse na arte, território ocupado no passado apenas por nobres consumidores. O que significa, afinal, esse surto democrático que leva 1 milhão de pessoas por ano para ver arte contemporânea na Tate Modern ou milionários colecionadores do Oriente Médio correr atrás de artistas ocidentais? A dupla de autores de Arte & Dinheiro conversou com o Sabático sobre esses temas, lembrando que foi justamente essa mudança no panorama artístico do mundo o eixo de suas discussões em torno do presente e do futuro da atividade artística, cada vez mais dependente da legitimação dos poderosos. Haveria lugar para artistas que não produzem hoje obras grandiosas e espetaculares? É possível ignorar o poder dos colecionadores e curadores? Críticos ainda exercem alguma influência sobre a produção artística?



Embora a dupla de autores divida a mesma opinião sobre sete temas abordados nessa obra referente ao dueto entre arte e dinheiro, eles discordam sobre um deles, fundamental: o de quem tem mais poder. Paul Mattick acha que é o colecionador de arte, hoje protagonista de uma megaprodução que envolve artistas, críticos, galeristas, curadores e diretores de museus. Nesse circuito em que o museu legitima o valor de uma obra e o colecionador, além de ganhar dinheiro, ganha prestígio, o que diferencia a arte de outras mercadorias especulativas? Com o triunfo do capitalismo em escala global, a arte ainda conservaria o mesmo significado social?, pergunta Mattick. E ele mesmo responde: "Ninguém, em sã consciência, diria que o artista de hoje é autônomo, pois existe uma relação de dependência entre todos os elos da cadeia, do produtor ao colecionador, passando pelo crítico, o historiador e o galerista." Em outras palavras: ninguém quer perder dinheiro apostando num artista errado. Ele dever ser o eleito pelo circuito. E, desse momento em diante, ninguém vai se arriscar com o ungido. Todos se unem para não deixar sua cotação baixar.



Há, porém, alguém que pode estragar essa festa: o crítico de arte. Katy Siegel observa que, de fato, as mudanças na economia, responsáveis pela ascensão de uma nova classe de colecionadores, "afetam cada vez mais a natureza da arte" produzida neste século de instalações, fotografias monumentais e pinturas pantagruélicas. A baliza dessa produção tem de ser, portanto, o crítico, defende a professora, colaboradora habitual da conceituada revista Artforum. Seu parceiro em Arte & Dinheiro, diz, no entanto, que a arte, após a transferência do eixo do poder para os EUA após a 2.ª Guerra, viu não só a ascensão de um novo tipo de colecionador - o burguês americano, não mais o aristocrata europeu - como de um novo artista, afastado do modelo do indivíduo enclausurado em seu ateliê e mais antenado com as exigências de um mercado ""que privilegia a estética do show e o culto à celebridade" - o que explica o prestígio de nomes como Jeff Koons, por exemplo.



Num mundo que elege Koons e Damien Hirst, "não há mesmo lugar para uma discussão kandinskiana sobre o lugar do espiritual na arte", diz Mattick. Museus, hoje, compram arte como em nenhuma outra época e oferecem salas de projeto inteiras para instalações imersivas. Essa gigantesca estrutura custa caro e é essa rede de trocas - que acaba afetando a produção artística - o tema central de Arte & Dinheiro, livro dividido em sete "salas", cada uma dedicada a um tema: materiais preciosos, crédito, produção, loja, circulação, negócios e alternativas. O francês Marcel Duchamp, inventor do ready-made, claro, é o primeiro nome a ser evocado logo no capítulo inaugural. Afinal, foi ele quem expôs objetos insólitos como um urinol e uma pá de pedreiro como obras de arte, virando o Midas da arte contemporânea e inspirando até hoje gente como Hirst, o homem dos tubarões empalhados e embalagens de remédios vendidos como arte a preços astronômicos.



Na contramão, os autores do livro citam como exemplos o alemão Joseph Beuys e o brasileiro Cildo Meireles, que conquistaram o mercado internacional sem fazer concessões. Beuys criou um mito, o de que "Kunst" (arte) é igual a "KapitaL" (capital, dinheiro), mas fez bom uso dele, "produzindo transformações sociais radicais" com seu discurso ecológico - convidado pelos organizadores da 7.ª Documenta, ele plantou 7 mil mudas de carvalhos em Kassel, exemplificando seu conceito de escultura social. Cildo comparece no livro com vários exemplos de inserções no circuito ideológico, desde suas notas de zero cruzeiro e zero dólar até sua grande instalação Missão Missões (ou Como Construir Catedrais), de 1987, em que usou 200 ossos de boi, 600 mil moedas, 800 hóstias, ilustrando (involuntariamente) com essa obra sobre as missões religiosas na América uma tese do crítico Robert Hughes, que comparou os museus modernos às antigas catedrais do passado. Na lista dos artistas de rígida postura crítica, os autores incluem outros nomes respeitados, entre eles o do americano Robert Morris, que usou o dinheiro (cédula) como meio artístico para equiparar a arte a outros instrumentos financeiros. Nada tão radical como a atitude do italiano Piero Manzoni, que mostrou a discrepância entre valor artístico e monetário embalando as próprias fezes numa lata de sardinha e vendendo-os como "merda de artista" em 1961.



"A arte sempre foi mercadoria, desde o Renascimento, e isso não mudou", justifica o filósofo Paul Mattick, também crítico de diversas revistas especializadas e do jornal The New York Times. "É por isso que muitos artistas adotam uma postura paródica para criticar essa relação entre arte e dinheiro, como o italiano Maurizio Cattelan", diz. Cattellan é a estrela do capítulo Crédito, que discute como a assinatura do artista representa uma mera promessa de valor estético. Ele e o curador Jens Hoffman aprontaram na 6.ª Bienal Caribenha (1999), que foi, de fato, a "bienal do vazio". Ambos convidaram dezenas de artistas, que compareceram e não criaram obra nenhuma, curtindo a praia de São Cristóvão, nas Antilhas. Mattick ri. "Eles se divertiram à beça criticando essas arapucas institucionais", comenta, adiantando que nunca esteve no Brasil nem viu a 29.ª Bienal.



Existem casos mais radicais, como o do artista Santiago Sierra, que, há dez anos, pagou quatro prostitutas viciadas em heroína para que elas se deixassem tatuar, usando seus corpos, portanto, como suporte. Essa histérica maneira de produzir arte seria provocada por um circuito ávido por novidades e inflacionado por mostras internacionais. "Curadores, artistas e críticos não fazem outra coisa além de viajar de uma bienal para outra", observa Mattick, associando esse automatismo ao "declínio geral no valor social da cultura" ao longo das três últimas décadas. Sua parceira em Arte & Dinheiro, Katy Siegel, diz que, no fim das contas, por ironia, "o mercado acaba elegendo obras que parecem justamente criticar o capitalismo".







Do BLOG Maquina de ESCREVER

Luciano TRIGO

Originalmente parte de uma coleção (Art Works) que apresenta um balanço temático da produção artística contemporânea, Arte e dinheiro, de Katty Siegel e Paul Mattick, foi enriquecido na edição brasileira por dois textos apropriadamente escritos por um economista, Gustavo Franco, e um crítico de arte, Paulo Sergio Duarte. Por óticas diferentes, um e outro chamam a atenção para aspectos nem sempre evidentes da situação atual da arte (e do mercado de arte), ainda que não se aprofundem, talvez por limitações de espaço, em tópicos importantes. Por exemplo, fala-se pouco das formas de atribuição de valor (estético e comercial) e da progressiva inserção dos artistas numa lógica do espetáculo que os aproxima, por um lado, da indústria do entretenimento e da moda e, por outro, do mundo descabelado da especulação financeira.

Ou seja, embora se reconheça a transformação da arte em commodity e seu deslocamento “de um nicho antes reservado a um público restrito para a indústria do entretenimento” (Duarte), não chega a haver um olhar crítico sobre o comprometimento crescente da arte com o mercado que promove a sua circulação – o que é, justamente, um dos traços distintivos da arte contemporânea em relação às últimas vanguardas modernas.
(Outra mudança realizada na edição brasileira foi “promover” a obra Zero Cruzeiro, de Cildo Meireles, a ilustração de capa, o que não ocorre no original. Aliás recentemente a artista americana Laura Gilbert criou a obra Zero Dollar para protestar contra o caráter destrutivo do sistema financeiro, sem dar qualquer crédito a Cildo.)

Organizado numa espécie de visita guiada por diferentes “salas” (“Crédito”, “Loja”, “Circulação”, “Negócios” etc), Arte e dinheiro é ricamente ilustrado e faz um balanço razoavelmente abrangente, embora não exaustivo, de artistas representativos que de alguma maneira investigam a relação entre arte e dinheiro, no tempo e no espaço. Mas, como é freqüente nas publicações recentes sobre arte contemporânea (mesmo naquelas de caráter mais ensaístico, como os livros de Nicolas Bourriaud), os autores adotam uma postura neutra, se omitindo de qualquer julgamento ou hierarquização na apresentação das obras. Sintoma de um tempo em que a crítica de arte abre mão do papel de julgar e se confina, muitas vezes, à tímida função de registrar, comentar e sobretudo referendar a produção que é vendida (nos dois sentidos) pelo sistema da arte, por mais extravagante ou escatológica que seja. No establishment global formado por investidores (incluindo grandes corporações), colecionadores, galeristas e curadores, não sobrou muito espaço para o crítico.

Siegel e Mattick se limitam assim quase que a catalogar, nivelando obras realmente interessantes (ou historicamente relevantes), como a do próprio Cildo, as Brillo Boxes de Andy Warhol ou a profética Merda d’artista, de Piero Manzoni, com bobagens do tipo Bufê de cocaína, de Rob Pruitt (um espelho de cinco metros com uma carreira de cocaína em cima, à disposição do público; nossa, que ousado, não?). Curiosamente, apesar de seu impulso classificatório, nessa falta de disposição a separar o joio do trigo, a tomar partido e a refletir criticamente sobre seu objeto, os autores apenas reforçam a impressão geral da arte contemporânea como uma salada pós-moderna, na qual nomes e obras são quase intercambiáveis – exceto pelo seu valor de mercado. Porque, ironicamente, artistas que supostamente questionam a idéia de comercialização e institucionalização da arte são frequentemente aqueles a quem se atribui mais valor monetário e institucional.


Citando Olav Velthuis, Gustavo Franco lembra que dinheiro e arte têm em comum serem sistemas simbólicos baseados em convenções, crenças e abstrações: seus valores não são inerentes, mas construções sociais, às quais instituições como museus e bancos conferem legitimidade e valor. “Sem fé em um pedaço de papel pintado, nenhuma troca haveria de ter lugar”, escreve Velthuis, para concluir: “Sem nenhuma noção de convenção artística, nenhuma arte teria existência.”. Ora, vivemos justamente um momento em que o pluralismo ignora qualquer convenção artística (por, no fundo, aceitar todas elas). A arte nunca movimentou tanto dinheiro, é verdade. Mas, se a falta de lastro do papel pintado levou recentemente o planeta a uma crise devastadora, seria de se perguntar que riscos estão implicados na falta de lastro da produção artística – não no sentido da explosão de bolhas do mercado, mas riscos para a própria arte.



Livro enxerga arte na esfera do entretenimento




DE SÃO PAULO



Não é de hoje que artistas se relacionam bem ou mal com dinheiro. Artesãos medievais guardavam segredos de produção e pintores das cortes trocavam telas por proteção e prestígio político.

Mas algumas coisas aconteceram entre os toques finais dos afrescos na capela Sistina e a mutação da arte contemporânea em commodity e forte ativo financeiro.

Um livro recém-lançado pela Zahar tenta dar conta desses fatos, ilustrando cada etapa com obras clássicas que juntam grana e estética, do "Zero Dólar" de Cildo Meireles a peças de Duchamp.

"Essa relação entre arte e dinheiro sempre foi central para o significado da arte", diz Paul Mattuck, um dos autores de "Arte & Dinheiro".

"Mas agora isso está mais claro: arte tem a ver com progresso, sucesso e poder, virou uma coisa glamourosa."

Na esteira do glamour, outros ensaios no livro vão direto ao ponto, enxergando a arte contemporânea num contexto semelhante às megaproduções de Hollywood.

"Esse fenômeno deslocou as artes visuais para a indústria do entretenimento", escreve o crítico Paulo Sérgio Duarte em seu ensaio. "Alguns museus viraram grifes e exportam sua marca usando métodos que o mercado conhece como "franchising"."

Num contexto mais histórico, Paul Ardenne compara a preocupação atual com dinheiro ao que foram nus e paisagens no neoclassicismo, um "tema ao gosto".(SM)







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ARTE & DINHEIRO

AUTORES Katy Siegel, Paul Mattuck

EDITORA Zahar

TRADUÇÃO Ivan Kuck

QUANTO R$ 89 (224 págs.)














Exposição em São Paulo explora a relação conturbada entre artistas e


dinheiro



Fotos Divulgação





Instalação de Carmela Gross que integra mostra no Paço das Artes





SILAS MARTÍ

DE SÃO PAULO





Na escadaria do lado de fora do Paço das Artes, enormes letras

anunciam: "se vende". Dentro, começa amanhã uma exposição que tem um

preço como título. No caso, os R$ 748.600 captados para financiar esse

projeto.

Toda a mostra parece uma alegoria do que se propõe a discutir, a

relação entre os artistas e o dinheiro que suas obras movimentam num

mercado de cifras e valores cada vez mais hiperbólicos.

Logo na entrada do espaço, um trabalho de Deyson Gilbert força

visitantes a olhar um sinal de adição gravado em lâmpadas de

halogênio, deixando um rastro na retina de quem vai à mostra.

"Tudo é uma tentativa de exacerbar o capital dentro das artes

plásticas", resume Renan Araújo, curador da exposição financiada pelo

banco Santander. "Até o texto do catálogo foi revisado por economistas

que tentaram mudar palavras para termos econômicos mais técnicos."

Mas nenhum jargão ofusca uma relação que está clara em boa parte dos

casos.

"Zero Dólar", em que Cildo Meireles altera uma cédula para que perca o

valor, colares de notas feitos por Marcelo Cidade e até os rabiscos de

Jac Leirner sobre cédulas de cruzeiro denotam a intimidade dos autores

com os mandos e desmandos do capital.

Fora alguns clássicos, Lourival Cuquinha acaba de produzir "R$ 102",

em que imprime uma nota falsa de R$ 100 sobre uma verdadeira de R$ 2,

série vendida agora por esse novo valor de face.

São trabalhos com ressonância ainda maior num país como o Brasil, que

já trocou oito vezes de moeda ao longo da história e registra agora

expansão vertiginosa no mercado de arte, um aumento de sete vezes no

volume negociado nos últimos quatro anos, segundo um levantamento

recente do setor.

Em dezembro passado, "Sol sobre Paisagem", de Antônio Bandeira, foi

leiloado por R$ 3,5 milhões em São Paulo, maior valor já pago pela

obra de um brasileiro.





EBULIÇÃO GLOBAL

Enquanto isso, o mercado internacional dá sinais de recuperação. Uma

feira de arte on-line, a primeira do tipo, põe gigantes como as

galerias White Cube e Gagosian para negociar obras na esfera virtual

até o fim da semana.

No mês que vem, a Sotheby's de Londres tenta voltar a patamares pré-

crise vendendo uma obra de Pablo Picasso de 1932 com preço inicial de R

$ 45 milhões.

Um retrato da mesma série e da mesma Marie-Therèse alcançou há dois

anos a cifra de R$ 177 milhões, recorde absoluto na história dos

leilões que, analistas esperam, será desbancado agora.

Paris acaba de montar a primeira bolsa de valores de arte no mundo, em

que investidores compram ações de trabalhos negociados, como títulos

de grandes empresas, e lucram com as oscilações repentinas do mercado.

Mas longe da algazarra de leilões e pregões, outras obras no Paço das

Artes, enclave frondoso na Cidade Universitária paulistana, dão conta

de outro aspecto dessa relação com o mercado.

Cartazes do grupo Pino anunciam produtos inúteis que se encaixariam

bem em ambientes corporativos, espécie de arsenal de aspones.

Rodrigo Matheus replica esse habitat cinzento em sua obra: mesa e

monitores para vigiar o vaivém das bolsas e das bolhas especulativas.





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748.600

QUANDO abertura amanhã, às 15h; ter. a sex., 11h30 às 19h; sáb. e

dom., 12h30 às 17h30

ONDE Paço das Artes (av. da Universidade, 1, tel. 0/xx/11/ 3814-4832)

QUANTO grátis

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


DA Revista BRAVO

Vinicius Jatoba


Para quê serve a crítica?

O suplemento literário do New York Times é, claramente, a mais fraca da cobertura cultural do poderoso jornal. É inconsistente e previsível, quando não absurdamente mal escrito. Há momentos luminosos, mas é sempre uma leitura superficial e rasteira. O problema talvez seja mais do péssimo momento literário estadunidense. Se Philip Roth, um ótimo autor cujos novos livros sempre leio, tivesse publicado nas décadas de 1940-60 dos EUA, ele seria claramente um escritor de terceira linha. O que não é ruim, de forma alguma, nem diminui a argúcia de Roth: apenas indica como a arte literária estadunidense era elevada, inclusive no romance de entretenimento policial, naquele período. Foi a Era de Ouro da literatura estadunidense. Os críticos do NYT têm que se virar com que existe no mercado editorial deles, e uma vez que os EUA não traduzem, os críticos vivem com as mãos atadas.

No entanto, o recente especial Why criticism matters do NYT foi interessante. Li todos os artigos com atenção. É um investimento inesperado e excêntrico dos editores do jornal. Escrevo resenhas de livros a uma década. E a cada vez que escrevo uma resenha, sempre me surge a questão da utilidade daquilo. A resposta padrão seria “ajudar na discussão cultural, separar o joio do trigo no caos contemporâneo” e um longo etcétera. Essa resposta não me satisfaz porque não reflete realmente o que penso quando escrevo uma resenha. Desde que li o especial ponderei sobre essa atividade que exerço por uma década já, e é realmente difícil determinar uma razão, um motivo e uma missão para a crítica. Cada resenha me parece muito particular.

O ponto de partida é factual: lê-se de forma diferente quando a intenção é escrever uma crítica. A relação que se tem com o livro determina o lugar de onde se lê esse livro, e a relação de um crítico com o livro é sempre frustrante porque um bom livro provoca muitas possibilidades de leituras, dezenas de fios possíveis. Então, é necessário escolher um impulso essencial. Há críticos que querem educar e gerar conhecimento, iluminar os leitores; outros que possuem uma agenda secreta e escrevem em jornais com imensa circulação para duas ou três pessoas; alguns desejam a comunhão, se integrar com certo grupo, e suas resenhas parecem propostas de namoro. Eu sempre desejei que o livro fosse lido. Parto desse ponto: quero seduzir o leitor a ler o livro porque esse livro me importa. Isso sempre limitou a imensa maioria de minhas resenhas à um grupo muito limitado de possibilidades porque o mercado editorial brasileiro publica muita coisa chata. Mas essa escolha tornou minha atividade de crítico uma festas sem fim: escrever apenas sobre o que gosto. Minha posição de crítico é hedonista: o que eu gosto e me dá prazer. E tento passar esse entusiasmo ao leitor.

Essa escolha pelo prazer, no entanto, entra em tensão com o caráter mais básico do jornalismo: informar. A posição do jornalismo hoje é completamente fragilizada pelo excesso do mundo contemporâneo: tudo é demais. Vivemos mergulhados, quando citadinos, em uma maré de estímulos. A informação hoje está disseminada (não digo democratizada, o que não é verdade), e o jornalismo parece confuso diante desse universo de coisas ágeis e frenéticas. O jornalismo cultural, principalmente, parece não se encontrar com muita facilidade. O jornalista que dá todas as coordenadas ao seu leitor, que informa datas de nascimento, que se limita a informar detalhes que o leitor pode encontrar em excesso em menos de um segundo em qualquer sistema de busca da internet, esse jornalista está à deriva. O leitor que se debruça sobre um suplemento literário tem acesso à toda essa informação, e suspeito que boa parte dos suplementos se tornaram obsoletos porque os críticos e jornalistas escrevem textos que são abertamente redundantes. Pode parecer equivocado, mas a função do crítico não é mais informar: é contagiar.

Sempre me pareceu contraditória a posição de objetividade do jornalista cultural: textos frios e calculados, com frases papai-e-mamãe, apegados aos famosos leads, etcétera. Livros provocam emoção – mesmo que seja de natureza racional. “O que pensa em mim está sentindo”, escreveu o poeta, e há insuspeitado Eros inclusive no onanista catedrático. O que me espanta é a luta dos suplementos para retirar toda e qualquer sombra de prazer de seus textos. É impossível escrever sobre livros ou cinema sem o uso de adjetivos, porque somente prazeres cínicos vêm desacompanhados; e toda essa assepsia provoca o estado das resenhas atuais: o medo do advérbio, a obsessão pelo ponto-final, o terror ao ponto-e-vírgula, o exílio do travessão. Correção, estoicismo, total bons-modos à mesa: e um total desinteresse do público ao que os suplementos oferecem.

É por isso que acredito ser a função do jornalismo cultural, e da crítica literária, contagiar e entreter. Contagiar, porque tem carga emocional, porque leva o público ao livro, porque encontra formas de transformar a literatura (ou cinema) de objeto à instrumento. E entreter porque deve ser escrita de forma a roubar o foco do leitor para o texto: seja pelo adjetivo bizarro, pela sintaxe maliciosa, o texto deve sempre colocar o leitor numa posição de se perguntar sobre o quê, afinal, está lendo. E deve entreter porque ninguém deveria ocupar o espaço público para entediar as pessoas. Como o século passado foi o século que encontrou seu maior vilão na “massa”, os abundantes pernósticos de plantão foram velozes em criar uma separação que nunca existiu antes na história cultural: cultura de massa e cultura “cultura”. Poucas palavras foram tão degradadas quanto entretenimento, a ponto de hoje ser quase um xingamento. Qualquer artista hoje em dia tem horror a dizer que quer entreter as pessoas (até mesmo pelo simples fato de que, no fundo, não deve possuir o domínio técnico e a argúcia necessários para raptar a atenção da audiência e/ou leitor). E creio que a função da crítica é apenas essa: raptar essas mentes, contagiá-las com emoção e idéias, e devolvê-las ao mundo com algum enlevo estético.

Tags: Jornalismo cultural, Literatura Contemporânea

Postado quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 às 7:46 pm e categorizado como Uncategorized. Você pode deixar um comentário, ou fazer um trackback a partir do seu site.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Na Praia de Ian McEwan

                   Na praia – Ian McEwan




Às vezes basta uma pequena obra para que um autor mostre todo seu domínio do ofício literário. Depois de haver escrito “Reparação” romance celebradissimo por crítica e público que chegou a ser adaptado para o cinema, e de ter sido agraciado por várias premiações literárias, Ian já não precisava provar nada para ninguém, mesmo assim, conseguiu nessa breve novela “Na Praia” reafirmar seu talento.

A praia a que o título se refere diz respeito ao lugar onde um casal de jovens ingleses vão passar uma fatídica noite de núpcias.

Dois jovens inexperientes e apaixonados numa Inglaterra de 1962 já pós vitoriana e um pouco livre do conservadorismo tradicionalista dessa época, ainda intocada na vida social pelo impacto das teorias psicanalíticas libertadoras da sexualidade, porém, não totalmente contaminada pela década do desbunde que culminaria no maio de 68 e no movimento rippye do sexo, drogas e rock roll.

Freud e vitorianismo vem mesmo a calhar no contexto de “Na praia”, pois estão muito ligados como bem demonstrou o historiador Peter Gay em sua série de livros com viés de psico-história sobre o período. O peso de viver numa tradição tão difamada de conservadora têm grande efeito sobre os personagens.

Ser virgem nesses tempos não era um problema tão grande pra gente na casa dos vinte, muito pelo contrário.

Edward, aluno aplicado de história na tradicional e prestigiosa Oxford, nunca poderia ter uma vida de bebedeiras e sexo, como seus amigos universitários anglófilos a partir da década seguinte.

Florence, violinista talentosa e filha de “burguesia” tradicional Inglesa, nem sonharia em sexo antes do casamento e, o pior, é aí que entra o conflito trágico de sua pacata vida, talvez nem depois de ter consumado a cerimônia da nobre instituição familiar.

Nunca foi tão emblemático o fato da falta de dialogo, o interdito, ou reprimido ser o motivo dos desencontros, estranhamentos e aborrecimentos como no caso desses dois pobres personagens.

Uma estória aparentemente trivial, mas que na mão de um grande escritor como Ian McEwan torna-se uma narrativa irresistível. Em uma prosa minuciosa e ágil, Ian consegue dar contornos de séria televisiva de qualidade a uma estória que poderia não render sequer uma novela mexicana.

Lendo o livro, irresistivelmente envolvente, tem-se a impressão de que esse já consagrado escritor inglês seria capaz de escrever bem sobre qualquer assunto. De fato não é de hoje que Ian mostra-se um mestre na narrativa sutil e do apuro de detalhes. Mesmo dentro da tradição literária inglesa com autores contemporâneos de alto calibre como por exemplo Martin Amis, Kazuo Ishiguro, Jonathan Coe e o Nobel V. S. Naipaul, ele se destaca por sua voz originalíssima.

“Na praia” é uma novela excelente e recomendada porta de entrada para a obra desse formidável escritor inglês.