sábado, 19 de dezembro de 2009

Como fazer escândalo e ficar rico com a arte



Calvin Tomkins, biógrafo de Duchamp, dá lições no livro As Vidas dos Artistas


Antonio Gonçalves Filho

Originalmente publicados na revista The New Yorker ao longo da década passada, os dez perfis traçados pelo veterano crítico norte-americano Calvin Tomkins em As Vidas dos Artistas (Editora Bei, tradução de Denise Bottmann, 280 págs., R$ 57) foram reeditados pelo autor e constituem, sem exagero, uma súmula da arte contemporânea com todas as suas contradições. Tomkins, autor de uma biografia séria do inventor do ready-made, Duchamp (Cosac Naify, disponível apenas na edição especial, R$ 520), não é um crítico formalista. Considera, como considerava o pintor, arquiteto e crítico Giorgio Vasari (1511-1574) no século 16, que a biografia de um artista é essencial para a compreensão de sua obra. Por isso, não só surrupiou o título da clássica obra de Vasari sobre os artistas do Renascimento (Le vite de" più eccelenti pittori, scultori e architettori), como seguiu seu modelo. Ganham os leitores: seu livro é bastante esclarecedor.



É possível, por exemplo, associar o oportunismo de Damien Hirst e Jeff Koons às dificuldades que enfrentaram para se impor num mundo exclusivo como o da arte, sendo ambos de origem suburbana. E, também, entender como a fama e o dinheiro banalizaram a arte deliberadamente escandalosa dos dois, a ponto de serem incorporados sem grandes traumas à lógica funcional do mercado e produzirem obras cada vez menos chocantes. Aconteceu a Hirst e Koons o que se passou com o cineasta espanhol Pedro Almodóvar à medida que seus filmes conseguiram ser consumidos pela classe média: viraram anódinos, inofensivos, mas extremamente úteis para o comércio de arte.



Tomkins não entra em discussões morais. Seleciona dez artistas tão diferentes entre si que mal suportam a convivência num só livro. Gente espalhafatosa como o inglês Damien Hirst, de 44 anos, que expõe tubarões em vitrines, bebe como um gambá e exibe o aparelho reprodutor depois de duas doses, não é mesmo muito difícil de definir. Vale o mesmo para o norte-americano Jeff Koons, de 54 anos, que fez a fama em cima (literalmente) da ex-companheira e atriz pornô Cicciolina, ou seu conterrâneo Matthew Barney, de 43 anos, que se casou com a cantora Björk. Todos adoram circular pelo mundo do rock e andar acompanhados de outras celebridades.



Na outra ponta do salão, ocupada pelos discretos, destacam-se o pintor Jasper Johns e o escultor Richard Serra, ambos norte-americanos, respectivamente com 79 e 70 anos. Os outros cinco artistas selecionados por Tomkins pendem mais para o lado dos escandalosos ou narcisistas incuráveis: Cindy Sherman, Maurizio Cattelan, Julian Schnabel, James Turrell e John Currin, cujas telas são povoadas por gente nua ou seminua fazendo sexo. Sinal dos tempos: quando não são açougueiros como Hirst, são erotômanos como Currin. No fundo, excetuando-se Jasper Johns e Serra, dois mestres, tudo se resume a uma questão de carne, de superfície, nas obras dos contemporâneos selecionados pelo biógrafo, o que torna válido o empréstimo de uma máxima de D.H. Lawrence: vivemos numa era essencialmente trágica. Talvez a infantilização da arte - e os bonequinhos de Jeff Koons e os humanoides de Mathew Barney constituem provas dela - seja um contrapeso para suportar essa condição.



Tomkins não arrisca nenhuma teoria. Se esses artistas têm alguma coisa em comum, argumenta, "é algo que não fica evidente em suas obras". Bem, pelo menos os preços das obras dessas celebridades se equivalem. Há 10 mil artistas só em Nova York, loucos para chegar ao patamar de Damien Hirst, que começou colando lixo em madeira e hoje gruda 8.601 diamantes numa caveira e a vende por US$ 100 milhões (a um grupo privado de investidores). Mais exemplos? A escultura da pantera cor-de-rosa (1988) assinada por Jeff Koons foi vendida por US$ 8 milhões num leilão. Isso é arte? Tomkins, cauteloso, responde que esse é o tipo de armadilha que não prende seu pé. Evoca, em defesa, o que disse seu biografado Duchamp a respeito dos ready-made, aqueles objetos corriqueiros, fabricados industrialmente, dos quais Marcel se apropriou e assinou como seus. O ready-made, disse Duchamp, é "uma forma de negar a possibilidade de definir a arte". Ora, se tudo é arte, tudo é permitido, mas você trocaria uma natureza-morta de Cézanne por uma vaca de Damien Hirst ou um autorretrato de Cindy Sherman?



Tomkins tenta justificar a ausência de gosto de Sherman apelando para sua infância suburbana em Long Island, tendo como pai uma figura detestada pelos cinco filhos, um dos quais se matou aos 27 anos. Cindy, quando criança, tinha a mania - quando não estava vendo televisão - de usar as roupas da avó para se transformar em bruxa. Adulta, passou a fotografar gente deformada, naturezas-mortas com vômito e paródias dos grandes mestres da pintura. Fez fortuna com isso e a revista Artnews, num gesto extremo de insolência jornalística, a colocou junto a Jasper Johns e Bruce Nauman entre os dez principais artistas vivos.



O que o livro de Tomkins revela é como ela e Damien Hirst conseguiram criar, com a ajuda de uma rede de colecionadores, galeristas, curadores e críticos, uma maneira de legitimar uma arte que seria nada se o dinheiro de poderosos colecionadores não estivesse em jogo. Damien Hirst, por exemplo, é amigo de Jay Joplin, filho de ministro do governo Thatcher, que lhe garantiu dinheiro para sua primeira extravagância, um grande armário de vidro com 38 compartimentos, cada um com uma espécie diferente de peixe. Depois, fez uma cabeça de vaca podre, rodeada de moscas, "escultura" comprada pelo colecionador Charles Saatchi, esperto o suficiente para pagar 60 mil libras por um tubarão em formol (depois vendido por milhões).



Saatchi é tão poderoso que destruiu o mercado do transvanguardista Sandro Chia, vendendo suas obras a preços de liquidação. Também brigou com Hirst, mas não conseguiu destruir sua carreira. Outros colecionadores igualmente poderosos investiram em seus bichos e não estavam dispostos a perder dinheiro por causa da briga. Só o crítico David Sylvester, convidado a escrever uma monografia sobre ele, teve uma atitude decente ao dizer que Hirst não tinha autocrítica, era medíocre, banal e comodista.



Esperto mesmo foi Julian Schnabel, o Midas da pintura nos anos 1980. Veio o declínio e Schnabel, antes de migrar para o cinema, passou a fazer retratos de bilionários como o armador Stavros Niarchos. Seus filmes são melhores que suas telas (O Escafandro e a Borboleta ganhou prêmio de direção em Cannes há dois anos). O mesmo não se pode dizer de Matthew Barney. Seus hipersexuados cinco filmes do ciclo Cremaster (de 1994 a 2003) foram saudados há seis anos como uma experiência inaudita. Hoje, a crítica torce o nariz para Barney, cujo consolo é ter Björk cantando em seu banheiro. Poderia ser pior. Poderia ser Madonna.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Geração Sexo-Drogas-e-Rock"n"roll Salvou Hollywood: Easy Riders, Raging Bulls

Tempo em que os diretores é que mandavam

Livro mostra como os cineastas tomaram o poder dos grandes estúdios durante a década de 1970



Ubiratan Brasil

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Tudo começou com uma rajada de balas e terminou com um inferno disfarçado de paraíso - entre Bonnie e Clyde, lançado em 1967, e O Portal do Paraíso, de 1980, o cinema americano viveu seu último apogeu criativo, construído por jovens talentos como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg e vários outros. "Se alguma vez houve uma década de diretores, foi a de 1970", sustenta o jornalista Peter Biskind, que fez inúmeras pesquisas e entrevistas para escrever Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock"n"roll Salvou Hollywood: Easy Riders, Raging Bulls, que a editora Intrínseca lançou no fim de semana, com preciosa tradução de Ana Maria Bahiana.



Publicado originalmente em 1999, trata-se de um retrato meticuloso e escabroso de como uma geração de cineastas assumiu o controle da produção cinematográfica americana depois da falência dos grandes estúdios. Rapidamente batizado de Nova Hollywood pela imprensa, o movimento, além de legar um conjunto de filmes históricos, ensinou muito sobre o atual funcionamento de Hollywood.



O ano de 1969 marcou o início de uma recessão de três anos, com uma queda vertiginosa na venda de ingressos. "A Noviça Rebelde foi o derradeiro suspiro dos filmes "para toda família", e nos cinco anos seguintes a Guerra do Vietnã cresceu de um pontinho no mapa em algum lugar do Sudeste Asiático a uma realidade que podia roubar a vida de qualquer garoto, até mesmo do seu vizinho", escreve Biskind. Assim, diante da hemorragia financeira do fim da década, um novo grupo de executivos estava consideravelmente mais inclinado a correr riscos que seus predecessores, oferecendo condições inigualáveis para os jovens criadores.



A porta estava aberta, portanto, para bandidos heróis (Bonnie e Clyde), família de mafiosos (O Poderoso Chefão), a deterioração mental de um homem violento (Taxi Driver), lunáticos médicos de guerra (M.A.S.H ) até que o estrondoso sucesso de Guerra nas Estrelas (produção de 9,5 milhões de dólares e faturamento de 100 milhões em apenas três meses) e o retumbante fracasso de O Portal do Paraiso (custou 50 milhões de dólares e faturou 1,5 milhão) permitiram que os executivos retomassem as rédeas e criassem um estilo de produção mais cauteloso e menos original. Sobre a ascensão e queda daquela geração, Biskind respondeu, por e-mail, às seguintes questões.



Os diretores foram culpados pelo fim daquela era criativa?



É difícil usar a palavra "culpa". Os diretores certamente não ajudaram ao consumirem muita droga e gastar muito dinheiro. Mas sempre considerei os poderes econômicos, sociais e políticos, decisivamente influentes. Os grandes blockbusters (O Poderoso Chefão, O Exorcista, Tubarão, Guerra nas Estrelas) mudaram tudo. Eles ressuscitaram os estúdios, que então voltaram a se afirmar, aumentando o problema dos diretores ao focarem nesses blockbusters. A Paramount abriu o caminho, retomando o poder que os estúdios foram obrigados a repassar aos diretores. Ao mesmo tempo, o marketing mudou - tornou-se muito mais caro estrear um filme, principalmente por conta do custo de anúncios em TV e nas centenas salas de exibição. E, uma vez terminada a Guerra do Vietnã, com o recrutamento tornando-se coisa do passado, o público dos grandes filmes dos anos 1960 e 70 tornou-se adulto e arrumou emprego. E os garotos que vieram em seguida não estavam nada interessados naquele cinema.



Quando dirigiu Guerra nas Estrelas, George Lucas suspeitava que o filme seria um tremendo sucesso além de revolucionário?



Realmente, não acredito. Ele contou que estava em férias no Havaí e viu longas reportagens sobre o filme na televisão. Ele tinha uma visão profética, no entanto, sobre o cansaço do público em acompanhar tramas complexas como as dirigidas por Robert Altman e Arthur Penn. Lucas percebeu que a plateia queria apenas se divertir por meio de simples universos morais divididos entre chapéus brancos e negros, Luke Skywalker e Darth Vader.



Como você analisa o estado atual do cinema americano?



Muito ruim. Os estúdios produzem caríssimos filmes baseados em quadrinhos e os independentes, que supostamente deveriam segurar as pontas, praticamente desapareceram. A maioria dos estúdios fechou seus departamentos de produções independentes neste ano e os filmes que ainda estão sendo realizados são insípidos e tediosos. Participei do Festival de Nova York e, dos longas a que assisti, salvaram-se apenas os estrangeiros.



Seu livro foi originalmente publicado em 1999. Que alterações faria se o escrevesse nos dias atuais?



Continuo por trás do livro. Desde que ele foi publicado aqui, houve uma certa folga, com algumas pessoas garantindo que os filmes realizados nos anos 1960 e 70 não eram tão bons assim, o que considero uma tremenda bobagem. Foi uma era de ouro e, a julgar pelo atual caminho do cinema, a última. Um detalhe que deixei de lado e que poderia entrar agora é o surgimento das agências de talento nos anos 1970, que tiveram um grande impacto nos 80 e 90 na forma como Hollywood faz cinema. Escrevo agora um artigo para a revista Vanity Fair sobre um agente chamado Freddie Fields, que dirigiu a agência CMA de 1965 a 1975, período em que influenciou enormemente quem fazia cinema na época e nos filmes que realizavam.



Enquanto a década de 1970 foi a era de poder dos diretores, as seguintes foram dominadas por produtores, distribuidores, homens do marketing. Artistas não sabem cuidar de uma produção ou o poder de um orçamento fala mais alto?



Historicamente, os estúdios comandaram o show. Filmagens e publicidade são muito caros, portanto o dinheiro determina, ainda que a revolução digital tenha barateado os custos de produção e novos métodos de distribuição, como por exemplo a internet, tenham feito o mesmo pelo marketing. Os estúdios retomaram o poder nos anos 1980 e recuperaram uma força tal que provocaram uma reação dialética, conhecida como "cinema independente dos anos 1990", que mudou as regras do jogo. Os estúdios, então, cooptaram aquele movimento a tal ponto que o que eles produzem hoje não passa de porcaria. Cineastas, com raras exceções, não são talentosos nem para controlar orçamentos, tampouco para cuidar do próprio trabalho, daí o motivo de termos filmes tão longos nos dias atuais. Essas duas funções teoricamente deveriam ser realizadas por produtores.



Um fato notório que não consta em seu livro foi a separação entre o produtor Harvey Weinstein e o diretor Martin Scorsese, que influenciou negativamente a realização de Gangues de Nova York.



Foi basicamente a colisão entre a ideologia autoral, aquela que pregava "os diretores é que são bons", dos anos 1970, com as regras impostas nos 1990, conferindo o domínio para produtores e distribuidores. Essencialmente, Scorsese saiu vencedor, o que significa dizer que o filme é excessivamente longo, e Harvey, que se destacava pela interferência no trabalho dos cineastas, usurpando suas prerrogativas, ironicamente falhou ao conter e/ou intimidar o diretor, uma vez que o filme se beneficiou de uma cirurgia radical.



Como é possível analisar o atual cinema americano: sua força se deve a fatores econômicos ou há uma influência em seu estilo?



Não se pode separar aspectos econômicos do estilo. Não existe algo como um cinema de pobreza, com um perfil muito próprio, e outro de riqueza, também com um estilo distinto. Hollywood pratica o cinema da riqueza e, nos Estados Unidos, mesmo no que se acostumou chamar de "independente", é preciso ostentar essa pujança na produção em forma de maciez na linguagem, sofisticação estilística, embora um filme que atualmente faz sucesso por aqui, Precious, sobre a periferia negra, seja muito irregular, algo parecido com o brasileiro Cidade de Deus, que, na verdade, é só um pouco irregular. De uma maneira geral, não há muita tolerância aqui para filmes como Gomorra. Preferimos O Poderoso Chefão, uma fantasia.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A quem serve a idéia de que tudo é cultura e que qualquer coisa pode ser arte. ?





A resposta não é complexa e pode ser entendida por qualquer um, mesmo aqueles que não têm grande interesse na arte, qual seja:

Há uma relação direta entre o alardeado pluralismo da idéia da cultura contemporânea e a hoje globalizada hegemonia da economia de mercado.


Idéia facilmente percebida na inversão do reconhecimento da arte e da cultura ,antes feitas por meio do critério e convenções estéticas e simbólicas, por critérios de Marketing e publicidade.
Critérios no qual o objetivo é conquistar o maior numero de pessoas possível, sem qualquer distinção que possa atrapalhar a comercialização de mercadorias

E sobre esse aspecto do panorama cultural e artístico das ultimas 3 décadas que pretendo falar de forma clara e um pouco mais detalhada no ensaio que se segue e que começa com um breve historinha.


magine uma criança que começa a se interessar por coisas relacionadas a cultura e a arte. Vamos considerar que ela teve a imensa sorte de ter uma boa formação escolar, tendo aulas regulares de historia, literatura e artes em todas as fases do Ensino-médio e adquirindo um bom aproveitamento das aulas.



Agora vamos pensar que ela, aplicada como é, queira mais, que anseie por conhecer alem dos manuais e das aulas limitadas a grade curricular. Essa criança privilegiada tem acesso Teatro, Cinema, Galerias, Salas de Concerto e a livros, inclusive em casa onde seus pais fazem parte de uma minoria de brasileiros que possuem uma biblioteca em casa, e o que é mais incrível, um acervo constantemente atualizado na área de humanidades, além, é claro, do acesso a toda mídia de massa.



Finalmente ela procura vorazmente tudo que diz respeito a arte e a cultura dos últimos 30 ou 40 anos ( Ela também procura na Rede mas é muito esperta para não perder muito tempo ai) e, depois de muitos dias experimentando as mais diversas sensações e elaborando as suas impressões a respeito delas, mesmo sabendo que não vai assimilar tudo de uma hora para outra , pois aprendeu que muito do entendimento vem com a experiência e a reflexão a longo prazo, ainda assim, ela sente uma enorme vontade de tentar definir o que são essas duas coisas que são tão ricas, e tão especiais, que lhe parecem muito diferente das outras coisas mas que muitos dizem poder ser tudo, que tudo é cultura e que qualquer coisa pode ser arte.





Como essa criança curiosa e perspicaz , muitos adultos, ainda que bem formados e sensíveis, entre eles alguns próprios artistas, professores e críticos, sentem um vazio enorme diante de algumas coisas que são apresentados a eles como manifestações culturais e artísticas.

Diante de tal frustração muitos simplesmente desistem de entender e se afastam de tais fenômenos. Mas a um outro grupo que, por oficio ou hobby, não admitem desistir e passam a desenvolver uma relação ora de legitimação e reprodução dessa idéia, ora de contestação, por meio de argumentos diversos.



E é a partir dos questionamentos enfáticos dessas pessoas que a pergunta no titulo do ensaio se faz balizadora da discussão.



Continua...




sábado, 14 de novembro de 2009

livro que Nabokov não queria que você lesse


O livro que Nabokov não queria que você lesse
Filho lança "O Original de Laura", livro inacabado que russo pediu que nunca fosse publicado que gostava de escrever no carro, em foto de 1958, nos EUA




REPORTAGEM LOCAL


Vera, mulher de Vladimir Nabokov (1899-1977), foi quem salvou "Lolita" quando o autor começou a pôr fogo nos manuscritos no quintal de casa, em 1950. Ele só via defeitos ali. Publicado cinco anos depois, o romance o consagraria. Agora, leitores de vários países terão acesso a "O Original de Laura", outra obra cujo destino seriam as chamas não fosse a interferência de Vera. Com uma diferença. Nabokov não só não teve tempo de mudar de ideia quanto à qualidade desses últimos rascunhos como não pôde concluí-los, já que morreu antes. Seu derradeiro pedido à mulher foi que ateasse fogo aos papéis caso o romance não fosse finalizado. Sem coragem para queimá-los, Vera os guardou até morrer, em 1991. Dmitri, filho do casal, manteve desde então a dúvida sobre a publicação. Em 2008, fechou com as editoras Knopf/Random House (EUA) e Penguin (Inglaterra). Dmitri alega que se trata de um romance "brilhante". A primeira crítica, feita em julho pela "Publishers Weekly" a partir de um trecho, foi negativa (leia ao lado) e alimentou os comentários sobre o interesse financeiro na decisão -sabe-se que, aos 75, debilitado, o filho de Nabokov precisa pagar internações e exames caros na Suíça. O livro terá lançamento depois de amanhã, num evento em Nova York que contará com a presença do escritor inglês Martin Amis e do irlandês Brian Boyd, mais renomado biógrafo de Nabokov. No Brasil, sai no próximo final de semana, editado pela Alfaguara. Em entrevista à Folha por telefone, da Nova Zelândia, onde vive, Boyd demonstra sentimentos ambíguos em relação ao lançamento. Ele foi consultado por Dmitri ao longo de todo o processo e chegou a ajudá-lo com ideias para a edição, mas ainda lembra a impressão que teve quando, em 1987, tornou-se a primeira pessoa fora da família a ver os rascunhos. "Não fiquei bem impressionado. Quando Vera e Dmitri me perguntaram o que deveria ser feito dos manuscritos, falei para eles os destruírem. Tive medo... Não tinha gostado dos últimos romances dele e tive medo de que "Laura" fosse o sinal evidente do declínio", diz. Boyd ressalva que, naquele momento, só conseguiu ler os rascunhos na frente de Vera, "o que pode ter influenciado no mal-estar em relação ao texto". Biógrafo muda de ideia O biógrafo -que hoje edita uma coletânea de cartas de Nabokov- diz pensar diferente agora. "Quando reli o material, em 2001, meu conceito melhorou muito. Não é uma história incrível, como "Ada ou Ardor", mas tem malícia, capacidade de envolver, um jeito de fazer as coisas acontecerem mais rápido do que o leitor pode lidar. Num ponto baixo de sua carreira, Nabokov descobre novas formas de narrar." "O Original de Laura" tem semelhanças com "Lolita" -envolve a relação entre um homem maduro e uma garota. Flora, cuja vida sexual conturbada levou um ex-amante a escrever escandaloso livro ("Laura"), casa-se com um homem bem mais velho, Philip Wild. Ao longo do livro, Nabokov remete à morte de Wild. Os textos foram escritos em 138 cartões, com situações centrais a partir das quais Nabokov desenvolveria a história. O autor já estava com vários problemas de saúde nos meses em que os rascunhou. Boyd diz que a edição tem a vantagem de deixar claro que não se trata de um trabalho final. A versão em inglês traz reproduções dos cartões que podem ser retiradas e devolvidas ao livro. No Brasil, o livro sairá com os fac-símiles, em inglês, e a tradução ao lado.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009







Obras fundamentais sobre a produção contemporânea, no entanto, chegam atrasadas ao país

Finalmente, dois livros fundamentais sobre a produção contemporânea em artes plásticas são publicados no Brasil: "Estética Relacional", de 1998, e "Pós-Produção", de 2004, ambos do crítico e curador francês Nicolas Bourriaud.


O primeiro, já um clássico, é dos poucos livros que olha a produção dos anos 90 sem preconceito, por alguém que acompanhou de perto toda uma geração, especialmente como curador, e conseguiu traçar linhas comuns. No geral, livros com tal ambição estão mais ocupados em detratar a arte contemporânea em vez de compreendê-la.Em 1998, Bourriaud partiu de um grupo de artistas, hoje quase todos estrelas de grandes mostras ou bienais, como Dominique Gonzalez-Foerster, Pierre Huyghe, Rirkrit Tiravanija e Maurizio Cattelan, e percebeu que, em todos, a ideia de arte como um campo de trocas é comum. Com isso, o crítico francês chegou à definição da estética relacional como "uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das relações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado".Tal conceituação amparou-se ainda na produção de artistas que se tornaram referência nos anos 90, como o cubano Felix Gonzalez-Torres, e os americanos Gordon Matta-Clark e Dan Graham, entre outros.Não à toa Bourriaud foi um dos conferencistas da 27ª Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", de 2006, que exibiu vários dos artistas abordados em "Estética Relacional". Centrada nas ideias de Hélio Oiticica, contudo, a própria Bienal tornou clara uma das deficiências centrais da produção de Bourriaud -seu total desconhecimento da obra de Oiticica, um precursor da arte como estado de encontro, um dos pilares da estética relacional.Já o livro "Pós-Produção", mais recente, continua o raciocínio de "Estética Relacional" sob nova ótica. Enquanto no primeiro volume o foco está no aspecto de convivência e interação da arte contemporânea, o segundo trata das formas de saber que constituem essa produção, especialmente aquelas vinculadas à estrutura em rede da internet, que geram um infinito campo de pesquisa para os artistas.Reorganizar elementosAssim, as práticas contemporâneas não estariam mais preocupadas com a ideia de original, singular, e sim em como reorganizar elementos já existentes, dando a eles novos sentidos, o que, obviamente, tem uma relação forte com os "ready-mades" de Marcel Duchamp, cuja "virtude primordial", segundo o autor, é o estabelecimento de "uma equivalência entre escolher e fabricar, entre consumir e produzir".Esse procedimento pós-produtivo, então, seria a marca fundamental do processo de produção contemporâneo. Essas ideias de Bourriaud, contudo, já fazem parte da recente historiografia da arte contemporânea e influenciaram a organização de várias mostras pelo mundo. Aqui elas chegam um tanto atrasadas.Tanto que, há duas semanas, o próprio Bourriaud encerrou sua curadoria na Trienal da Tate, denominada "Altermodern", criando aí uma nova forma de pensar a produção contemporânea.Não há dúvida de que Bourriaud é dos poucos que não têm medo de pensar a arte hoje. A questão é que ele transforma sua reflexão na mesma velocidade das estações de moda o que, afinal, é mesmo um sintoma desses tempos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

trincheiras da crítica de arte para retomar a guerra entre a visão europeia e a americana da modernidade no século 20



Yve-Alain Bois contra Tom Wolfe, o corsário da arte
Autor de livro sobre legado da vanguarda, o historiador critica o jornalista por obra sobre o mesmo tema
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Crack', de Lichtenstein: Wolfe associa pop aos filisteus. Foto: Abergs Museum/Reuters

SÃO PAULO - Dois livros simultaneamente publicados no Brasil voltam às trincheiras da crítica de arte para retomar a guerra entre a visão europeia e a americana da modernidade no século 20. Do lado europeu está A Pintura como Modelo (Editora WMF Martins Fontes, tradução de Fernando Santos, 448 págs., R$ 89), do crítico, professor e historiador de arte argelino Yve-Alain Bois, de 57 anos, coeditor do mais influente periódico sobre arte da atualidade, October. Do lado americano está uma nova edição do livro A Palavra Pintada (Rocco, tradução de Lia Wyler, 128 págs., R$ 25), do polêmico jornalista Tom Wolfe, de 78 anos, inventor do termo "radical chic" para designar o esquerdismo da classe alta.

Bois é um estruturalista de esquerda, nascido numa família de poucas posses. Tom Wolfe cresceu sem problemas financeiros. Na infância, aprendeu sapateado e balé enquanto Bois lavava carros para comprar livros. Wolfe recusou a admissão na Universidade Princeton, onde hoje Bois dá aulas, preferindo ingressar na tradicional Universidade Washington and Lee (de 1749), onde estudou o pintor Cy Twombly. Dois homens, duas visões de mundo. Tom Wolfe, um dos fundadores do new journalism, nunca demonstrou apreço pela vanguarda americana dos anos 1950, formada por pintores do expressionismo abstrato (Jackson Pollock, Willem de Kooning), ou a dos anos 1960, representada pelo segmento pop (Andy Warhol, Lichtenstein). Isso para não falar de Rothko.

Em A Palavra Pintada, sem medo de jogar fora o bebê com a água da bacia, Wolfe diz que todos são frutos do delírio teórico dos críticos. A arte moderna, defende ele, virou literatura nos escritos de Clement Greenberg (1909-1994), Harold Rosenberg (1906-1978) e Leo Steinberg, de 89 anos - três dos mais respeitados críticos americanos do século 20, apesar de enclausurados por Wolfe no depreciativo neologismo "Cultureburg" - modo de dizer que dominavam o mundo das artes com teorias feitas para justificar os altos preços das obras pagos pela elite americana. A pintura "plana" dos expressionistas abstratos, afirma o corsário jornalista, só existiu para ilustrar os textos desses críticos. Deixou de ser uma experiência visual para se tornar literária. Greenberg, segundo ele, teria usado, e não descoberto, Jackson Pollock, assim como Rosenberg criado Willem de Kooning.

Pura desonestidade de Wolfe, diz por telefone, ao Estado, o crítico Yve-Alain Bois, que, nos anos 1980, decidiu trocar a França pelos EUA justamente por identificar nos críticos americanos uma abertura para o diálogo que não encontrava em Paris - foi na América que Bois ficou amigo de Rosalind Krauss e Douglas Crimp, ambos fundadores de October e conceituados críticos ligados a históricos movimentos como o minimalismo, também detonado por Wolfe.

Tom Wolfe, em seu livro, originalmente publicado em 1975, previu que no século 21 - ou seja, hoje - os críticos do expressionismo abstrato seriam expostos em museus como figuras germinais do período (de 1945 a 1975), e não os artistas que promoveram. Errou feito, mas as previsões são feitas para darem mesmo errado. Em janeiro, ninguém lembrou do centenário de nascimento de Greenberg. No ano passado, quando entrevistei Leo Steinberg para o Estado, por ocasião do lançamento brasileiro de seu livro Outros Critérios, o crítico ficou surpreso por alguém ainda lembrar dele. O nome de Steinberg é evocado por Tom Wolfe em A Palavra Pintada apenas para ser acusado de formular um axioma - o de que a grande arte versa sobre a arte - para justificar as "apropriações" dos artistas dos anos 1950 e 1960, empenhados em transferir a meca da modernidade da Europa para os EUA. O movimento expressionista abstrato, diz, não passou de uma estratégia política para colocar Nova York no mapa das artes do pós-guerra. Em seu livro, Wolfe diz ainda que o expressionismo abstrato apenas reciclou o modernismo inicial europeu e que a arte pop não passou de um comentário do expressionismo abstrato - segundo ele, uma relação "incestuosa", questionando se não haveria nisso "algo ligeiramente tacanho, sectário’’.

Bois, que escreveu A Pintura como Modelo em 1990, se encarrega de responder. Ele reprova a interpretação de Wolfe. Não compartilha nem da sua ironia nem da trágica previsão do crítico Arthur Danto sobre o fim da arte. Tampouco acredita em pós-modernismo, contestando a importância dada pelo mercado a artistas cínicos como Jeff Koons e Damien Hirst, "bons comerciantes", segundo Bois. "Minha interpretação do modernismo está, sim, ligada ao mito da morte da arte, mas, como estruturalista, devo dizer que o projeto do modernismo não teria funcionado sem esse mito apocalíptico." Bois lembra que Mondrian, o grande renovador da pintura europeia, a quem dedicou vários estudos e de quem foi curador de uma retrospectiva, tinha plena consciência de que sua pintura "se diluiria na esfera da vida" , ou seja, que morreria para renascer de outra forma, em outro lugar, como profetizou o escritor austríaco Robert Musil (1880-1942).

Tom Wolfe, segundo Bois, agiu de maneira "desonesta" ao generalizar e atribuir o caráter fetichista da mercadoria às obras de arte produzidas pelos expressionistas abstratos. A burguesia americana não erigiu um panteão museológico ao seu próprio poder de compra. Comprou os trabalhos de Pollock e Warhol por reconhecer neles algo que faltava num simples readymade de Duchamp, defende o crítico, contestando Wolfe sobre o "teorismo" - a obrigação de ser teórico - dos críticos da geração de Greenberg. "Devo dizer, como aluno de Roland Barthes, que Wolfe está totalmente equivocado, pois não se ‘aplica’ uma teoria." Opositor da leitura iconológica da obra de arte, ele, além de formalista, é um modernista irredutível, no sentido de acreditar que uma peça contemporânea está historicamente ligada ao passado.

Para Bois, o papel da crítica, hoje, diminuiu. "Não creio que o crítico seja mais importante para o mercado." Talvez um historiador. Em seu livro, ele lembra a lição do marchand Daniel Henry-Kahnweiler (1884-1979), galerista alemão de Picasso e Braque e primeiro teórico do cubismo, para desmontar a tese de Wolfe. O jornalista americano defende que, na época dos dois pintores cubistas, bastava a um artista produzir obras "que intrigassem ou subvertessem a confortável visão burguesa da realidade" para garantir seu sucesso. Bois mostra que, ao contrário, Kahnweiler, pioneiro editor de Apollinaire, batalhou junto à mídia para dar explicações sobre a obra de Picasso e Braque e conquistar o público leigo. "O mais importante é que Kahnweiler tinha uma teoria", arremata Bois. E Tom Wolfe? Passa bem, obrigado. Acaba de ganhar US$ 7 milhões por sua quarta novela, Back to Blood, que fala de imigrantes.

Pontos de vista de cada um:
Clement Greenberg: "Ele usou o sucesso avalizado de Pollock para afirmar a integridade do plano do quadro. Greenberg não descobriu Pollock nem criou sua fama, como posteriormente se disse muitas vezes."
Leo Steinberg: "Atacou o expressionismo abstrato exatamente porque estava dizendo que havia encontrado algo mais novo e melhor, a arte pop."
Arte Pop: "Era, do princípio ao fim, uma afirmação irônica, artificial, intelectual-literária da banalidade, da idiotice, da vulgaridade, et cetera da cultura americana."
Teorias: "Nenhuma das pinturas expressionistas abstratas que restou daquela época florescente de 1946 a 1960 pode ser considerada um monumento tão perfeito ao período quanto as teorias. Teorias? Eram bem mais que teorias, eram construções mentais."
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A praga do Curadorismo


A praga do Curadorismo
Sem obras, mostra em SP atesta importância crescente do curador no circuito; críticos e artistas reclamam dessa tendênciaSILAS MARTÍDA REPORTAGEM LOCAL Quase um ano depois do vazio da última Bienal de São Paulo, começa em outubro outra mostra sem obras de arte. O Paço das Artes pretende expor 150 projetos de artistas e curadores -esboços do que seriam obras ou futuras exposições, ainda no estágio do rascunho."Muita gente diz que não aguenta mais exposição sem obra", diz Roberto Winter, um dos curadores da "Temporada de Projetos na Temporada de Projetos", nome redundante da mostra-provocação. "A gente também acha que vai ser chato, uma coisa monótona", adianta.A monotonia se junta no início de outubro à radicalidade do Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna paulistano, que desta vez vetou artistas brasileiros na mostra.São indícios no cenário artístico da influência crescente dos curadores, que às vezes ofuscam os próprios artistas -o que muitos no meio já apelidaram de "praga do curadorismo".Em viagem a Istambul, o curador do Panorama, Adriano Pedrosa, enviou por e-mail considerações sobre curadores-autores. "Uma exposição é sempre determinada ou limitada por experiências de vida, perspectivas, conhecimentos [do curador]", dizia. Não respondia questões da reportagem, mas elencou declarações em inglês sobre o assunto e pediu para conferir a tradução."Existe muito ego", opina Agnaldo Farias, um dos curadores da próxima Bienal de São Paulo. "São esses momentos quando o trabalho se volta muito para o próprio meio artístico."Foi essa a principal acusação contra o gesto dos curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen de deixar vazio um andar inteiro do pavilhão da Bienal no ano passado. "As pessoas querem ver arte, ninguém está muito a fim disso", afirma o crítico Tiago Mesquita, que não autorizou a exposição de seu projeto no Paço das Artes."Fizeram a curadoria da curadoria; era demais", diz Mesquita. "Curador não é artista, ninguém vai lá ver curador."Um dos dois brasileiros a passar pela peneira da curadoria e entrar no Panorama deste ano, Valdirlei Dias Nunes diz que "sem dúvida, o nome do curador aparece muito mais do que qualquer artista até agora". Dias Nunes só entrou para a exposição por indicação de um artista argentino.Nos anos 80, Lisette Lagnado, curadora da Bienal de São Paulo de 2006, já perguntava em artigos se os curadores seriam as novas estrelas da arte. Em texto recente publicado no site "Trópico", afirma que "no Brasil a crescente demanda por curadores independentes alcançou um nível epidêmico desproporcional à realidade das coleções dos museus".À Folha, Lagnado disse depois que nunca recebeu tantos convites para participar de debates sobre curadoria no país. Enquanto isso, universidades e museus vêm turbinando seus cursos para formar curadores."Há um risco hoje em dia de o curador tomar o lugar da obra que ele cura", diz o artista Nuno Ramos. Carlos Fajardo também vê uma importância crescente do curador, mas diz que é "impossível" fugir a essa lógica.Apontado como um dos nomes centrais dessa nova geração, o titular da próxima Bienal de São Paulo, Moacir dos Anjos, tenta definir melhor os papéis. "Curador é curador, artista é artista", resume Anjos. "Sempre existe um grau de autoria numa exposição, mas isso não faz do curador um artista."Mesmo quando esse curador acaba mais falado do que a própria exposição. Ivo Mesquita não se desvencilhou do pavilhão vazio. Sheila Leirner pôs a Bienal de São Paulo no mapa quando decidiu expor lado a lado as grandes telas da geração 80, num compêndio expressivo da volta à pintura. Teixeira Coelho atiçou a ira de público e artistas quando espalhou telas pelo chão do Itaú Cultural."Nossa proposta é mais autoral mesmo", admite Luiza Proença, parceira de Roberto Winter na curadoria da mostra de projetos no Paço. "É provocativo, mas artistas dependem dessa provocação", diz ela, que quando não ocupa o papel de curadora, também é artista.
Curadoria é um novo poder no sistema da arte
MARCOS AUGUSTO GONÇALVESDA REPORTAGEM LOCAL A multiplicação em escala global de museus, galerias, bienais, feiras e coleções -além, obviamente, de artistas- veio a consagrar, nas últimas décadas, a figura do curador como um novo poder no sistema da arte.É ele quem orienta a formação de acervos públicos e coleções privadas, propõe conceitos e seleciona artistas e obras para grandes mostras.A curadoria tornou-se rapidamente uma nova possibilidade de inserção no mercado para intelectuais e especialistas em arte. Um aspecto positivo desse processo é que, em tese, essas atividades tornam-se mais qualificadas. Uma das desvantagens é que em outras circunstâncias esses profissionais poderiam dedicar-se à crítica de arte -que parece cada vez menos influente e mais rarefeita.É verdade que há no exercício da curadoria uma dimensão crítica. Ao selecionar e relacionar, o curador assume um ponto de vista e o defende em entrevistas, artigos ou textos publicados em catálogos. Mas a curadoria não pode substituir a crítica propriamente dita.O poder da curadoria chegou ao ponto de moldar a própria produção de arte e ao extremo de tentar substituí-la. Para o artista Nuno Ramos, a ascensão do curador corresponde a uma fase na qual, como nunca, o discurso institucional tenta prevalecer sobre as obras de arte.Em entrevista à Folha, em 2007, Nuno citou a última edição da Bienal de São Paulo, que deixou vazio um andar do pavilhão, como um símbolo dessa realidade: "Uma Bienal sem obras de arte, como a que foi divulgada com tanto alarde, é uma espécie de realização selvagem de um desejo institucional coletivo -a instituição enfim livre da arte, livre desses chatos desses artistas

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

papa nem é pop, mas quer a arte



O papa nem é pop, mas quer a arte No dia 21 de novembro, Bento XVI tem encontro marcado com 500 artistas do mundo inteiro, de olho no 'processo criativo'
Sérgio Augusto
Será num sábado, no Dia de São Gelásio. E no mais valioso espaço artístico da Igreja, a Capela Sistina. Sob o afresco de Leonardo Da Vinci, Bento XVI terá um encontro com cerca de 500 artistas do mundo inteiro. O Vaticano não esconde o jogo: a Igreja quer melhorar suas relações com o mundo da arte contemporânea, aparar arestas, eliminar tensões e, na medida do possível, "participar mais ativamente do processo criativo" - razão pela qual marcará presença na Bienal de Veneza de 2011.
Por razões protocolares, a lista completa dos convidados de Bento XVI ainda não foi divulgada. O diretor de teatro de vanguarda americano Bob Wilson, o compositor de cinema Ennio Morricone e o cineasta Giuseppe Tornatore já aceitaram o convite. Seria imprudente apostar na presença dos escritores Dan Brown (O Código Da Vinci) e Philip Pullman (A Bússola de Ouro), e, mais ainda, na do escultor milanês Paolo Schmidlin, aquele que há dois anos esculpiu Bento XVI como um transexual chamado "Miss Kitty". O papa abriu-se ao diálogo, não fez restrições religiosas e ideológicas (notórios ateus integrariam a lista), mas para tudo há um limite. O artista plástico alemão Martin Kippenberger, por exemplo, dificilmente seria convidado.
Foi Kippenberger, morto em 1997, quem pregou aquele blasfemo sapo na cruz, que tanto horror causou a Bento XVI quando exposto num museu de Bolzano, no ano passado. Sabina Guzzanti? Tem mais chances, mas é de se supor que se recusaria a confraternizar com o sumo pontífice. A popular comediante italiana tornou-se a maior inimiga pública do atual pontificado. Um ano atrás, durante uma manifestação em Roma contra o conservadorismo da Igreja, mandou o papa para o inferno. Desde Dante nenhuma figura pública italiana condenava um papa ao caldeirão do diabo. Mas o Bonifácio 8 º de Dante ao menos não era atormentado por capetas homossexuais, como na praga que Guzzanti rogou para Bento XVI.
Oficialmente, a data do encontro (21 de novembro) foi agendada meio ao acaso. Não deve, portanto, ser vista como uma homenagem sibilina aos 155 anos do papa Bento 15. A Voltaire, outro aniversariante do dia, muito menos, embora, à luz dos últimos acontecimentos e do atual projeto de distenção artística do Vaticano, talvez fizesse sentido homenageá-lo. Se até Oscar Wilde já foi admitido no rebanho da Igreja, por que não Voltaire?
Porque Voltaire morreu sem aceitar o Vaticano, ao contrário de Wilde, "o homossexual dissoluto" na pleonástica definição de um bispo, que no leito de morte se converteu ao catolicismo. Ninguém podia imaginar que um dia o Vaticano fosse incorporá-lo ao seu rebanho. Logo ele, que além de dissoluto passou boa parte da vida maldizendo o papa e a Igreja católica. De origem protestante, abominava todas as crenças (a verdade religiosa, dizia, nada mais é que a opinião que sobreviveu), e se afinal encantou-se pelo catolicismo foi por considerá-lo uma religião exclusiva para "santos e pecadores". Para as "pessoas respeitáveis", acrescentou, "a Igreja Anglicana serve".
Satisfeito entre os pecadores, nunca, na vida plena, Wilde se esforçou para rever sua posição sobre o Vaticano. Dez anos antes de morrer ainda considerava o papa "um déspota que tiraniza as almas", uma criatura a serviço do mal. "É preferível para o artista não viver com os papas", aconselhou quase ao final do ensaio A Alma do Homem Sob o Socialismo. Claro que nenhuma dessas afirmações entrou na antologia de tiradas do escritor, organizada em 2007 pelo padre Leonardo Sapienza, chefe do protocolo do Vaticano, mas ela marcou o início da reabilitação de Wilde pela Igreja.
Recentemente o jornal oficioso do Vaticano, L"Osservatore Romano, publicou um artigo de Paolo Giuliano pondo Wilde nas alturas. "Ele foi muito mais que "um esteta e um amante do efêmero", muito mais que um inconformista que adorava chocar a sociedade conservadora da Inglaterra vitoriana", escreveu Giuliano. Wilde, prosseguiu, "foi uma das personalidades do século 19 que analisaram com mais lucidez o mundo moderno em todos os seus aspectos, dos mais perturbadores aos mais positivos", sempre a se perguntar "sobre o que era justo e o que era errado, o que era verdadeiro e o que era falso".
Abril ou maio teriam sido meses mais adequados para o encontro de Bento XVI com os artistas, já que o evento é um tributo ao décimo aniversário da Carta aos Artistas, divulgada por João Paulo 2º em 4 de abril de 1999, e aos 45 anos de uma histórica confabulação de Paulo 6º com um grupo de artistas, também na Capela Sistina, em 7 de maio de 1964. Em sua epístola aos artistas, João Paulo 2º alertava para o bem que a arte faz à Igreja, necessidade de que nunca descurou Paulo 6º, ligado na arte contemporânea e mentor da ala moderna do Museu do Vaticano.
Ele próprio artista, do piano, Bento XVI é um tradicionalista assumido, inclusive, dizem, no gosto musical. Ele abriu espaço para a missa em latim, estimulou a presença, nos templos, do canto gregoriano e da música renascentista, e reforçou todos os dogmas do catolicismo. Seu estilo de vestir (mitras, mozetas púrpuras, casulas muito bordadas) é puro vintage, remonta aos séculos 15 e 16. Tais escolhas trazem o seguinte recado: a Igreja não muda, nem nas vestimentas. Sua próxima "volta ao passado" não se destina, felizmente, à Idade Média, mas à Renascença.
Conforme salientou monsenhor Guido Marini, mestre das celebrações litúrgicas pontificiais, "o santo padre apenas deseja que os católicos vejam o amplo espectro de sua tradição cultural". Amplidão que nem o mais ímpio dos ateus é capaz de negar ou, mesmo, subestimar.
Faz pouco tempo o filósofo alemão Jürgen Habermas, de cujo ateísmo ninguém duvida, reconheceu publicamente o cristianismo como "a referência da civilização ocidental, o supremo guardião da liberdade, da consciência, dos direitos humanos e da democracia", passando por cima de seus pecados remotos e recentes. Camille Paglia, pagã juramentada, feroz inimiga do "moralismo e da pudicícia das crenças organizadas", também já se manifestou em favor da recuperação da religião como fonte de inspiração artística. Há dois anos, num ensaio sobre o empobrecimento cultural da América, recomendou aos artistas maior atenção ao "complexo sistema simbólico" das religiões e menor apego ao materialismo narcisístico da sociedade secularizada, herança maldita da iconoclastia puritana.
Eis aí dois intelectuais que mereciam ter sido convidados para o encontro de 21 de novembro. Se é que não foram.

domingo, 27 de setembro de 2009





A aventura do romance
Em cinco volumes e com colaboradores do porte de Vargas Llosa eUmberto Eco, estudo organizado pelo italiano Franco Moretti examina ogênero que melhor traduz a ficção, no mais ambicioso trabalho járealizado até hoje sobre o tema
Antonio Gonçalves FilhoTamanho
A AQuando o professor italiano de literatura Franco Moretti começou aorganizar o primeiro dos cinco volumes que compõem a coleção ORomance, cujo primeiro (A Cultura do Romance) está sendo lançado pelaCosac Naify (1.120 págs., tradução de Denise Bottman, R$ 130), sabiaque contava para o monumental projeto com estudiosos nãonecessariamente alinhados com sua visão - a de que o modelointerpretativo de análise literária isolada de obras (o chamado "closereading") está ultrapassado. Pluralista, Moretti defende um novomodelo analítico, transformando a crítica num verdadeiro laboratório,em que o cientista literário terá de dominar várias disciplinas - daantropologia à geografia, passando pela biologia - para evitar o víciocanônico de um Harold Bloom. Sobre ele e sua coleção, cujos próximosvolumes serão lançados um a cada semestre, Moretti, cujo sobrenometrai seu parentesco com o irmão cineasta Nanni Moretti (O Quarto doFilho), falou pelo telefone com o Estado, destacando a participação dedois dos seus colaboradores brasileiros, Roberto Schwarz e Luiz CostaLima.
São nomes estelares numa constelação de críticos e escritores entre os178 colaboradores de 99 instituições do mundo inteiro. A listaimpressiona: fazem parte do comitê científico que supervisiona acoleção o peruano Mario Vargas Llosa, colaborador do Estado, e ocrítico literário norte-americano Fredric Jameson. Entre os outroscolaboradores, destacam-se o teórico e romancista italiano UmbertoEco, o poeta e ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger, o antropólogoinglês Jack Goody, o escritor italiano Claudio Magris e a críticaargentina Beatriz Sarlo. Talvez seja o suficiente para convencer omais cético dos leitores sobre a proposta de fazer dessa uma obra dereferência para a atual e as próximas gerações de estudiosos.
Originalmente publicada em italiano pela Einaudi, entre 2001 e 2003, acoleção teve uma versão reduzida (dois volumes) lançada na Inglaterrahá três anos e foi saudada pelo crítico David Trotter, do LondonReview of Books, como um marco entre os estudos literários. Comjustiça. O gênero romance é dissecado no "microscópio" de Moretti nãosó por especialistas em literatura como por antropólogos, sociólogos efilósofos. Num mundo globalizado, que ignora peculiaridades locais eem que cada vez mais fica difícil distinguir entre literaturafrancesa, angolana ou brasileira, Moretti propõe um seminário decrítica menos parecido com um simpósio da academia platônica e maispróximo de seu laboratório, em que bancos da dados críticos possamsuprir as necessidades teóricas dos estudiosos.
On 27 set, 04:53, Jimmy Avila <jimmy...@gmail.com> wrote:> E com grande emoçao que posto eesa noticia. Depois de mais de 10 anos> finalmente a obra maxima sobre o " Romance" é traduzida pela cosac!>> Coletânea de ensaios sobre o romance, organizada por Franco Moretti, é> lançada no Brasil>> RAFAEL CARIELLO> DA REPORTAGEM LOCAL>> A obra de maior ambição do italiano Franco Moretti, professor de> literatura na Universidade Stanford, nos EUA, ele próprio um dos mais> ambiciosos e ousados críticos literários em atividade, começa a ser> editada no Brasil.> O primeiro dos cinco volumes de "O Romance" ("A Cultura do Romance",> ed. Cosac Naify, trad. Denise Bottmann, 1.120 páginas, R$ 130) chega> às livrarias. Moretti é o organizador dessa coletânea de ensaios de> especialistas de vários países -nomes como Fredric Jameson, Umberto> Eco, Mario Vargas Llosa, Beatriz Sarlo e Roberto Schwarz, entre> outros- que se debruçam sobre a história, em todas as partes do globo,> do gênero literário que dá nome à empreitada.> Na entrevista a seguir, ele fala sobre a versão ocidental do romance,> seu momento de ascensão e definição formal no século 18 e a tarefa do> gênero de apresentar "soluções imaginárias para as contradições reais"> e irreconciliáveis da modernidade.>> FOLHA - Em um artigo recente, o sr. diz que algumas características do> gênero romance, no Ocidente, têm a ver com o padrão de consumo> específico que passou a marcar essas sociedades a partir do século 18.> Poderia explicar?> FRANCO MORETTI - No século 18 houve certamente um aumento> significativo do consumo de "luxos cotidianos", como tecidos,> relógios, móveis, café etc. Também houve um aumento no consumo de> livros, e de romances. Geralmente os historiadores literários buscam> uma explicação para esse aumento de vendas de livros na própria> estrutura dos romances -que seriam mais bem escritos, mais realistas,> mais interessantes para os leitores, e por aí vai.> Procurei uma explicação alternativa para o fato de, de repente, os> romances venderem mais. Defendi que a razão deve ser semelhante àquela> que levou, no mesmo período, a uma produção e a um consumo maior de> relógios, por exemplo.> Um desenvolvimento geral de bem-estar material e de riqueza,> provocando um modo diferente de se relacionar com os romances, que> passam a ser objeto de um tipo de leitura mais distraída.>> FOLHA - O sr. compara o crescimento no número de pessoas capazes de> ler, que teria dobrado, e o crescimento na venda ou no aluguel de> romances, que teria aumentado de forma muito maior...> MORETTI - Sim, isso indica que as pessoas estavam lendo um número> maior de obras, e que essa leitura era feita de uma outra maneira;> elas as liam de forma mais desatenta.>> FOLHA - E isso implica uma nova forma estética para o romance?> MORETTI - Sim. Que relação exata há entre uma coisa e outra, tenho> dúvidas se saberia dizer. De todo modo, os romances passaram a ter que> ser escritos de forma a capturar esse novo tipo de atenção. Por outro> lado, isso não determina um tipo específico de estilo ou de trama. O> que se percebe é que os romances não são tomados como uma arte séria,> como passaram a ser bem mais tarde, já no século 20.>> FOLHA - O sr. faz um contraste com a China na mesma época.> MORETTI - Sim, na China os romances tinham uma estrutura narrativa e> estética muito mais complexa, e isso impossibilitava o tipo de leitura> "desatenta" que se tornou tão importante no Ocidente.>> FOLHA - O sr. chama a atenção para o fato de muitos romances serem, no> fundo, uma história de aventura. Alguém vai para algum lugar novo,> inexplorado, tentar algo que não havia sido feito antes etc. E diz que> isso termina sendo, de certa forma, uma característica "arcaica" do> romance, já que o protótipo dessas aventuras seria o cavaleiro> medieval. Qual é a razão, a seu ver, da força desse arcaísmo?> MORETTI - A maioria dos gêneros mais populares dos últimos 200 anos é> uma variação da história de aventura. Isso vale para a ficção> científica, para as histórias de detetive etc. Isso parece ser um> fato. Mas como se deu isso? Havia, primeiro, um enorme reservatório de> histórias desse tipo, que foram escritas ao longo de séculos e> reutilizadas nos romances.> Mas a verdadeira questão é: por que essas antigas histórias> permaneceram tão vivas, tão importantes na modernidade? Provavelmente> a resposta é parecida com aquela que podemos dar a outras questões> próprias à modernidade, como, por exemplo: por que o poder patriarcal> se manteve tão forte sob o capitalismo, na sociedade burguesa?> O capitalismo -e a modernidade- sempre fez uso, adaptou ou cooptou> formas preexistentes de poder simbólico ou real. Isso vale com a> monarquia, com o patriarcalismo, com a escravidão. Penso que algo> semelhante ocorreu no imaginário ocidental com as histórias de> aventura e o romance. Antigas alianças desaparecem muito lentamente,> se de fato chegam a desaparecer.>> FOLHA - O sr. diz que o próprio fato de a trama aventuresca ser> arcaica serve a um propósito...> MORETTI - Ela recebe uma função a cumprir. Especialmente na> representação da guerra, creio, que é um aspecto fundamental do> imaginário de aventura e do capitalismo. O que acontece quando a> sociedade capitalista moderna tem que ir à guerra? Ela tem que ter uma> cultura da guerra, e o capitalismo moderno, enquanto tal, não dispõe> dessa cultura específica. Ele a herdou de outras formações sociais. A> aventura é uma realização simbólica, idealizada da guerra.> Então, a razão pela qual temos aventura no romance moderno é a mesma> por que temos guerras no capitalismo. Sempre se disse que o comércio> substituiria a guerra, e que, em vez de nos matarmos uns aos outros,> trocaríamos produtos. Isso, claro, nunca aconteceu.>> FOLHA - Por falar em guerra, em um outro livro, o sr. diz que o> romance cumpre a função de nos consolar com compromissos, ajustes> possíveis, em meio a uma época de conflitos incessantes e inevitáveis.> Como a ideia de aventura se reconcilia com essa, de "consolo"?> MORETTI - Ainda penso na literatura como uma forma de "compromisso",> de ajuste simbólico possível, de "solução" para os conflitos de uma> época. Creio que, de fato, os romances permitem às pessoas se sentirem> menos desconfortáveis em meio a esses seus conflitos.> Há esta fórmula de Lévi-Strauss para os mitos: soluções imaginárias> para contradições reais. Creio que isso explica o que acontece com os> romances e o modo como, ao longo do tempo, algumas obras são> selecionadas pelos leitores em detrimento de outras. Há contradições> (sociais, econômicas) que são mais importantes e soluções (nas obras)> que parecem mais plausíveis.> O romance policial, por exemplo, tem muito a ver com o antigo mundo de> aventura -há o desconhecido, há ganância, mistérios-, mas a estrutura> é reapresentada de forma completamente racionalizada. É um gênero de> um mundo de físicos, químicos, advogados, do século 19, da época> vitoriana. É claramente um compromisso, um ajuste entre a antiga> lógica das histórias de aventura e a nova lógica de um mundo racional> e cientificista.--~--~---------~--~----~------------~-------~--~----~

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Bob Wilsom volta ao Brasil com texto de Muller

O encenador americano Bob Wilson sacudiu o Brasil nos anos 70 com um teatro que desprezava o texto. No mês em que ele volta ao país, a atriz Maria Alice Vergueiro lembra do impacto causado por sua primeira vinda
Por Maria Alice Verqueiro

AAA


Isabelle Huppert e Ariel García Valdés em cena de Quartett, que Bob Wilson traz ao país. Em seu teatro, os atores não eram importantes. Como será agora?

Com texto do dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995) e atuação da francesa Isabelle Huppert, Quartett marca o retorno de Bob Wilson aos palcos brasileiros. Trinta e cinco anos atrás, o diretor americano promoveu um acontecimento no Teatro Municipal de São Paulo com as 12 horas de apresentação de A Vida e a Época de Joseph Stalin, durante o Festival Internacional de São Paulo. Em pleno regime militar, o nome do ditador soviético teve de ser substituído por "Dave Clark", porque a censura achou que ali tinha coisa. O que havia de subversivo, contudo, estava na encenação, que incluía atores imóveis, e na relação anárquica com a plateia — os espectadores tinham a liberdade de, por exemplo, entrar e sair a qualquer momento.

Entre as testemunhas desse frisson estava a atriz Maria Alice Vergueiro. Naquele ano de 1974, Maria Alice era integrante do Teatro Oficina. A atriz escreve sobre o impacto dessa apresentação num país bem mais provinciano do que hoje, sacudido pela contracultura e os movimentos artísticos de vanguarda — e também sobre sua expectativa em relação a Quartett.

Eu tinha 39 anos. Era uma época muita boa, viva, forte — mas complicada. Eu tinha terminado de atuar na peça Gracias, Señor (1972), o José Celso Martinez Corrêa tinha sido preso e estava exilado em Portugal, e o grupo que ele liderava — e do qual eu fazia parte — morava no Teatro Oficina, que estava uma decadência total. No Brasil, vivíamos em plena ditadura. Nesse contexto, a vinda do Bob Wilson foi um baque de modernidade. Com a contracultura em alta, questionava-se o tradicional, o racional e o naturalismo dentro das artes. Era um teatro diferente de tudo, um teatro que reforçava a consciência do corpo, que levava as artes plásticas e a dança para o palco. A intenção era que o espectador tivesse ideias próprias, não se limitando ao que o artista queria passar.

Nessa época, o Oficina já tinha rompido com o naturalismo. A discussão no teatro era sobre o uso da palavra, e Bob Wilson era visto como o homem que brigava com a palavra. Nas suas peças, o ator quase fazia parte do cenário — e o visual era central para ele. Nessa época, ele tinha 33 anos. Agora está com 68 e tem dado mais valor ao texto. Está lidando com Heiner Müller, com Samuel Beckett, e tudo isso é o teatro da palavra.

Apesar disso, ele usa o texto de outra maneira, apenas certos trechos para instigar o espectador, não convencer ou influenciar. Sobre o Bob Wilson, o Zé Celso já disse: "É um grande artista que recebe rios de dinheiro para fazer as pessoas dormirem no teatro". Mas, para o diretor americano, dormir não é necessariamente uma coisa ofensiva — é o relaxamento, pois ao dormir você sonha, e sonhar é receber o espetáculo por outra via.

Por isso, quando A Vida e a Época de Joseph Stalin chegou ao país, ficamos excitados — embora tivéssemos a percepção de que o dinheiro para trazê-lo poderia financiar vários de nossos projetos. Nós estávamos sem nenhum tostão, e havia certa inveja. Mas Bob Wilson fazia uma coisa tão diferente que todo mundo embarcou na dele. E é assim até hoje. Ele ainda está na crista da onda e recebe grandes verbas. Talvez seja mesmo o sujeito que melhor exprimiu nosso tempo. Dentro de um sistema econômico liberal, foi revolucionário nas artes.

Tanto que quase impediram a estreia de A Vida e a Época de Joseph Stalin. Naquele ambiente provinciano em que vivíamos, parecia muito estranho o Teatro Municipal ficar aberto 12 horas, com os espectadores livres para entrar, sair ou dormir — o que quisessem, pois faziam parte do espetáculo. Eram cem atores em cena, mas nunca ao mesmo tempo. Era uma coisa anárquica. Eu, por exemplo, não assisti ao espetáculo inteiro. Fui ao Municipal para vender pôsteres do Richard Nixon vestido de preso, mas tinha polícia à paisana de olho. Durante a peça, eu estava com a turma no foyer do teatro ganhando algum dinheiro. Ali virou um ponto, com gente entrando, saindo, espiando. Com tudo isso, mesmo que o espetáculo não fosse subversivo por si, o evento era.

Como espetáculo, A Vida e a Época de Joseph Stalin não me pegou. Mas eu compreendi que no teatro dele não precisa de ator. É um teatro de diretor. Por isso, muitos não gostam desse trabalho. Mas agora, com Quartett, com a grande atriz francesa Isabelle Huppert, veremos um Bob Wilson bem diferente do dos anos 70.

É justamente essa a minha curiosidade em relação ao espetáculo que irá estrear no Brasil. O que seria a arte do ator no teatro de Bob Wilson? Acho que teremos que esperar para ver a Isabelle Huppert.


Maria Alice Vergueiro é atriz, autora de Tapa na Pantera na Íntegra — Uma Autobiografia Não-Autorizada.



A PEÇA
Quartett. De Heiner Müller. Direção de Bob Wilson. Com Isabelle Huppert. Sesc Pinheiros (rua Paes Leme, 195, São Paulo, SP, tel. 0++/11/3095-9400). Dias 12, 13, 15 e 16/9. Sáb., 3ª e 4ª, às 21h; dom., às 18h. R$ 15 e R$ 30. No 16o festival Porto Alegre em Cena, no Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, Porto Alegre, RS, tel. 0++/51/3347-8636). De 23 a 25/9. De 4ª a sex., às 21h. R$ 10 e R$

Bob Wilsom volta ao Brasil com texto de Muller

O encenador americano Bob Wilson sacudiu o Brasil nos anos 70 com um teatro que desprezava o texto. No mês em que ele volta ao país, a atriz Maria Alice Vergueiro lembra do impacto causado por sua primeira vinda
Por Maria Alice Verqueiro

AAA


Isabelle Huppert e Ariel García Valdés em cena de Quartett, que Bob Wilson traz ao país. Em seu teatro, os atores não eram importantes. Como será agora?

Com texto do dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995) e atuação da francesa Isabelle Huppert, Quartett marca o retorno de Bob Wilson aos palcos brasileiros. Trinta e cinco anos atrás, o diretor americano promoveu um acontecimento no Teatro Municipal de São Paulo com as 12 horas de apresentação de A Vida e a Época de Joseph Stalin, durante o Festival Internacional de São Paulo. Em pleno regime militar, o nome do ditador soviético teve de ser substituído por "Dave Clark", porque a censura achou que ali tinha coisa. O que havia de subversivo, contudo, estava na encenação, que incluía atores imóveis, e na relação anárquica com a plateia — os espectadores tinham a liberdade de, por exemplo, entrar e sair a qualquer momento.

Entre as testemunhas desse frisson estava a atriz Maria Alice Vergueiro. Naquele ano de 1974, Maria Alice era integrante do Teatro Oficina. A atriz escreve sobre o impacto dessa apresentação num país bem mais provinciano do que hoje, sacudido pela contracultura e os movimentos artísticos de vanguarda — e também sobre sua expectativa em relação a Quartett.

Eu tinha 39 anos. Era uma época muita boa, viva, forte — mas complicada. Eu tinha terminado de atuar na peça Gracias, Señor (1972), o José Celso Martinez Corrêa tinha sido preso e estava exilado em Portugal, e o grupo que ele liderava — e do qual eu fazia parte — morava no Teatro Oficina, que estava uma decadência total. No Brasil, vivíamos em plena ditadura. Nesse contexto, a vinda do Bob Wilson foi um baque de modernidade. Com a contracultura em alta, questionava-se o tradicional, o racional e o naturalismo dentro das artes. Era um teatro diferente de tudo, um teatro que reforçava a consciência do corpo, que levava as artes plásticas e a dança para o palco. A intenção era que o espectador tivesse ideias próprias, não se limitando ao que o artista queria passar.

Nessa época, o Oficina já tinha rompido com o naturalismo. A discussão no teatro era sobre o uso da palavra, e Bob Wilson era visto como o homem que brigava com a palavra. Nas suas peças, o ator quase fazia parte do cenário — e o visual era central para ele. Nessa época, ele tinha 33 anos. Agora está com 68 e tem dado mais valor ao texto. Está lidando com Heiner Müller, com Samuel Beckett, e tudo isso é o teatro da palavra.

Apesar disso, ele usa o texto de outra maneira, apenas certos trechos para instigar o espectador, não convencer ou influenciar. Sobre o Bob Wilson, o Zé Celso já disse: "É um grande artista que recebe rios de dinheiro para fazer as pessoas dormirem no teatro". Mas, para o diretor americano, dormir não é necessariamente uma coisa ofensiva — é o relaxamento, pois ao dormir você sonha, e sonhar é receber o espetáculo por outra via.

Por isso, quando A Vida e a Época de Joseph Stalin chegou ao país, ficamos excitados — embora tivéssemos a percepção de que o dinheiro para trazê-lo poderia financiar vários de nossos projetos. Nós estávamos sem nenhum tostão, e havia certa inveja. Mas Bob Wilson fazia uma coisa tão diferente que todo mundo embarcou na dele. E é assim até hoje. Ele ainda está na crista da onda e recebe grandes verbas. Talvez seja mesmo o sujeito que melhor exprimiu nosso tempo. Dentro de um sistema econômico liberal, foi revolucionário nas artes.

Tanto que quase impediram a estreia de A Vida e a Época de Joseph Stalin. Naquele ambiente provinciano em que vivíamos, parecia muito estranho o Teatro Municipal ficar aberto 12 horas, com os espectadores livres para entrar, sair ou dormir — o que quisessem, pois faziam parte do espetáculo. Eram cem atores em cena, mas nunca ao mesmo tempo. Era uma coisa anárquica. Eu, por exemplo, não assisti ao espetáculo inteiro. Fui ao Municipal para vender pôsteres do Richard Nixon vestido de preso, mas tinha polícia à paisana de olho. Durante a peça, eu estava com a turma no foyer do teatro ganhando algum dinheiro. Ali virou um ponto, com gente entrando, saindo, espiando. Com tudo isso, mesmo que o espetáculo não fosse subversivo por si, o evento era.

Como espetáculo, A Vida e a Época de Joseph Stalin não me pegou. Mas eu compreendi que no teatro dele não precisa de ator. É um teatro de diretor. Por isso, muitos não gostam desse trabalho. Mas agora, com Quartett, com a grande atriz francesa Isabelle Huppert, veremos um Bob Wilson bem diferente do dos anos 70.

É justamente essa a minha curiosidade em relação ao espetáculo que irá estrear no Brasil. O que seria a arte do ator no teatro de Bob Wilson? Acho que teremos que esperar para ver a Isabelle Huppert.


Maria Alice Vergueiro é atriz, autora de Tapa na Pantera na Íntegra — Uma Autobiografia Não-Autorizada.



A PEÇA
Quartett. De Heiner Müller. Direção de Bob Wilson. Com Isabelle Huppert. Sesc Pinheiros (rua Paes Leme, 195, São Paulo, SP, tel. 0++/11/3095-9400). Dias 12, 13, 15 e 16/9. Sáb., 3ª e 4ª, às 21h; dom., às 18h. R$ 15 e R$ 30. No 16o festival Porto Alegre em Cena, no Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, Porto Alegre, RS, tel. 0++/51/3347-8636). De 23 a 25/9. De 4ª a sex., às 21h. R$ 10 e R$

Bob Wilsom volta ao Brasil com texto de Muller

O encenador americano Bob Wilson sacudiu o Brasil nos anos 70 com um teatro que desprezava o texto. No mês em que ele volta ao país, a atriz Maria Alice Vergueiro lembra do impacto causado por sua primeira vinda
Por Maria Alice Verqueiro

AAA


Isabelle Huppert e Ariel García Valdés em cena de Quartett, que Bob Wilson traz ao país. Em seu teatro, os atores não eram importantes. Como será agora?

Com texto do dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995) e atuação da francesa Isabelle Huppert, Quartett marca o retorno de Bob Wilson aos palcos brasileiros. Trinta e cinco anos atrás, o diretor americano promoveu um acontecimento no Teatro Municipal de São Paulo com as 12 horas de apresentação de A Vida e a Época de Joseph Stalin, durante o Festival Internacional de São Paulo. Em pleno regime militar, o nome do ditador soviético teve de ser substituído por "Dave Clark", porque a censura achou que ali tinha coisa. O que havia de subversivo, contudo, estava na encenação, que incluía atores imóveis, e na relação anárquica com a plateia — os espectadores tinham a liberdade de, por exemplo, entrar e sair a qualquer momento.

Entre as testemunhas desse frisson estava a atriz Maria Alice Vergueiro. Naquele ano de 1974, Maria Alice era integrante do Teatro Oficina. A atriz escreve sobre o impacto dessa apresentação num país bem mais provinciano do que hoje, sacudido pela contracultura e os movimentos artísticos de vanguarda — e também sobre sua expectativa em relação a Quartett.

Eu tinha 39 anos. Era uma época muita boa, viva, forte — mas complicada. Eu tinha terminado de atuar na peça Gracias, Señor (1972), o José Celso Martinez Corrêa tinha sido preso e estava exilado em Portugal, e o grupo que ele liderava — e do qual eu fazia parte — morava no Teatro Oficina, que estava uma decadência total. No Brasil, vivíamos em plena ditadura. Nesse contexto, a vinda do Bob Wilson foi um baque de modernidade. Com a contracultura em alta, questionava-se o tradicional, o racional e o naturalismo dentro das artes. Era um teatro diferente de tudo, um teatro que reforçava a consciência do corpo, que levava as artes plásticas e a dança para o palco. A intenção era que o espectador tivesse ideias próprias, não se limitando ao que o artista queria passar.

Nessa época, o Oficina já tinha rompido com o naturalismo. A discussão no teatro era sobre o uso da palavra, e Bob Wilson era visto como o homem que brigava com a palavra. Nas suas peças, o ator quase fazia parte do cenário — e o visual era central para ele. Nessa época, ele tinha 33 anos. Agora está com 68 e tem dado mais valor ao texto. Está lidando com Heiner Müller, com Samuel Beckett, e tudo isso é o teatro da palavra.

Apesar disso, ele usa o texto de outra maneira, apenas certos trechos para instigar o espectador, não convencer ou influenciar. Sobre o Bob Wilson, o Zé Celso já disse: "É um grande artista que recebe rios de dinheiro para fazer as pessoas dormirem no teatro". Mas, para o diretor americano, dormir não é necessariamente uma coisa ofensiva — é o relaxamento, pois ao dormir você sonha, e sonhar é receber o espetáculo por outra via.

Por isso, quando A Vida e a Época de Joseph Stalin chegou ao país, ficamos excitados — embora tivéssemos a percepção de que o dinheiro para trazê-lo poderia financiar vários de nossos projetos. Nós estávamos sem nenhum tostão, e havia certa inveja. Mas Bob Wilson fazia uma coisa tão diferente que todo mundo embarcou na dele. E é assim até hoje. Ele ainda está na crista da onda e recebe grandes verbas. Talvez seja mesmo o sujeito que melhor exprimiu nosso tempo. Dentro de um sistema econômico liberal, foi revolucionário nas artes.

Tanto que quase impediram a estreia de A Vida e a Época de Joseph Stalin. Naquele ambiente provinciano em que vivíamos, parecia muito estranho o Teatro Municipal ficar aberto 12 horas, com os espectadores livres para entrar, sair ou dormir — o que quisessem, pois faziam parte do espetáculo. Eram cem atores em cena, mas nunca ao mesmo tempo. Era uma coisa anárquica. Eu, por exemplo, não assisti ao espetáculo inteiro. Fui ao Municipal para vender pôsteres do Richard Nixon vestido de preso, mas tinha polícia à paisana de olho. Durante a peça, eu estava com a turma no foyer do teatro ganhando algum dinheiro. Ali virou um ponto, com gente entrando, saindo, espiando. Com tudo isso, mesmo que o espetáculo não fosse subversivo por si, o evento era.

Como espetáculo, A Vida e a Época de Joseph Stalin não me pegou. Mas eu compreendi que no teatro dele não precisa de ator. É um teatro de diretor. Por isso, muitos não gostam desse trabalho. Mas agora, com Quartett, com a grande atriz francesa Isabelle Huppert, veremos um Bob Wilson bem diferente do dos anos 70.

É justamente essa a minha curiosidade em relação ao espetáculo que irá estrear no Brasil. O que seria a arte do ator no teatro de Bob Wilson? Acho que teremos que esperar para ver a Isabelle Huppert.


Maria Alice Vergueiro é atriz, autora de Tapa na Pantera na Íntegra — Uma Autobiografia Não-Autorizada.



A PEÇA
Quartett. De Heiner Müller. Direção de Bob Wilson. Com Isabelle Huppert. Sesc Pinheiros (rua Paes Leme, 195, São Paulo, SP, tel. 0++/11/3095-9400). Dias 12, 13, 15 e 16/9. Sáb., 3ª e 4ª, às 21h; dom., às 18h. R$ 15 e R$ 30. No 16o festival Porto Alegre em Cena, no Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, Porto Alegre, RS, tel. 0++/51/3347-8636). De 23 a 25/9. De 4ª a sex., às 21h. R$ 10 e R$

Bob Wilsom volta ao Brasil com texto de Muller

O encenador americano Bob Wilson sacudiu o Brasil nos anos 70 com um teatro que desprezava o texto. No mês em que ele volta ao país, a atriz Maria Alice Vergueiro lembra do impacto causado por sua primeira vinda
Por Maria Alice Verqueiro

AAA


Isabelle Huppert e Ariel García Valdés em cena de Quartett, que Bob Wilson traz ao país. Em seu teatro, os atores não eram importantes. Como será agora?

Com texto do dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995) e atuação da francesa Isabelle Huppert, Quartett marca o retorno de Bob Wilson aos palcos brasileiros. Trinta e cinco anos atrás, o diretor americano promoveu um acontecimento no Teatro Municipal de São Paulo com as 12 horas de apresentação de A Vida e a Época de Joseph Stalin, durante o Festival Internacional de São Paulo. Em pleno regime militar, o nome do ditador soviético teve de ser substituído por "Dave Clark", porque a censura achou que ali tinha coisa. O que havia de subversivo, contudo, estava na encenação, que incluía atores imóveis, e na relação anárquica com a plateia — os espectadores tinham a liberdade de, por exemplo, entrar e sair a qualquer momento.

Entre as testemunhas desse frisson estava a atriz Maria Alice Vergueiro. Naquele ano de 1974, Maria Alice era integrante do Teatro Oficina. A atriz escreve sobre o impacto dessa apresentação num país bem mais provinciano do que hoje, sacudido pela contracultura e os movimentos artísticos de vanguarda — e também sobre sua expectativa em relação a Quartett.

Eu tinha 39 anos. Era uma época muita boa, viva, forte — mas complicada. Eu tinha terminado de atuar na peça Gracias, Señor (1972), o José Celso Martinez Corrêa tinha sido preso e estava exilado em Portugal, e o grupo que ele liderava — e do qual eu fazia parte — morava no Teatro Oficina, que estava uma decadência total. No Brasil, vivíamos em plena ditadura. Nesse contexto, a vinda do Bob Wilson foi um baque de modernidade. Com a contracultura em alta, questionava-se o tradicional, o racional e o naturalismo dentro das artes. Era um teatro diferente de tudo, um teatro que reforçava a consciência do corpo, que levava as artes plásticas e a dança para o palco. A intenção era que o espectador tivesse ideias próprias, não se limitando ao que o artista queria passar.

Nessa época, o Oficina já tinha rompido com o naturalismo. A discussão no teatro era sobre o uso da palavra, e Bob Wilson era visto como o homem que brigava com a palavra. Nas suas peças, o ator quase fazia parte do cenário — e o visual era central para ele. Nessa época, ele tinha 33 anos. Agora está com 68 e tem dado mais valor ao texto. Está lidando com Heiner Müller, com Samuel Beckett, e tudo isso é o teatro da palavra.

Apesar disso, ele usa o texto de outra maneira, apenas certos trechos para instigar o espectador, não convencer ou influenciar. Sobre o Bob Wilson, o Zé Celso já disse: "É um grande artista que recebe rios de dinheiro para fazer as pessoas dormirem no teatro". Mas, para o diretor americano, dormir não é necessariamente uma coisa ofensiva — é o relaxamento, pois ao dormir você sonha, e sonhar é receber o espetáculo por outra via.

Por isso, quando A Vida e a Época de Joseph Stalin chegou ao país, ficamos excitados — embora tivéssemos a percepção de que o dinheiro para trazê-lo poderia financiar vários de nossos projetos. Nós estávamos sem nenhum tostão, e havia certa inveja. Mas Bob Wilson fazia uma coisa tão diferente que todo mundo embarcou na dele. E é assim até hoje. Ele ainda está na crista da onda e recebe grandes verbas. Talvez seja mesmo o sujeito que melhor exprimiu nosso tempo. Dentro de um sistema econômico liberal, foi revolucionário nas artes.

Tanto que quase impediram a estreia de A Vida e a Época de Joseph Stalin. Naquele ambiente provinciano em que vivíamos, parecia muito estranho o Teatro Municipal ficar aberto 12 horas, com os espectadores livres para entrar, sair ou dormir — o que quisessem, pois faziam parte do espetáculo. Eram cem atores em cena, mas nunca ao mesmo tempo. Era uma coisa anárquica. Eu, por exemplo, não assisti ao espetáculo inteiro. Fui ao Municipal para vender pôsteres do Richard Nixon vestido de preso, mas tinha polícia à paisana de olho. Durante a peça, eu estava com a turma no foyer do teatro ganhando algum dinheiro. Ali virou um ponto, com gente entrando, saindo, espiando. Com tudo isso, mesmo que o espetáculo não fosse subversivo por si, o evento era.

Como espetáculo, A Vida e a Época de Joseph Stalin não me pegou. Mas eu compreendi que no teatro dele não precisa de ator. É um teatro de diretor. Por isso, muitos não gostam desse trabalho. Mas agora, com Quartett, com a grande atriz francesa Isabelle Huppert, veremos um Bob Wilson bem diferente do dos anos 70.

É justamente essa a minha curiosidade em relação ao espetáculo que irá estrear no Brasil. O que seria a arte do ator no teatro de Bob Wilson? Acho que teremos que esperar para ver a Isabelle Huppert.


Maria Alice Vergueiro é atriz, autora de Tapa na Pantera na Íntegra — Uma Autobiografia Não-Autorizada.



A PEÇA
Quartett. De Heiner Müller. Direção de Bob Wilson. Com Isabelle Huppert. Sesc Pinheiros (rua Paes Leme, 195, São Paulo, SP, tel. 0++/11/3095-9400). Dias 12, 13, 15 e 16/9. Sáb., 3ª e 4ª, às 21h; dom., às 18h. R$ 15 e R$ 30. No 16o festival Porto Alegre em Cena, no Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, Porto Alegre, RS, tel. 0++/51/3347-8636). De 23 a 25/9. De 4ª a sex., às 21h. R$ 10 e R$

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Literatos tambem fofocam!






15 Agosto 2009 - 02h00

Paixão: Escritor e Raquel dos Santos têm 35 anos de diferença
Lobo Antunes rejuvenesce com novo amor
António Lobo Antunes madrugou ontem para receber no aeroporto de Lisboa a nova namorada, a jornalista brasileira Raquel Cristina dos Santos. Os dois conheceram-se há cerca de dois meses durante a Feira Literária Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro, e tencionam trocar votos matrimoniais dentro de pouco tempo, segundo avançou ao CM Sheila Moura, melhor amiga e madrinha de Raquel dos Santos.


O escritor, de 66 anos, chegou pelas 07h00 ao aeroporto de Lisboa e andava ansioso pela área das chegadas com um ramo de rosas vermelhas na mão. Mais de uma hora depois, a jornalista brasileira, de 31 anos, cruzou a porta de desembarque e o casal reencontrou-se finalmente. Sem ligar à multidão que os rodeava, Lobo Antunes e Raquel trocaram abraços e beijos calorosos. Os olhos brilhavam e os sorrisos cúmplices denunciavam a paixão que os une, apesar da diferença de idades ser de 35 anos.

À equipa do CM o escritor ainda tentou esconder o relacionamento entre ambos: 'Vim aqui buscar uma amiga. Apenas isso', disse Lobo Antunes ao ser questionado sobre o romance.

Mas, perante as evidências, desabafou: 'Até me avisaram para não vir cá porque podia ser apanhado e agora estão aqui vocês. Nem quero acreditar... A minha família não sabe de nada. Isto é incrível. Nós somos uma família muito discreta, não gostamos da exposição pública', desabafou.

Sheila Moura garante que a amiga de longa data está muito apaixonada pelo escritor, por quem nutria uma paixão platónica há anos. 'A Raquel é uma grande fã de toda a obra de Lobo Antunes. Está a tirar um doutoramento focado nos livros dele e sempre sonhou conhecê-lo. No início de Junho, isso aconteceu e o Lobo Antunes ficou encantado. Começaram logo a namorar e ele convidou-a para ir a Portugal ', relata a amiga.

A tia de Raquel, Fátima, com quem a jovem vive na cidade de Jundiaí, no Interior do Estado de São Paulo, disse ao CM estar bastante contente com a relação. 'A minha sobrinha sempre foi uma miúda que encheu a família de orgulho. Por isso, se ela está feliz com o romance, nós também estamos', disse, sem querer contar se já foi apresentada ao escritor. 'Não vou falar mais nada. Acho indelicado falar da vida da Raquel. Ela pediu à família e aos amigos para não prestarem declarações e vamos respeitar a sua vontade', acrescentou Fátima.

PERFIL

António Lobo Antunes nasceu em Lisboa, a 1 de Setembro de 1942, no seio de uma família da alta burguesia. Licenciou-se em Medicina e especializou-se em Psiquiatria. Exerceu a profissão no Hospital Miguel Bombarda, dedicando-se desde 1985 exclusivamente à escrita. Já publicou cerca de três dezenas de livros e recebeu inúmeros prémios

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Será que Poetas lêem pouco?




Será que Poetas lêem pouco?


Qual seria a o propósito de um questionamento nesse sentido para o debate literário no Brasil.?

Essa não é um libelo contra os poetas, mas sobre um fenômeno contemporâneo que tem chamado muita atenção entre quem ama literatura e faz disso uma das coisas importantes da vida.

Sabemos que para muitas pessoas, incluso artistas e poetas, essa questão pode não ter a menor importância, nem mesmo como curiosidade. A elas, reservamos o total direito de não levarem o assunto em consideração, Alheando-se a uma discussão que “nada tem a ver com a criação poética”.

Mas, por outro lado, seja como leitor inveterado ou escritor, para pessoas que tem a literatura como parte indispensável de suas vidas essa é uma pergunta de grande interesse.

A questão parte do convívio quase diário com poetas com uma produção significativa de longos anos, alguns inclusive ganhadores de um prêmios. Além de reconhecidos por seus pares.

Indo direto ao ponto, o fato é que, curiosamente, muitos dos poetas, ou que se afirmam como tal, (essa distinção será cuidadosamente observada aqui) que pipocam a todo momento em diverso meios, não só artísticos, revelam explicitamente falta de repertorio mínimo no campo da literatura e até, surpreendentemente, em seu próprio metier a poesia.

De cara, dois questionamentos bem destintos se impõem:

Uma pessoa é poeta simplesmente por se afirmar assim?
O poeta tem obrigação de ler outros escritores?

Hoje em dia, do Advogado ao artista plástico, passando pelo jovem estudante colegial, todo mundo faz alguns versinhos, todos tem alguma poesia para mostrar e a maioria não tem o menor duvida em se apresentar como poeta.
Evidentemente não são dessas doces e sensíveis pessoas, que algumas vezes só procuram reencantar suas vidas, que precisamos de saber o porquê de tal disparate.

A segunda pergunta tem um peso maior para o nosso propósito e esta diretamente relacionada questão principal, é daí que surgem diretamente as vozes dos poetas.

“ Minha poesia vem da minha experiência de vida, do cotidiano”
“ Escrevo a partir da minha vivencia pessoal, não me interessa a visão dos outros”
“ Não leio para não me influenciar”

São algumas das não raras frases que se pode ouvir de parte dos milhares de poetas que freqüentam as dezenas de saraus de São Paulo, hoje o estado que sedia alguns dos mais populares do Brasil.

Sem entrar no mérito profundo da questão, pode-se dizer, no mínimo, que essa é uma postura claramente indiferente que serve de desculpa para ignorar toda tradição literária,que se consolidou ao longo de milênios, única e exclusivamente por mérito estético.
Uma fonte de matéria-prima artística resultante de vidas e experiências incontáveis, tão nossas como qualquer outra coisa.

E claro que não se trata de extirpar o espontaneismo da poesia, não se pode negar o caráter intuitivo ou instintivo da arte tantas vezes reverenciado nos manifestos como o Surrealismo, dos escritos de Kandinky ou da literatura Beat., entre dezenas de outros exemplos.

Mesmo neste texto que escrevo a intuição tem papel fundamental, pois parte de uma impressão meramente empírica e que não é resultado de leitura alguma que eu tenha feito nos últimos tempos, além disso não consulto nenhum livro ou artigo para me auxiliar nesse momento.
Porem, não posso negar que tal reflexão só poderia ter sido desencadeada pelo fato de dispor de um conhecimento embasado no imaginário literário e não só em minhas experiências.


Tudo isso para dizer que,na pratica, parece revelar o real motivo da gritante falta de leitura entre muitos poetas é, não o anseio a originalidade ou a criação artística autoral e de forte cunho pessoal, mas, esse éo ponto, a “ Persona de Poeta” , a caracterização de um anônimo em “ artista”, em um ser diferenciado.

Todo mundo sabe o prestigio, pouco que seja que alguém que se envolve com algum ramo da literatura ou da cultura goza nos círculos sociais. Em casos mais extremos poder-se-ia apontar em investidas como essa uma carência de auto-estima ou um mero clamor por popularidade fácil.

O status advindo da Persona de Poeta induz ao aumento da auto- estima e a sensação de estar participando de um circulo – restrito de notáveis , pois, não podemos esquecer, nem todo o planeta virou poeta!


.Se assim for, resta aos colegas de tão importante esforço que se deixam tomar pelo olhar sublimado e devastado sobre a vida que a literatura lança para mundo