domingo, 27 de setembro de 2009





A aventura do romance
Em cinco volumes e com colaboradores do porte de Vargas Llosa eUmberto Eco, estudo organizado pelo italiano Franco Moretti examina ogênero que melhor traduz a ficção, no mais ambicioso trabalho járealizado até hoje sobre o tema
Antonio Gonçalves FilhoTamanho
A AQuando o professor italiano de literatura Franco Moretti começou aorganizar o primeiro dos cinco volumes que compõem a coleção ORomance, cujo primeiro (A Cultura do Romance) está sendo lançado pelaCosac Naify (1.120 págs., tradução de Denise Bottman, R$ 130), sabiaque contava para o monumental projeto com estudiosos nãonecessariamente alinhados com sua visão - a de que o modelointerpretativo de análise literária isolada de obras (o chamado "closereading") está ultrapassado. Pluralista, Moretti defende um novomodelo analítico, transformando a crítica num verdadeiro laboratório,em que o cientista literário terá de dominar várias disciplinas - daantropologia à geografia, passando pela biologia - para evitar o víciocanônico de um Harold Bloom. Sobre ele e sua coleção, cujos próximosvolumes serão lançados um a cada semestre, Moretti, cujo sobrenometrai seu parentesco com o irmão cineasta Nanni Moretti (O Quarto doFilho), falou pelo telefone com o Estado, destacando a participação dedois dos seus colaboradores brasileiros, Roberto Schwarz e Luiz CostaLima.
São nomes estelares numa constelação de críticos e escritores entre os178 colaboradores de 99 instituições do mundo inteiro. A listaimpressiona: fazem parte do comitê científico que supervisiona acoleção o peruano Mario Vargas Llosa, colaborador do Estado, e ocrítico literário norte-americano Fredric Jameson. Entre os outroscolaboradores, destacam-se o teórico e romancista italiano UmbertoEco, o poeta e ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger, o antropólogoinglês Jack Goody, o escritor italiano Claudio Magris e a críticaargentina Beatriz Sarlo. Talvez seja o suficiente para convencer omais cético dos leitores sobre a proposta de fazer dessa uma obra dereferência para a atual e as próximas gerações de estudiosos.
Originalmente publicada em italiano pela Einaudi, entre 2001 e 2003, acoleção teve uma versão reduzida (dois volumes) lançada na Inglaterrahá três anos e foi saudada pelo crítico David Trotter, do LondonReview of Books, como um marco entre os estudos literários. Comjustiça. O gênero romance é dissecado no "microscópio" de Moretti nãosó por especialistas em literatura como por antropólogos, sociólogos efilósofos. Num mundo globalizado, que ignora peculiaridades locais eem que cada vez mais fica difícil distinguir entre literaturafrancesa, angolana ou brasileira, Moretti propõe um seminário decrítica menos parecido com um simpósio da academia platônica e maispróximo de seu laboratório, em que bancos da dados críticos possamsuprir as necessidades teóricas dos estudiosos.
On 27 set, 04:53, Jimmy Avila <jimmy...@gmail.com> wrote:> E com grande emoçao que posto eesa noticia. Depois de mais de 10 anos> finalmente a obra maxima sobre o " Romance" é traduzida pela cosac!>> Coletânea de ensaios sobre o romance, organizada por Franco Moretti, é> lançada no Brasil>> RAFAEL CARIELLO> DA REPORTAGEM LOCAL>> A obra de maior ambição do italiano Franco Moretti, professor de> literatura na Universidade Stanford, nos EUA, ele próprio um dos mais> ambiciosos e ousados críticos literários em atividade, começa a ser> editada no Brasil.> O primeiro dos cinco volumes de "O Romance" ("A Cultura do Romance",> ed. Cosac Naify, trad. Denise Bottmann, 1.120 páginas, R$ 130) chega> às livrarias. Moretti é o organizador dessa coletânea de ensaios de> especialistas de vários países -nomes como Fredric Jameson, Umberto> Eco, Mario Vargas Llosa, Beatriz Sarlo e Roberto Schwarz, entre> outros- que se debruçam sobre a história, em todas as partes do globo,> do gênero literário que dá nome à empreitada.> Na entrevista a seguir, ele fala sobre a versão ocidental do romance,> seu momento de ascensão e definição formal no século 18 e a tarefa do> gênero de apresentar "soluções imaginárias para as contradições reais"> e irreconciliáveis da modernidade.>> FOLHA - Em um artigo recente, o sr. diz que algumas características do> gênero romance, no Ocidente, têm a ver com o padrão de consumo> específico que passou a marcar essas sociedades a partir do século 18.> Poderia explicar?> FRANCO MORETTI - No século 18 houve certamente um aumento> significativo do consumo de "luxos cotidianos", como tecidos,> relógios, móveis, café etc. Também houve um aumento no consumo de> livros, e de romances. Geralmente os historiadores literários buscam> uma explicação para esse aumento de vendas de livros na própria> estrutura dos romances -que seriam mais bem escritos, mais realistas,> mais interessantes para os leitores, e por aí vai.> Procurei uma explicação alternativa para o fato de, de repente, os> romances venderem mais. Defendi que a razão deve ser semelhante àquela> que levou, no mesmo período, a uma produção e a um consumo maior de> relógios, por exemplo.> Um desenvolvimento geral de bem-estar material e de riqueza,> provocando um modo diferente de se relacionar com os romances, que> passam a ser objeto de um tipo de leitura mais distraída.>> FOLHA - O sr. compara o crescimento no número de pessoas capazes de> ler, que teria dobrado, e o crescimento na venda ou no aluguel de> romances, que teria aumentado de forma muito maior...> MORETTI - Sim, isso indica que as pessoas estavam lendo um número> maior de obras, e que essa leitura era feita de uma outra maneira;> elas as liam de forma mais desatenta.>> FOLHA - E isso implica uma nova forma estética para o romance?> MORETTI - Sim. Que relação exata há entre uma coisa e outra, tenho> dúvidas se saberia dizer. De todo modo, os romances passaram a ter que> ser escritos de forma a capturar esse novo tipo de atenção. Por outro> lado, isso não determina um tipo específico de estilo ou de trama. O> que se percebe é que os romances não são tomados como uma arte séria,> como passaram a ser bem mais tarde, já no século 20.>> FOLHA - O sr. faz um contraste com a China na mesma época.> MORETTI - Sim, na China os romances tinham uma estrutura narrativa e> estética muito mais complexa, e isso impossibilitava o tipo de leitura> "desatenta" que se tornou tão importante no Ocidente.>> FOLHA - O sr. chama a atenção para o fato de muitos romances serem, no> fundo, uma história de aventura. Alguém vai para algum lugar novo,> inexplorado, tentar algo que não havia sido feito antes etc. E diz que> isso termina sendo, de certa forma, uma característica "arcaica" do> romance, já que o protótipo dessas aventuras seria o cavaleiro> medieval. Qual é a razão, a seu ver, da força desse arcaísmo?> MORETTI - A maioria dos gêneros mais populares dos últimos 200 anos é> uma variação da história de aventura. Isso vale para a ficção> científica, para as histórias de detetive etc. Isso parece ser um> fato. Mas como se deu isso? Havia, primeiro, um enorme reservatório de> histórias desse tipo, que foram escritas ao longo de séculos e> reutilizadas nos romances.> Mas a verdadeira questão é: por que essas antigas histórias> permaneceram tão vivas, tão importantes na modernidade? Provavelmente> a resposta é parecida com aquela que podemos dar a outras questões> próprias à modernidade, como, por exemplo: por que o poder patriarcal> se manteve tão forte sob o capitalismo, na sociedade burguesa?> O capitalismo -e a modernidade- sempre fez uso, adaptou ou cooptou> formas preexistentes de poder simbólico ou real. Isso vale com a> monarquia, com o patriarcalismo, com a escravidão. Penso que algo> semelhante ocorreu no imaginário ocidental com as histórias de> aventura e o romance. Antigas alianças desaparecem muito lentamente,> se de fato chegam a desaparecer.>> FOLHA - O sr. diz que o próprio fato de a trama aventuresca ser> arcaica serve a um propósito...> MORETTI - Ela recebe uma função a cumprir. Especialmente na> representação da guerra, creio, que é um aspecto fundamental do> imaginário de aventura e do capitalismo. O que acontece quando a> sociedade capitalista moderna tem que ir à guerra? Ela tem que ter uma> cultura da guerra, e o capitalismo moderno, enquanto tal, não dispõe> dessa cultura específica. Ele a herdou de outras formações sociais. A> aventura é uma realização simbólica, idealizada da guerra.> Então, a razão pela qual temos aventura no romance moderno é a mesma> por que temos guerras no capitalismo. Sempre se disse que o comércio> substituiria a guerra, e que, em vez de nos matarmos uns aos outros,> trocaríamos produtos. Isso, claro, nunca aconteceu.>> FOLHA - Por falar em guerra, em um outro livro, o sr. diz que o> romance cumpre a função de nos consolar com compromissos, ajustes> possíveis, em meio a uma época de conflitos incessantes e inevitáveis.> Como a ideia de aventura se reconcilia com essa, de "consolo"?> MORETTI - Ainda penso na literatura como uma forma de "compromisso",> de ajuste simbólico possível, de "solução" para os conflitos de uma> época. Creio que, de fato, os romances permitem às pessoas se sentirem> menos desconfortáveis em meio a esses seus conflitos.> Há esta fórmula de Lévi-Strauss para os mitos: soluções imaginárias> para contradições reais. Creio que isso explica o que acontece com os> romances e o modo como, ao longo do tempo, algumas obras são> selecionadas pelos leitores em detrimento de outras. Há contradições> (sociais, econômicas) que são mais importantes e soluções (nas obras)> que parecem mais plausíveis.> O romance policial, por exemplo, tem muito a ver com o antigo mundo de> aventura -há o desconhecido, há ganância, mistérios-, mas a estrutura> é reapresentada de forma completamente racionalizada. É um gênero de> um mundo de físicos, químicos, advogados, do século 19, da época> vitoriana. É claramente um compromisso, um ajuste entre a antiga> lógica das histórias de aventura e a nova lógica de um mundo racional> e cientificista.--~--~---------~--~----~------------~-------~--~----~

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