quarta-feira, 31 de março de 2010

Festival de Curitiba mostra o esfacelamento de fronteira entre teatro








Festival de Curitiba mostra o esfacelamento de fronteira entre teatro


e artes plásticas; o trabalho de cenógrafos ascende a um primeiro

plano e faz com que cenário, luz e trilha deixem de ser elementos

ilustrativos





Lenise Pinheiro/Folha Imagem





O ator Germano Mello, em cena de ‘Travesties’, com direção de Caetano

Vilela





GUSTAVO FIORATTI

ENVIDADO ESPECIAL A CURITIBA





No momento em que o ator Ranieri Gonzales toma impulso para um

mergulho de cabeça contra a parede cenográfica do espetáculo "Vida",

fica em suspensão não só o ritmo alucinante de uma peça cheia de

dilemas íntimos, com base na obra de Paulo Leminski, mas também uma

espécie de simbologia metalinguística apontando o esfacelamento de

fronteiras entre expressões artísticas, mais especificamente entre

teatro e artes visuais.

Com essa peça sobretudo, mas também em "Cinema", de Felipe Hirsch,

"Travesties", da Companhia de Ópera Seca, e "Um Navio no Espaço ou Ana

Cristina César", dirigida por Paulo José, o festival representou um

grupo de encenadores empenhados em reverter uma tradicional hierarquia

das artes cênicas. Nestes trabalhos, cenário, luz e trilha sonora

deixam de ser elementos ilustrativos.

Sinais dos tempos, estavam presentes na mostra contemporânea desta

edição do festival cenografias assinadas por Daniela Thomas

("Cinema"), William Pereira ("Travesties"), Márcio Medina ("Till, a

Saga de um Herói Torto") e Bia Lessa ("Formas Breves"). São nomes

habituados a lidar com essa quebra; todos eles já exerceram alguma

outra representação artística, ou como diretores, ou como escritores e

intérpretes, ou como escultores até.

"Estive na Bienal de Veneza de 2009, e ali ficou muito evidente que as

fronteiras entre expressões artísticas caducaram", diz Daniela Thomas.

Sua cenografia para "Cinema" praticamente fundamenta a composição

dramatúrgica da peça. É sobre o cenário, pensado também por Hirsch

antes do texto, que surge o protagonista de uma história: o próprio

cinema. Não é literal, mas está ali "o retrato de uma sala de rua de

São Paulo, dessas que estão desaparecendo", define o diretor.

A iluminação reflete no rosto dos personagens, sentados numa plateia,

a luz emitida por um projetor. Foi concebida por Beto Bruel,

iluminador que já venceu três vezes o Shell.

De volta ao ator que se jogou contra o cenário de "Vida", atravessando

uma de suas paredes, rasgando com o próprio corpo um ambiente onírico

e claustrofóbico: quão próximo estaria ele de uma ação performática,

expressão hoje mais relacionada às artes visuais?

Muito próximo, responde o diretor da peça, Márcio Abreu. "A interface

com artes de outra natureza abre o campo de leitura do texto." Por

trás daquela cena, existe um trabalho de materiais. O próprio

cenógrafo, Fernando Marés, ganhou arranhões, testando a possibilidade

de romper a parede com o corpo. Faz lembrar a dupla Marina Abramovic e

Ulay em "Interruption in Space", de 1977, em que ambos se jogam contra

a parede à exaustão.

O cenário de "Travesties" é outro exemplo, chegou ao teatro Guaíra em

dois caminhões. Um amontoado de jornais e livros, além de mesas e

cadeiras, que William Pereira usou para compor um tipo de fundo

grandioso, mais comum em óperas, com estética acentuada pela

iluminação do diretor Caetano Vilela. Impactante, o que era fundo veio

à frente do espetáculo. Especialmente na chuva de livros do primeiro

ato.

Para a curadora do festival, Tânia Brandão, a ascensão do trabalho de

cenógrafos a um primeiro plano reflete o aprofundamento de pesquisas

que, em parte, deriva do suporte financeiro de políticas públicas e

leis de incentivo. "Se não fosse esse inchaço, acho que não teríamos

conseguido fazer essa representação na Mostra Contemporânea", diz.

Para o diretor do festival, o exemplo contrário é a própria edição do

ano passado, que minguou por contra da crise mundial.

O repórter GUSTAVO FIORATTI viaja a convite do Festival de Teatro de

Curitiba





ANÁLISE





Teatro brasileiro foge da tradição

LUIZ FERNANDO RAMOS

ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA





O teatro brasileiro está estranho. Como o teatro no mundo todo,

reflete os impasses de uma época em que a dramaturgia já não é a

mesma, mas resiste o impulso humano de criar narrativas cênicas. A

considerar por uma amostragem do Festival de Curitiba, englobando

tanto espetáculos da Mostra Oficial como do Fringe, percebe-se algumas

recorrências que permitem agrupar em zonas comuns a diversidade

exibida.

Como tendência dominante, estão os espetáculos construídos em processo

colaborativo.

Entre esses, há aqueles em que o encenador assume a dramaturgia, como

é o caso de "Vida", de Márcio Abreu, talvez o grande destaque do

Festival, "Escuro", de Leonardo Moreira, e "Ruído Branco da Palavra

Noite", da dupla Caetano Gotardo e Marina Trajan.

Há também alguns em que o encenador escreve a cena a partir de

material anterior, mas ainda conta com a colaboração dos atores e

atrizes, como nos casos de "Formas Breves", de Bia Lessa, com texto de

Maria Borba, e "De como Me Tornei Bruta Flor", de Cibele Forjaz a

partir de poema de Cláudia Schapira.

Outra vertente de colaborativo é aquela em que um texto dramático é

reprocessado na encenação, como mostram os impactantes "Memória da

Cana" de Newton Moreno, cruzando "Álbum de Família" de Nelson

Rodrigues e "Casa Grande e Senzala" de Gilberto Freyre, ou

"Travesties", de Caetano Vilela, relendo a peça de Tom Stoppard na

chave da Ópera Seca.

Num outro grupo, que confirma de perspectiva distinta a mesma

tendência, agrupam-se peças montadas a partir de dramaturgias fortes e

autônomas, mas que encerram em si a dissolução da estrutura dramática

tradicional. Incluem-se aí "In on It", de Daniel Macivor, encenado por

Enrique Diaz, "Psicose 4h48", de Sarah Kane na leitura de Marcos

Damaceno, ou "Como se Fosse o Mundo", texto do novíssimo Paulo

Zwolinski apresentado em vertente radical por Roberto Alvim.

Ainda há dramas propriamente, mas mesmo esses transpiram os ares do

espírito do tempo, quando mais que histórias acabadas com personagens

bem definidos, o teatro oferece atos performativos que sobressaem às

tramas. É o caso de "Música para Ninar Dinossauros", de Bortolotto,

"Navio Ancorado no Espaço", evocação de Paulo José da poeta Ana

Cristina César, partindo de texto de Maria Helena Kühner e dramaturgia

de Walter Daguerre, "A Idade da Ameixa", de Aristides Vargas, dirigido

por Guilherme Leme, e do bizarro "grand-guinol" de Paulo Biscaia,

"Manson Superstar".

Na tradição do teatro épico, que desde meados do século passado lida

com as alternativas de narrar o mundo para além do drama, destacam-se

"Till", de Luiz Alberto de Abreu, com o grupo Galpão, "Macbeth", de

Shakespeare, na versão de Aderbal Freire Filho, ou a adaptação de

Edson Bueno das crônicas e da biografia de Nelson Rodrigues em "A Vida

como Ela É".

As pulsões antidramáticas, e que chamam o público a se deter na

matéria cênica bruta, poderiam ser apontadas mesmo em trabalhos

irregulares, como os experimentais curitibanos "Chiclete e Som", de

Nina Rosa Sá, e "Primeiro Crime", de Darlei Fernandes, ou os mineiros

"Barba Azul" e "John e Joe", dos grupos Andante e Trama.

De algum modo, percebe-se em toda essa produção, ao lado da vontade de

continuar contando histórias, a dificuldade de fazê-lo com as formas

convencionais. É dessa tensão que advém a estranheza detectada.





O crítico LUIZ FERNANDO RAMOS viajou a convite do festival

sexta-feira, 19 de março de 2010

Andy Warhol, Mr. America


Estação Andy Wahrol


Maior mostra do artista no país explora tom político de sua obra e a relação com os EUA do pós-Guerra

FABIO CYPRIANO

O lado glamouroso e pop nas obras de Andy Warhol (1928-1987) já é bastante conhecido, seja nos retratos de celebridades, como Marilyn Monroe ou Elizabeth Taylor, e mesmo em seus autorretratos, que também prenunciam o culto ao egocentrismo em tempos de Facebook e Twitter.

Com a mostra "Andy Warhol, Mr. America", que será inaugurada neste sábado, na Estação Pinacoteca, outra faceta será explorada: as relações políticas vistas em sua obra, a partir da consolidação do império americano do pós-Guerra.

"Warhol encarnou e expressou vários dos pressupostos que levaram à construção do império americano: a relação entre desejo, fantasia e consumo, ou mesmo a persistência da morte por trás da essencialmente afirmativa iconografia da cultura pop dos EUA", afirma o curador canadense Philip Larratt-Smith, responsável pela exposição.

"Andy Warhol, Mr. America" começou a circular no ano passado, no Museu de Arte do Banco da República, em Bogotá, na Colômbia, seguiu para a Argentina, no Museu de Arte Latinoamericana de Buenos Aires, e termina seu périplo em São Paulo. O tema político da mostra, segundo o curador, foi escolhido graças ao circuito geopolítico: "Devido à longa história das intervenções norte-americanas na América Latina e ao papel fora do comum desempenhado pelas multinacionais americanas".

Para ilustrar a relação política na obra de Warhol, Larratt-Smith dá como exemplo as obras da carreira do artista nas quais ele passou a usar camuflagem, incorporando padrões militares. Nesses trabalhos, segundo o curador, "a camuflagem sugere que as aparências são enganosas, e que existem agendas escondidas". Assim, segue Larratt-Smith, "o império americano é um império travestido, que tem a pretensão de ser o que não é: um supervisor benevolente do sistema financeiro global ou o zeloso policial do mundo".

Nesse sentido, Warhol de fato seguiu na contramão da propaganda do governo dos EUA em defesa do expressionismo abstrato americano de Jackson Pollock e seus contemporâneos, que ainda continuam em voga: na semana passada, o correio norte-americano começou a vender selos de dez artistas desse movimento.

A turma de Pollock, aliás, nunca admirou Warhol. "De Kooning uma vez o chamou de "matador do belo", em uma festa, quando se encontraram", diz Larratt-Smith.

A mostra do artista na Estação Pinacoteca, a maior já vista no país, reúne cerca de 170 obras: 26 pinturas, 58 gravuras, 39 fotografias, duas instalações e 44 filmes, com ênfase para os trabalhos realizados entre os anos 1961 e 1968, período que Warhol trabalhou com intensidade em seu estúdio, a "The Factory", por onde circulava grande parte do meio criativo de Nova York, como Bod Dylan e Mick Jagger e Lou Reed.

Foi na "Factory" que Warhol criou grande parte de seus filmes experimentais, como "Empire", visto na mostra em uma versão curta de 50 minutos com imagens do Empire State Building (Nova York).

O deslumbre de Warhol com o brilho das luzes tem a ver com suas raízes, segundo o curador da mostra: "Um fora do sistema por sua classe social, orientação sexual e aparência, Warhol desejou, com intensidade patológica, viver o sonho americano e assimilar ele mesmo a complexidade dos mitos e narrativas da América".


Crítica/"Andy Warhol, Mr. America"




Mostra revela faceta crítica de Warhol

Exposição aponta sarcasmo do artista em relação aos mitos americanos e exibe obras experimentais, além das famosas

O rótulo "artista pop" é muito pequeno para definir Andy Warhol, como se pode perceber na mostra "Andy Warhol, Mr. America", que será aberta no próximo sábado, na Estação Pinacoteca.

A reportagem da Folha viu a exposição em sua primeira montagem, em Bogotá, na Colômbia, no ano passado.

Obviamente, estão nas obras, como nas gravuras de Marilyn Monroe e nas das latas de sopa Campbell's, os elementos que marcam a chamada arte pop, ou seja, o uso de elementos do mundo das celebridades e da publicidade -nessas imagens, Warhol sempre se apropriou de fotos de jornal.

Mas o que a exposição revela com intensidade é, em primeiro lugar, uma faceta crítica, que até então costuma ser atribuída apenas ao pop inglês, onde o movimento surgiu, com a famosa colagem "O que Exatamente Torna os Lares de Hoje Tão diferentes, Tão Atraentes", de Richard Hamilton, de 1956.

Se Warhol não usava ironias em seus títulos, elas estão presentes, contudo, em suas próprias construções. Suas celebridades são maquiadas com cores fortes e berrantes, outro elemento que o caracteriza como pop, mas exibidas após situações de fraqueza. Na série sobre Jackie Kennedy, por exemplo, ela surge não quando estava gerando um padrão de beleza para o país, mas no momento de luto.

É como se Warhol apontasse para o poder ambivalente da imagem que se torna impressa, afinal ela não é capaz de revelar tudo. Nesse sentido, o custo da fama revela-se perverso e sem glamour. Mesmo assim, ao colorir tais imagens, ele apela para a sedução, uma das razões que o tornou a ser tão reconhecido popularmente.

Outro caráter importante da exposição é exibir, junto com os trabalhos mais famosos, sua obra mais experimental, até então normalmente vista em pequenas mostras ou como trabalhos menores. Warhol produziu filmes alternativos em grande quantidade -há 17 deles na exposição- e trabalhou em vários suportes, chegando até a criar ambientes imersivos, como "Silver Clouds" (nuvens prateadas), de 1966, ou "Cow Wallpaper" (papel de parede de vaca), de 1972.

São trabalhos precursores das instalações contemporâneas, que o levam muito além da mera produção pop.

Finalmente, o curador Philip Larratt-Smith acerta ainda ao apontar o caráter sarcástico de Warhol em relação aos mitos americanos. O artista abordou a violência contra os negros, em "Confrontos Raciais", a miséria, em "Desastres do Atum Enlatado", retratou temas tabus como a homossexualidade, a obsessão pela morte e, como se não fosse suficiente, a sociedade do espetáculo.

Assim, quem observa apenas as cores fortes e as imagens sedutoras, fica apenas na superfície da obra de Warhol, mas quem quiser se aprofundar de fato nessas imagens, vai descortinar um mundo não colorido e tampouco atrativo, o que afinal é o retrato da América. (FABIO CYPRIANO)









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ANDY WARHOL, MR. AMERICA



Quando: abertura, sábado, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 18h

Onde: Estação Pinacoteca (lgo. General Osório, 66, Centro, SP, tel.0/ XX/11/ 3335-4990); até 23/5

Quanto: R$ 3 a R$ 6 (sábado, grátis)


Leia íntegra da entrevista do curador da exposição de Andy Warhol em SP


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FABIO CYPRIANO

da Folha de S.Paulo



A mostra "Andy Warhol, Mr. America" foi concebida pelo curador canadense Philip Larratt-Smith como "nova forma de se observar Warhol", através da cultura imperialista norte-americana. Trabalhando como curador "free-lance" em Nova York, ele concedeu entrevista à Folha por e-mail, na semana passada, antes de desembarcar no Brasil, domingo passado.



Seu próximo projeto envolve novamente o país, numa mostra sobre Louise Bourgeois e seu engajamento na psicanálise, que irá começar na Fundação Proa, de Buenos Aires, no próximo ano, e depois será vista no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.



Leia a seguir a íntegra da entrevista sobre a mostra de Warhol.



Folha - A exposição explora a relação entre cultura pop e política nos EUA. Por que você escolheu esse tema para se olhar o trabalho de Warhol na América Latina?



Philip Larratt-Smith - Por várias razões. Primeiro, a exportação da cultura norte-americana pelo mundo tem sido, frequentemente, vista como inseparável da ordem mundial, na qual os EUA funcionam como o império de fato. Devido à longa história das intervenções norte-americanas na América Latina e o papel fora do comum desempenhado pelas multinacionais americanas, estas tensões são muito aparentes na região. Mas, eu não desconheço que a recepção da obra de Warhol na América Latina tem, frequentemente, adquirido a percepção da indiferença, brutalidade, intimidação e hipocrisia. Em segundo lugar, Warhol foi o primeiro artista a perceber e abordar a forma como a cultura popular e o comportamento político se entrelaçaram nos EUA. Em terceiro, Warhol encarnou e expressou várias dos pressupostos que levaram à construção do império americano: a relação entre desejo, fantasia e consumo, ou mesmo a persistência da morte por trás da essencialmente afirmativa iconografia da cultura pop dos EUA. Quarto, o fato de essa exposição ser apresentada em termos da cultura política americana é, em si, um comentário à recorrente tendência americana em se observar a América Latina por meio de lentes políticas. Finalmente, esse aspecto da obra de Warhol nunca foi explorado em tal profundidade antes e minha ambição é apresentar uma mostra na América do Sul que traz uma nova forma de se observar Warhol.



Folha - A obra de Warhol chegou a ser considerada "realismo capitalista" numa forma marxista de se acusar o sistema capitalista. Você concorda com essa tese?



Larratt-Smith - O rótulo "capitalismo realista" foi criado na então Alemanha Ocidental, e ele foi usado na primeira exibição da obra de Gerhard Richter e Sigmar Polke, e apenas depois se aplicou ao trabalho de Warhol. Eu acredito que ele é exato, mas uma descrição insuficiente do que alcançaram as melhores pinturas de Warhol, pois ele esconde as tensões centrais na estrutura desses trabalhos, que são compostos por uma grande riqueza e complexidade. Ele também serviu às necessidades ideológicas da crítica ansiosa em estabelecer um tipo de falsa equivalência ou simetria entre o capitalismo ocidental e o comunismo do leste; vários desses mesmos críticos eram marxistas que se não eram filiados ao partido comunista estavam engajados em suas ideias. Certamente Warhol nunca deixou de estar atento às vítimas do sistema capitalista, como os afroamericanos sendo atacados pela polícia com cachorros, ou às duas idosas que comeram atum estragado, ou mesmo anônimos suicidas e vítimas de acidente de automóvel. Pense apenas nos retratos de Jackie Kennedy antes e depois do assassinato de seu marido.



Folha - Que componente político na obra de Warhol é central nessa mostra?



Larratt-Smith - No fim de sua vida, Warhol começou a usar camuflagem como um estratagema em sua obra (em "Mr. America" há um maravilho autorretrato camuflado em vermelho, branco e azul, as cores da bandeira dos EUA). Isso mostra não apenas a peculiar e extrema forma de autopromoção e exibicionismo de Warhol por um lado e a radical reticência por outro, mas também a divisão entre ilusão e realidade que caracteriza o projeto do império americano. A camuflagem sugere que as aparências são enganosas, e que existem agendas escondidas. Se os EUA são um império, é um império que pretende não se apresentar com tal. Em meu ensaio no catálogo da mostra, argumento que Warhol era um artista que se travestia a partir do trabalho de outros artistas e da cultura popular e, ao fazer isso, produzia romance e surpreendentes combinações, que alcançam longa duração, assim como o império americano é um império travestido, que tem a pretensão de ser o que não é: um supervisor benevolente do sistema financeiro global, por exemplo, ou o zeloso policial do mundo. Um fora do sistema por sua classe social, orientação sexual e aparência, Warhol desejou, com intensidade patológica, viver o sonho americano e assimilar ele mesmo a complexidade dos mitos e narrativas da América.



Folha - O sarcasmo do Warhol em relação ao mercado de arte foi uma forma de revelar seus mecanismos perversos ou ele realmente só queria saber de dinheiro?



Larratt-Smith - Sempre em Warhol o que parece ser uma questão "ou isso ou aquilo" se torna uma proposição "e". Warhol adorava dinheiro e não via porque um artista não podia ganhar tanto dinheiro quanto um astro de rock, um estilista ou uma atriz de Hollywood. Os retratos encomendados dos anos 1970 certamente parecem mais uma forma cínica de se fazer muito dinheiro e, em minha opinião, não devem ser considerados arte. Assim, a esse respeito, ele foi um verdadeiro proletário, livre da atitude ambivalente e desconfiada da classe média a respeito dos ricos: ele simplesmente queria fazer parte da festa.



Contudo, eu creio que Warhol estava abordando o mercado de arte assim como ele abordou tudo o mais, em particular a mistificação que frequentemente esconde as bases econômicas dos cânones de gosto. Em qualquer caso, ele acreditava na onipotência do dólar como último arbitro para produção de sentido, e o que pode ser mais americano que isso?



Folha - O expressionismo abstrato foi considerado uma arma da Guerra Fria, no texto clássico e Eva Cockcroft. Você acredita que a obra de Warhol também se encaixe sob essa ótica?



Larratt-Smith - Esse é um ponto de vista legítimo, apesar de eu não estar seguro que Warhol não foi tão apropriado pelo Departamento de Estado como o foi o expressionismo abstrato. Como Tom Sokolowski, diretor de Museu Warhol, escreveu em sua introdução no catálogo, existe algo irredutivelmente americano na sensibilidade e na iconografia de Warhol, que o faz mais "local" se comparado à internacional linguagem da abstração. Assim como o mundo se tornou crescentemente americanizado no pós-guerra, foi a obra de Warhol e seu padrão de sucesso que excursionou muito, considerando-se que o expressionismo abstrato foi tido como todo uma nova proposta e não o fim do moderno europeu. Voltando a algo que eu já afirmei antes, de Hollywood à transmissão da chegada do homem à Lua, os EUA construíram uma imagem idealizada de sua própria hegemonia. Seria o sonho americano, incorporado por Warhol em sua vida e expresso em sua arte, apenas a série de imagens de um império travestido?



Folha - E qual a importância da obra de Warhol para o imaginário gay do século 20?



Larratt-Smith - Eu tendo a ver Warhol como uma das figuras-chave na liberação gay nos EUA. Em sua palheta e em seu investimento libidinal de imagens de mulheres glamorosas, seu trabalho registra uma sensibilidade muito gay e como isso é codificado pelos ícones da cultura "mainstream", ele conseguiu falar também para uma audiência massiva. O significado dúbio de seu trabalho "Os homens mais procurados", onde "procurados" significa tanto "buscados pela polícia" assim como "desejados", mostra como ele recondicionou cuidadosamente seus desejos, e como ele jogou, de forma astuta, tanto com os desejos gays como heterossexuais. Seus filmes foram inovadores em seu estilo documental ao retratar atos sexuais (novamente gays e heteros), e a forma descomplicada e naturalista de mostrar homossexuais, drag queens e prostituição masculina. Warhol também vivia fora do armário quando outros artistas ainda tinham medo de se assumir. Ele foi muito corajoso e permanece como símbolo da cultura gay.



Folha - Mesmo não tendo sido bem aceito na cena artística dos anos 1960, Rauschenberg e Jasper Johns, por exemplo, não admiravam seu trabalho, Warhol se tornou o mais reconhecido artista americano do século 20. Por que isso foi possível?



Larratt-Smith - Muitos outros artistas o viram de forma suspeita porque ele vinha do mundo da ilustração comercial e não se desculpava por isso, e ele era muito "viado", o que significa muito extrovertido e muito obviamente gay. A turma dos expressionistas abstratos o odiava, particularmente De Kooning, que uma vez o chamou de "matador do belo", em uma festa, quando se encontraram. Apesar de tudo isso, Warhol se tornou no mais importante e mais influente artista americano da história. Isso tem a ver com o amplo espectro de sua atividade: suas inovações formais na pintura e no cinema, seus experimentos na música rock, multimídia, revistas e moda, e na forma como ele se reinventou de forma constante. Warhol quebrou o sistema de produção de trabalhos com obras vanguardistas por populares e com uma audiência massiva, itens de troca mercantil por objetos com requintada excelência visual, jogadas conceituais e obras primas formais. O mundo da arte de hoje é realmente o mundo de Warhol.



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quinta-feira, 4 de março de 2010

Um Panteao de Grandes escritores

Bate-papos são comuns no exterior


Prova disso é a chegada ao País da série promovida pela Believer entre escritores



Ubiratan Brasil

O encontro marcado entre Ana Maria Machado e Moacyr Scliar com a finalidade de produzir um livro ainda é um fato raro no Brasil, ao contrário de outros países - revistas literárias de graduações diversas promovem estimulantes diálogos entre escritores de almas gêmeas. A Believer, por exemplo, é uma das publicações mais importantes dos Estados Unidos. Com apenas dez exemplares lançados por ano, ela se define como "uma revista sobre autores e livros de que gostamos". E é justamente uma seleção das entrevistas promovidas pela Believer que confere o charme de Conversas entre Escritores (tradução de Irinêo Netto, Miguel Nicolau Abib Neto e Ernesto Klüpel, 315 páginas, R$ 59), mais recente publicação da Arte & Letra, interessante editora de Curitiba.



Trata-se da reunião de 21 bate-papos entre autores, em sua maioria de língua inglesa. Nomes do naipe como John Banville, Ian McEwan, Paul Auster, Haruki Murakami, Orhan Pamuk, Zadie Smith e Dave Eggers que, além de escrever roteiros para filmes de sucesso (Onde Vivem os Monstros), também é o fundador da editora McSweeny"s, que lança a Believer. E ele comanda ainda uma das conversas mais interessantes, em que a escritora e jornalista Joan Didion (autora do belo O Ano do Pensamento Mágico, lançado aqui pela Nova Fronteira) se despe de qualquer esnobismo que a profissão poderia lhe permitir (confira trecho no alto desta página).



Boa parte das entrevistas aconteceu no início desta década, o que transforma certos assuntos da época em pauta recorrente. Como o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, que derrubou as torres gêmeas em Nova York. O tema norteia, por exemplo, o início da conversa (aliás, uma das melhores do livro) entre Zadie Smith e Ian McEwan que, naquele momento (2004), recém-lançara Sábado (Companhia das Letras), romance que aborda o 11 de Setembro de forma oblíqua. "Fica claro que o fato ocorrido naquele dia já era um incidente típico de um livro seu", pondera Zadie, que se revela profunda conhecedora da obra do inglês. "Porque, de qualquer forma, a explosão do irracional dentro do racional era o seu "modus operandi". Porque sua ficção já era sobre a ideia de uma intervenção maligna."



McEwan concorda, afirmando que o trágico incidente representou um momento glorioso para o jornalismo - afinal, em todo o mundo, jornais mudaram radicalmente sua pauta e produziram diversos cadernos em pouco tempo. Daí sua intenção de, ao escrever Sábado, não produzir ficção. "Mesmo enquanto escrevia, pensava que, para tornar a situação mais humana, seria preciso mais que jornalismo, seria necessário algo mais íntimo que isso. Lembrar que várias daquelas pessoas declaram seus amores pelo celular..."



Dissecar o "modus operandi", aliás, é um grande motivador das entrevistas. Os escritores não escondem sua curiosidade em descobrir as motivações que levaram o colega a enveredar por tal caminho. Julie Orringer, por exemplo, especula com Tobias Wolff se sua passagem pelo colégio interno foi decisiva para, no futuro, aprender a manipular a verdade em proveito próprio. "Quando saí do internato, já sabia que queria ser escritor", responde ele. "Isso pode soar incomum ou, no mínimo, oportunista, mas, quando cheguei lá, sabia que um dia escreveria sobre aquele lugar."



Angústia provocada pelo ato da escrita, aliás, já era um tema tratado por Clarice Lispector que, no fim dos anos 1960, entrevistou personalidades para a revista Manchete para complementar o orçamento doméstico. Entre seus preferidos estavam, claro, outros autores. Era nesses momentos, na verdade, que Clarice revelava suas inquietações com o ofício, buscando compartilhar as dúvidas. "Fernando (Sabino), por que é que você escreve? Eu não sei porque escrevo, de modo que o que você disser talvez sirva para mim", diz ela, na conversa reunida em Entrevistas (Rocco). Incerteza que, além de universal, parece eterna.



Conversa entre famosos



"Como consequência de meu incêndio, passei quase três meses no hospital. E recebia visitas até de estranhos. Não acredito que não se tenha amigos. É que são raros"

CLARICE LISPECTOR



"Uma vez, fiquei gravemente doente. Recebi em três meses de agonia três visitas, uma por mês. Aí, eu sofri na carne e na alma esta verdade intolerável: o amigo não existe"

NELSON RODRIGUES



"Quando você vê um escritor se mover na direção de sua fase mais criativa, sempre imagino que ele conseguiu encontrar o seu tempo ou que seu tempo conseguiu

encontrá-lo"

ZADIE SMITH



"Sempre achei que a crueldade é uma falha da imaginação. E sei que incluo

nisso a possibilidade de que alguém tenha extrema empatia pela sua vítima"

IAN McEwan



"Porque a prosa de Didion é tão extraordinariamente precisa, alguns esperam que, ao vivo, ela seja uma contadora de causos. Na realidade, ela é uma pessoa"

DAVE EGGERS



"Continuo pensando que somos capazes de aprender. Que vamos perceber o valor daquilo que temos e assumir o compromisso de investir na universidade"

JOAN DIDION

quarta-feira, 3 de março de 2010

Arte vendida?

Arte vendida


Para que ela serve hoje? Enriquecer os vigaristas

LUÍS ANTÔNIO GIRON

ditor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV

Estive em Londres na semana passada e, toda vez que vou para lá, quando sobra algum tempo, procuro dar uma olhada no que acontece nas artes e nos espetáculos. Porque a capital britânica é um dos sismógrafos culturais do mundo (São Paulo também é). O que ela detecta acaba por se espalhar pelo mundo. A novidade é que o interesse do público londrino pela arte contemporânea anda crescendo muito. Até mesmo a ala conservadora acha chique hoje visitar exposições. Três em especial tiveram grande concorrência de um mês para cá: a do escultor Anish Kapoor, que se encerrou dia 10 na tradicional Royal Academy – que até pouco tempo atrás vedava a entrada de artistas vivos –, a retrospectiva da francesa Sophie Calle – "Talking to Strangers", na Whitechapel Gallery em cartaz até 3 de janeiro, e a mais importante de todas, a exibição "Pop Life: Art in a Material World" (Vida pop: a arte em um mundo material), na Tate Modern até 17 de janeiro, com obras de Andy Warhol, Jeff Koons, Damian Hirst, Takashi Murakami e outros.



Os chamarizes são um tanto toscos, mas sintomáticos da qualidade do interesse atual pelo fenômeno contemporâneo. Anish Kapoor fez sucesso porque acionava um canhão contra uma parede multicolorida de cera dezenas de vezes ao dia, criando obras de quase acaso e provocando o riso nervoso da plateia. Sophie Calle se diz a criadora da arte da autoficção, ou seja, uma espécie de culto histérico à personalidade que consiste em fazer da própria vida uma eterna instalação, um eterno happening. Está fazendo sucesso. Na Tate, o pessoal vai para espiar a sala secreta de Jeff Koons, com a série "Made in Heaven" (Feito no céu), com fotografias e esculturas pornográficas que mostram o artista copulando em 1991 com a ex-parlamentar e prostituta Cicciolina. Uma escultura gigantesca em acrílico e cores berrantes que mostra o casal no auge do acasalamento é o ícone da exposição. Há outras salas escandalosas, só que a de Koons supera todas pelo exibicionismo – e obtém a pronta resposta do público. Não é novidade: ponha sexo, que todo mundo comparece.



Minha primeira impressão foi de que a Tate Modern, um altar da arte experimental, finalmente se rendeu aos mercenários mais descarados da arte. Na epígrafe da exibição, vem o autor do termo e da tela em acrílico que traz as palavras em néon “Pop Life”: Andy Warhol (1926-1987), o pai da pop art. Entre tantas frases de efeito de Warhol, uma foi destacada para dar sentido ao evento: "Arte boa é bom negócio" (Good art is good business). Mas logo me dei conta de que a intenção do curador principal da exposição, Jack Bankowsky, editor da revista Artforum, era provocar o espectador e fornecer uma reflexão crítica e negativa sobre os rumos que a arte tomou nos últimos 30 anos. Nesse período houve uma crescente banalização acompanhada de mercantilização da obra de arte.



Saiba mais



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A mostra coloca a fase final de Warhol como o centro irradiador de um movimento que chega até nossos dias. Trata-se da exacerbação da ideia do artista-celebridade, dono de uma fábrica (Factory, fábrica em inglês, era o nome do ateliê de Warhol em Nova York). Ele vira um entrepeneur capaz de produzir lucros cada vez maiores com obras de arte cada vez mais repetitivas e massificadas.



Warhol ficou famoso nos anos 60 por ter levado a lata de sopa Campbell's para os museus, destruindo assim qualquer resquício da aura na obra de arte. Foi uma atitude renovadora, pois levantou a discussão sobre as diferenças entre arte culta e popular, aura e automação. No fim da vida, porém, Warhol levou seu cinismo ao extremo. Em vez de se renovar, pôs em prática aquilo que havia vaticinado vinte anos antes: a “pós-arte”. Falido, ele tratou de repetir suas pinturas de acrílico e silk-screen com auto-retratos, caras de Marilyn Monroe e sopas Campbell's, para assim vender mais rapidamente. Ele que já tinha uma queda para o mundo dos famosos passou a aparecer ainda mais nos anos 80. Como uma caricatura de si próprio, participou de programas cômicos, apresentou um talk show de moda e reproduziu sua técnica em tudo quanto foi capa de revista. Chegou a apresentar um comercial de videocassete no Japão. Tudo isso é exibido em vídeo na mostra. O artista virou o paparazzi de si mesmo. Em suas últimas obras, fez descontos em retratos para celebridades e assinou em pernas de modelos. Também produziu um retrato de seu namorado, o artista Jean-Michel Basquiat (1960-1988), com tinta acrílica e manchas de urina sobre a tela. Horrível. Mas é só o início da exposição.



Os discípulos de Warhol são ainda mais podres. Não inventaram nada, apenas copiaram os piores procedimentos da fase mais medíocre do “mestre”. Seu protegé Keith Haring (1958-1990) montou nos anos 80 a loja Pop Shop em Nova York para vender subprodutos de seus grafites. O já citado Jeff Koons (está vivo, o infeliz) vampirizou mulheres famosas para produzir sua pornografia. E criou um abjeto coelho de aço inoxidável usado na inauguração de uma temporada de liquidação da loja Bloomingdale's em Nova York. O alemão Martin Kippenberger (1953–1997) se produziu em auto-retratos e pichações em Berlim. Quis se vender como astro boêmio (conversei esse cara em Berlim um ano antes de ele morrer, patético) e ficou famoso depois de morto.



O modelo maior do culto à própria personalidade e do mercenarismo é Damian Hirst (nascido em 1965), um dos YBAs (Young British Artists) que comecou a aparecer em 1990 com telas de bolinhas coloridas produzidas em série por uma equipe e ganhou notoriedade em 2008 quando decidiu colocar sua obra diretamente nos leilões, sem passar por galerias de arte. Foi assim que, enquanto o mundo mergulhava numa recessão, ele ficou milionário da noite para o dia por causa de um leilão da Sotheby's. Algumas de suas “obras” estão na mostra: a caixa "O beijo de midas", que mostra uma estante de diamantes cinzelados (um eco das fotografias escuras que Warhol fez no fim da vida de sua joias), e o famoso "Bezerro", um animal empalhado, fixado no chão por ferraduras de ouro, mergulhado em formol em uma caixa de vidro. Arte para Hirst é venda mesmo e não tem conversa. Quem quer pagar que pague. É o artista-obra (Sophie Calle ficaria bem na exposição).



Esta é mais ou menos a postura do japonês Takashi Murakami (nascido em 1963). Na sala mais espalhafatosa da mostra figuram as peças dele. Há uma espécie de pokémon vermelho com olho furado e a boca aberta, onde estão copos de papel e hambúrgueres cravejados de joias. Um afresco imenso representa a princesa Majokko, a personagem de mangá dos otakus do bairro de Akihabara de Tóquio – o paraíso das histórias em quadrinhos. Os cabelos azuis, as minissaias e as meias xadrez de Majokko inspiram até hoje as lolitas japonesas. Em um telão, a atriz Kirsten Dunst participa de um videoclipe dirigido por McG e Murakami. Ela é a Majokko em seu elemento, Akihabara, batendo papo e dançando com todo otaku que encontra pela frente. Eu falei com Murakami na Bienal de 2004. O sujeito acreditava que o que fazia era o futuro. “Minha arte representa o futuro”, disse na ocasião. “É só uma questão de tempo. Por isso que tenho de produzir rapidamente minha obra.” Cumpriu o que disse. Sua arte não usa apenas a linguagem do animê e do mangá, como também seus artistas. Murakami mantém seu "ateliê" em Akihabara, cercado de jovens que ambicionam conquistar o mundo com uma espécie de apologia da “leveza” (eu leio: “idiotice”) da imagética mangá. Na verdade, a obra de Murakami revela o seu patético fascínio pelo Ocidente naquilo que o Ocidente tem de pior. Eu prefiro animê de verdade que esse tipo de arremedo cretino.



Estar diante desse tipo de obra causa um desconforto e uma espécie de alívio. Pelo menos no que diz respeito a mim, saí da exposicão com asco de arte. Nem quis continuar a visita pelos sete andares da Tate Modern. Se tudo o que foi realizado antes veio dar nisso, então é melhor ficar sem ela. Melhor esquecê-la. A arte só está servindo para enriquecer esses vigaristas que se dizem artistas: vigartistas. As obras de Hirst, Murakami e outros empobrecem o olhar, aniquilam a sensibilidade, rebaixam o visitante com sua riqueza obscena. Num mundo totalmente materialista, a arte rasteja na lama, no sexo, na futilidade e na morte para vender mais em leilões de banqueiros. Se antes as pessoas lamentavam que a arte havia abdicado da beleza, agora ela perdeu a aura, o respeito, a vergonha e – pior – a capacidade de ao menos chocar. Vai demorar, mas espero me recuperar do enjoo.



(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras.)