sexta-feira, 19 de março de 2010

Andy Warhol, Mr. America


Estação Andy Wahrol


Maior mostra do artista no país explora tom político de sua obra e a relação com os EUA do pós-Guerra

FABIO CYPRIANO

O lado glamouroso e pop nas obras de Andy Warhol (1928-1987) já é bastante conhecido, seja nos retratos de celebridades, como Marilyn Monroe ou Elizabeth Taylor, e mesmo em seus autorretratos, que também prenunciam o culto ao egocentrismo em tempos de Facebook e Twitter.

Com a mostra "Andy Warhol, Mr. America", que será inaugurada neste sábado, na Estação Pinacoteca, outra faceta será explorada: as relações políticas vistas em sua obra, a partir da consolidação do império americano do pós-Guerra.

"Warhol encarnou e expressou vários dos pressupostos que levaram à construção do império americano: a relação entre desejo, fantasia e consumo, ou mesmo a persistência da morte por trás da essencialmente afirmativa iconografia da cultura pop dos EUA", afirma o curador canadense Philip Larratt-Smith, responsável pela exposição.

"Andy Warhol, Mr. America" começou a circular no ano passado, no Museu de Arte do Banco da República, em Bogotá, na Colômbia, seguiu para a Argentina, no Museu de Arte Latinoamericana de Buenos Aires, e termina seu périplo em São Paulo. O tema político da mostra, segundo o curador, foi escolhido graças ao circuito geopolítico: "Devido à longa história das intervenções norte-americanas na América Latina e ao papel fora do comum desempenhado pelas multinacionais americanas".

Para ilustrar a relação política na obra de Warhol, Larratt-Smith dá como exemplo as obras da carreira do artista nas quais ele passou a usar camuflagem, incorporando padrões militares. Nesses trabalhos, segundo o curador, "a camuflagem sugere que as aparências são enganosas, e que existem agendas escondidas". Assim, segue Larratt-Smith, "o império americano é um império travestido, que tem a pretensão de ser o que não é: um supervisor benevolente do sistema financeiro global ou o zeloso policial do mundo".

Nesse sentido, Warhol de fato seguiu na contramão da propaganda do governo dos EUA em defesa do expressionismo abstrato americano de Jackson Pollock e seus contemporâneos, que ainda continuam em voga: na semana passada, o correio norte-americano começou a vender selos de dez artistas desse movimento.

A turma de Pollock, aliás, nunca admirou Warhol. "De Kooning uma vez o chamou de "matador do belo", em uma festa, quando se encontraram", diz Larratt-Smith.

A mostra do artista na Estação Pinacoteca, a maior já vista no país, reúne cerca de 170 obras: 26 pinturas, 58 gravuras, 39 fotografias, duas instalações e 44 filmes, com ênfase para os trabalhos realizados entre os anos 1961 e 1968, período que Warhol trabalhou com intensidade em seu estúdio, a "The Factory", por onde circulava grande parte do meio criativo de Nova York, como Bod Dylan e Mick Jagger e Lou Reed.

Foi na "Factory" que Warhol criou grande parte de seus filmes experimentais, como "Empire", visto na mostra em uma versão curta de 50 minutos com imagens do Empire State Building (Nova York).

O deslumbre de Warhol com o brilho das luzes tem a ver com suas raízes, segundo o curador da mostra: "Um fora do sistema por sua classe social, orientação sexual e aparência, Warhol desejou, com intensidade patológica, viver o sonho americano e assimilar ele mesmo a complexidade dos mitos e narrativas da América".


Crítica/"Andy Warhol, Mr. America"




Mostra revela faceta crítica de Warhol

Exposição aponta sarcasmo do artista em relação aos mitos americanos e exibe obras experimentais, além das famosas

O rótulo "artista pop" é muito pequeno para definir Andy Warhol, como se pode perceber na mostra "Andy Warhol, Mr. America", que será aberta no próximo sábado, na Estação Pinacoteca.

A reportagem da Folha viu a exposição em sua primeira montagem, em Bogotá, na Colômbia, no ano passado.

Obviamente, estão nas obras, como nas gravuras de Marilyn Monroe e nas das latas de sopa Campbell's, os elementos que marcam a chamada arte pop, ou seja, o uso de elementos do mundo das celebridades e da publicidade -nessas imagens, Warhol sempre se apropriou de fotos de jornal.

Mas o que a exposição revela com intensidade é, em primeiro lugar, uma faceta crítica, que até então costuma ser atribuída apenas ao pop inglês, onde o movimento surgiu, com a famosa colagem "O que Exatamente Torna os Lares de Hoje Tão diferentes, Tão Atraentes", de Richard Hamilton, de 1956.

Se Warhol não usava ironias em seus títulos, elas estão presentes, contudo, em suas próprias construções. Suas celebridades são maquiadas com cores fortes e berrantes, outro elemento que o caracteriza como pop, mas exibidas após situações de fraqueza. Na série sobre Jackie Kennedy, por exemplo, ela surge não quando estava gerando um padrão de beleza para o país, mas no momento de luto.

É como se Warhol apontasse para o poder ambivalente da imagem que se torna impressa, afinal ela não é capaz de revelar tudo. Nesse sentido, o custo da fama revela-se perverso e sem glamour. Mesmo assim, ao colorir tais imagens, ele apela para a sedução, uma das razões que o tornou a ser tão reconhecido popularmente.

Outro caráter importante da exposição é exibir, junto com os trabalhos mais famosos, sua obra mais experimental, até então normalmente vista em pequenas mostras ou como trabalhos menores. Warhol produziu filmes alternativos em grande quantidade -há 17 deles na exposição- e trabalhou em vários suportes, chegando até a criar ambientes imersivos, como "Silver Clouds" (nuvens prateadas), de 1966, ou "Cow Wallpaper" (papel de parede de vaca), de 1972.

São trabalhos precursores das instalações contemporâneas, que o levam muito além da mera produção pop.

Finalmente, o curador Philip Larratt-Smith acerta ainda ao apontar o caráter sarcástico de Warhol em relação aos mitos americanos. O artista abordou a violência contra os negros, em "Confrontos Raciais", a miséria, em "Desastres do Atum Enlatado", retratou temas tabus como a homossexualidade, a obsessão pela morte e, como se não fosse suficiente, a sociedade do espetáculo.

Assim, quem observa apenas as cores fortes e as imagens sedutoras, fica apenas na superfície da obra de Warhol, mas quem quiser se aprofundar de fato nessas imagens, vai descortinar um mundo não colorido e tampouco atrativo, o que afinal é o retrato da América. (FABIO CYPRIANO)









--------------------------------------------------------------------------------

ANDY WARHOL, MR. AMERICA



Quando: abertura, sábado, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 18h

Onde: Estação Pinacoteca (lgo. General Osório, 66, Centro, SP, tel.0/ XX/11/ 3335-4990); até 23/5

Quanto: R$ 3 a R$ 6 (sábado, grátis)


Leia íntegra da entrevista do curador da exposição de Andy Warhol em SP


Publicidade

FABIO CYPRIANO

da Folha de S.Paulo



A mostra "Andy Warhol, Mr. America" foi concebida pelo curador canadense Philip Larratt-Smith como "nova forma de se observar Warhol", através da cultura imperialista norte-americana. Trabalhando como curador "free-lance" em Nova York, ele concedeu entrevista à Folha por e-mail, na semana passada, antes de desembarcar no Brasil, domingo passado.



Seu próximo projeto envolve novamente o país, numa mostra sobre Louise Bourgeois e seu engajamento na psicanálise, que irá começar na Fundação Proa, de Buenos Aires, no próximo ano, e depois será vista no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.



Leia a seguir a íntegra da entrevista sobre a mostra de Warhol.



Folha - A exposição explora a relação entre cultura pop e política nos EUA. Por que você escolheu esse tema para se olhar o trabalho de Warhol na América Latina?



Philip Larratt-Smith - Por várias razões. Primeiro, a exportação da cultura norte-americana pelo mundo tem sido, frequentemente, vista como inseparável da ordem mundial, na qual os EUA funcionam como o império de fato. Devido à longa história das intervenções norte-americanas na América Latina e o papel fora do comum desempenhado pelas multinacionais americanas, estas tensões são muito aparentes na região. Mas, eu não desconheço que a recepção da obra de Warhol na América Latina tem, frequentemente, adquirido a percepção da indiferença, brutalidade, intimidação e hipocrisia. Em segundo lugar, Warhol foi o primeiro artista a perceber e abordar a forma como a cultura popular e o comportamento político se entrelaçaram nos EUA. Em terceiro, Warhol encarnou e expressou várias dos pressupostos que levaram à construção do império americano: a relação entre desejo, fantasia e consumo, ou mesmo a persistência da morte por trás da essencialmente afirmativa iconografia da cultura pop dos EUA. Quarto, o fato de essa exposição ser apresentada em termos da cultura política americana é, em si, um comentário à recorrente tendência americana em se observar a América Latina por meio de lentes políticas. Finalmente, esse aspecto da obra de Warhol nunca foi explorado em tal profundidade antes e minha ambição é apresentar uma mostra na América do Sul que traz uma nova forma de se observar Warhol.



Folha - A obra de Warhol chegou a ser considerada "realismo capitalista" numa forma marxista de se acusar o sistema capitalista. Você concorda com essa tese?



Larratt-Smith - O rótulo "capitalismo realista" foi criado na então Alemanha Ocidental, e ele foi usado na primeira exibição da obra de Gerhard Richter e Sigmar Polke, e apenas depois se aplicou ao trabalho de Warhol. Eu acredito que ele é exato, mas uma descrição insuficiente do que alcançaram as melhores pinturas de Warhol, pois ele esconde as tensões centrais na estrutura desses trabalhos, que são compostos por uma grande riqueza e complexidade. Ele também serviu às necessidades ideológicas da crítica ansiosa em estabelecer um tipo de falsa equivalência ou simetria entre o capitalismo ocidental e o comunismo do leste; vários desses mesmos críticos eram marxistas que se não eram filiados ao partido comunista estavam engajados em suas ideias. Certamente Warhol nunca deixou de estar atento às vítimas do sistema capitalista, como os afroamericanos sendo atacados pela polícia com cachorros, ou às duas idosas que comeram atum estragado, ou mesmo anônimos suicidas e vítimas de acidente de automóvel. Pense apenas nos retratos de Jackie Kennedy antes e depois do assassinato de seu marido.



Folha - Que componente político na obra de Warhol é central nessa mostra?



Larratt-Smith - No fim de sua vida, Warhol começou a usar camuflagem como um estratagema em sua obra (em "Mr. America" há um maravilho autorretrato camuflado em vermelho, branco e azul, as cores da bandeira dos EUA). Isso mostra não apenas a peculiar e extrema forma de autopromoção e exibicionismo de Warhol por um lado e a radical reticência por outro, mas também a divisão entre ilusão e realidade que caracteriza o projeto do império americano. A camuflagem sugere que as aparências são enganosas, e que existem agendas escondidas. Se os EUA são um império, é um império que pretende não se apresentar com tal. Em meu ensaio no catálogo da mostra, argumento que Warhol era um artista que se travestia a partir do trabalho de outros artistas e da cultura popular e, ao fazer isso, produzia romance e surpreendentes combinações, que alcançam longa duração, assim como o império americano é um império travestido, que tem a pretensão de ser o que não é: um supervisor benevolente do sistema financeiro global, por exemplo, ou o zeloso policial do mundo. Um fora do sistema por sua classe social, orientação sexual e aparência, Warhol desejou, com intensidade patológica, viver o sonho americano e assimilar ele mesmo a complexidade dos mitos e narrativas da América.



Folha - O sarcasmo do Warhol em relação ao mercado de arte foi uma forma de revelar seus mecanismos perversos ou ele realmente só queria saber de dinheiro?



Larratt-Smith - Sempre em Warhol o que parece ser uma questão "ou isso ou aquilo" se torna uma proposição "e". Warhol adorava dinheiro e não via porque um artista não podia ganhar tanto dinheiro quanto um astro de rock, um estilista ou uma atriz de Hollywood. Os retratos encomendados dos anos 1970 certamente parecem mais uma forma cínica de se fazer muito dinheiro e, em minha opinião, não devem ser considerados arte. Assim, a esse respeito, ele foi um verdadeiro proletário, livre da atitude ambivalente e desconfiada da classe média a respeito dos ricos: ele simplesmente queria fazer parte da festa.



Contudo, eu creio que Warhol estava abordando o mercado de arte assim como ele abordou tudo o mais, em particular a mistificação que frequentemente esconde as bases econômicas dos cânones de gosto. Em qualquer caso, ele acreditava na onipotência do dólar como último arbitro para produção de sentido, e o que pode ser mais americano que isso?



Folha - O expressionismo abstrato foi considerado uma arma da Guerra Fria, no texto clássico e Eva Cockcroft. Você acredita que a obra de Warhol também se encaixe sob essa ótica?



Larratt-Smith - Esse é um ponto de vista legítimo, apesar de eu não estar seguro que Warhol não foi tão apropriado pelo Departamento de Estado como o foi o expressionismo abstrato. Como Tom Sokolowski, diretor de Museu Warhol, escreveu em sua introdução no catálogo, existe algo irredutivelmente americano na sensibilidade e na iconografia de Warhol, que o faz mais "local" se comparado à internacional linguagem da abstração. Assim como o mundo se tornou crescentemente americanizado no pós-guerra, foi a obra de Warhol e seu padrão de sucesso que excursionou muito, considerando-se que o expressionismo abstrato foi tido como todo uma nova proposta e não o fim do moderno europeu. Voltando a algo que eu já afirmei antes, de Hollywood à transmissão da chegada do homem à Lua, os EUA construíram uma imagem idealizada de sua própria hegemonia. Seria o sonho americano, incorporado por Warhol em sua vida e expresso em sua arte, apenas a série de imagens de um império travestido?



Folha - E qual a importância da obra de Warhol para o imaginário gay do século 20?



Larratt-Smith - Eu tendo a ver Warhol como uma das figuras-chave na liberação gay nos EUA. Em sua palheta e em seu investimento libidinal de imagens de mulheres glamorosas, seu trabalho registra uma sensibilidade muito gay e como isso é codificado pelos ícones da cultura "mainstream", ele conseguiu falar também para uma audiência massiva. O significado dúbio de seu trabalho "Os homens mais procurados", onde "procurados" significa tanto "buscados pela polícia" assim como "desejados", mostra como ele recondicionou cuidadosamente seus desejos, e como ele jogou, de forma astuta, tanto com os desejos gays como heterossexuais. Seus filmes foram inovadores em seu estilo documental ao retratar atos sexuais (novamente gays e heteros), e a forma descomplicada e naturalista de mostrar homossexuais, drag queens e prostituição masculina. Warhol também vivia fora do armário quando outros artistas ainda tinham medo de se assumir. Ele foi muito corajoso e permanece como símbolo da cultura gay.



Folha - Mesmo não tendo sido bem aceito na cena artística dos anos 1960, Rauschenberg e Jasper Johns, por exemplo, não admiravam seu trabalho, Warhol se tornou o mais reconhecido artista americano do século 20. Por que isso foi possível?



Larratt-Smith - Muitos outros artistas o viram de forma suspeita porque ele vinha do mundo da ilustração comercial e não se desculpava por isso, e ele era muito "viado", o que significa muito extrovertido e muito obviamente gay. A turma dos expressionistas abstratos o odiava, particularmente De Kooning, que uma vez o chamou de "matador do belo", em uma festa, quando se encontraram. Apesar de tudo isso, Warhol se tornou no mais importante e mais influente artista americano da história. Isso tem a ver com o amplo espectro de sua atividade: suas inovações formais na pintura e no cinema, seus experimentos na música rock, multimídia, revistas e moda, e na forma como ele se reinventou de forma constante. Warhol quebrou o sistema de produção de trabalhos com obras vanguardistas por populares e com uma audiência massiva, itens de troca mercantil por objetos com requintada excelência visual, jogadas conceituais e obras primas formais. O mundo da arte de hoje é realmente o mundo de Warhol.



Compartilhe

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentario!