quinta-feira, 28 de julho de 2011

Gilles Lipovetsky hipermodernidade

CULTURA MUNDO de  Gilles Lipovetsky: "Hoje, há demasiado de tudo"


FÁTIMA MARIANO



foto Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Gilles Lipovetsky defende que, com a cultura-mundo, caminhamos para um planeta cada vez mais individualista, tecnológico e comercial





A sociedade de consumo transformou por completo a noção de cultura. Hoje, todas as actividades, desde a moda, à indústria automóvel, do turismo ao urbanismo, obedecem às leis da economia, porque tudo tem de ser rentável.



Deixaram de vender produtos, para venderem um estilo de vida. A cultura deixou de ser um mundo exclusivo das elites, para ser um mundo de todos. Esta cultura-mundo, de que falam Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, que unifica as sociedades, é a mesma que permite a cada um de nós ser diferente de outro. É por isso que vivemos numa sociedade desorientada.



No seu mais recente livro aborda novamente a problemática da sociedade hipermoderna, mas centrando-se num novo conceito, o de cultura-mundo. O que é a cultura-mundo?

A cultura-mundo é constituída por cinco grandes lógicas: o mercado, a ciência, a informação, a indústria cultural e as novas tecnologias de comunicação e a individualização. Cinco vectores que estão a presentes em todo o planeta, em graus diferentes, e que fucionam como vectores de unificação planetária, uma vez que aproximam as sociedades, pois, de agora em diante, teremos estruturas e lógicas de modernidade semelhantes em todo o lado. Se formos à China encontraremos cidades similares às europeias, por exemplo. O que pretendo demonstrar é que a mundialização não é apenas o fim do comunismo, as novas tecnologias de informação e o capitalismo. É também uma cultura, uma maneira de pensar o mundo, uma forma de valorizar uma nova hierarquia de valores, e que, nesse universo, a cultura já não é algo nobre. A cultura, hoje, é constituída por esses cinco vectores.



Já não é uma cultura apenas das elites?

Exactamente. É uma cultura mundial, que obedece aos mesmos princípios que a economia. Hoje em dia, a cultura vende-se, compra-se, exporta-se. Com a cultura-mundo, a cultura tem que ser rentável, especialmente para os grandes grupos. Como refiro no livro, nos Estados Unidos, a indústria cultural é o bem que mais se exporta. Assistimos a uma mercantilização extrema da cultura, mas, ao mesmo tempo, a uma culturalização do consumo e da mercadoria.



Pode ser mais específico?

Tenhamos em conta o início da sociedade de consumo nos Estados Unidos, onde foi construído o modelo Ford-T. Ford queria um veículo universal, não muito caro, acessível à maioria das pessoas. Uma viatura utilitária, sem qualquer adorno, sólida e que andasse. Era este o modelo de Ford. Actualmente, não há indústria automóvel que funcione assim. Fazem-se filmes publicitários, comunicações, criam-se fundações para ajudar as crianças. Uma marca, hoje, não vende apenas um produto, vende uma cultura, um estilo de vida. Contratam-se designers, publicitários, creativos, que investem mais na marca do que no produto.



Ou seja, o mais importante não é o objecto, a sua utilidade, mas sim o que este representa?

Isso é a cultura. O mundo do primeiro capitalismo era o mundo do investimento, da construção - estradas, caminho-de-ferro, portos, pontes, produção de electricidade, indústria pesada. Com a sociedade de consumo tudo isso começou a mudar e a acelerar. Hoje, vivemos o capitalismo das marcas, do hiperconsumo, onde há tanta escolha entre produtos semelhantes. Antigamente, na moda, tinhamos a alta costura, representada por Paris, e a confecção industrial, que fabricava as calças e vestidos para as classes populares. Hoje, olhemos para a Zara. A Zara tem centenas e centenas de lojas, que não são lojas de luxo. O código de luxo foi absorvido pelas marcas populares. É uma cultura de massas, mas é a cultura do sentimento, do imaginário, do valor, do estilo.O consumidor dos bens de luxo, para fazerem a diferença, terão que apostar em algo mais do que o simples objecto.

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