terça-feira, 22 de março de 2011

Retratos escritos

Da BRAVO

by almirdefreitas




.Retratos escritos


Mais semiótica… Os cartazes acima, bolados pela etcetera, são da Semana de Literatura Holandesa, que acontece até o dia 26 deste mês (alguém a a caminho de Amsterdã?). O tema deste ano são biografias e autobiografias, daí o nome Retratos Escritos e a ideia dos rostos esculpidos. Na ordem: Anne Frank (sim, a do diário), Kader Abdollah (escritor iraniano radicado na Holanda), Louis van Gaal (ex-técnico da Seleção holandesa, hoje no Bayern de Munique) e Vincent Van Gogh (que dispensa apresentações).

domingo, 13 de março de 2011

Repercusao do lançamento de COMO FUNCIONA A FICÇAO 1

 O ULTIMO SEGUNDO do portal IG tambem publicou ontem  uma otima entrevista exclusiva com James wood em que o critico toca na relaçao com outro grande critico literario, Harold Bloom que é considerado o comentarista mais influente e conhecido dos ultimos tempos.


Ao longo da semana postarei  alguns comentarios pontuais sobre alguns pontos do livro que acho mais interessates além de LINKS e resenas de outros sites.

Crítico inglês alimenta polêmicas na literatura


James Wood, da "New Yorker", lança no Brasil "Como Funciona a Ficção", que funciona como um guia para se ler melhor

Jonas Lopes, especial para o iG
12/03/2011 00:22

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Foto: Divulgação Ampliar

O crítico literário James Wood

Foi-se o tempo em que a palavra de um crítico era suficiente para decretar o paraíso ou o inferno de uma obra de arte. No caso da literatura, já não há alguém com a influência de Edmund Wilson (1895-1972), que promoveu a geração de F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway e celebrou clássicos do modernismo logo no lançamento (Marcel Proust, James Joyce e T.S. Eliot entre eles). Alguns dos grandes críticos atuais estão muito velhos para o debate público, caso de Harold Bloom e George Steiner; outros morreram há poucos anos, a exemplo de Susan Sontag.



Uma grata exceção é o inglês James Wood. Atual titular da seção de livros da revista americana "The New Yorker" (cargo que já foi, aliás, ocupado por Wilson e Steiner), Wood pode não ter a capacidade de transformar a trajetória de um romance, mas seus artigos ainda fazem muito barulho. A ponto de ter sido um criado um blog dedicado apenas a atacá-lo, Contra James Wood (contrajameswood.blogspot.com), atualmente pouco atualizado.



Entre os argumentos de seus detratores, está o de que o britânico recorre a preferências puramente pessoais para atacar ou defender os autores. É, por exemplo, admirador do realismo do século 19, praticado por autores canônicos do nível de Flaubert, Henry James e Tchekhov, o que lhe garante a pecha de “conservador”. Aprecia ainda o que chama de “estilo livre indireto”, no qual a voz do personagem se mistura à do narrador.



Segundo os inimigos do crítico, existe um preconceito por parte dele em relação a quem não se encaixa nesses preceitos. O alvo favorito de Wood é o que ele classificou de “realismo histérico”, estilo caracterizado pelos truques pós-modernos e pela pouca ênfase na psicologia dos personagens. Thomas Pynchon, Don DeLillo e David Foster Wallace se encaixam no conceito.



James Wood, que já passou pelas redações do jornal britânico "The Guardian" e da revista "The New Republic", é professor de crítica literária em Harvard. A experiência o inspirou a escrever "Como Funciona a Ficção", uma espécie de guia para se ler melhor, baseada na análise de aspectos básicos do texto ficcional - personagens, discurso, realismo, ponto de vista. O autor aceitou falar com o iG sobre o livro, que será lançado hoje pela Cosac Naify.



iG: Seus artigos causam polêmica no meio literário. É obrigação do crítico ser brutal em determinados textos?

James Wood: Os críticos escrevem para os leitores, não para os escritores. Então o que pode parecer uma crueldade enorme quando se trata de um texto que provavelmente será lido pelo autor, não fica tão cruel assim se você se lembrar de que está escrevendo para os leitores, que há um serviço prestado pelo resenhista. Nesse sentido, acho que os críticos precisam ser brutalmente cruéis, sim. Claro que isso não é muito positivo se você pensar só no escritor.



iG: Existe um blog dedicado a examinar e atacar seus textos, o Contra James Wood. A que atribui essa raiva pessoal que algumas pessoas sentem pelos seus artigos?

James Wood: Alguns dos blogs nos EUA fazem uma espécie de guerra literária entre os “tradicionais” e os “novos” da literatura. De um lado há aqueles tidos como conservadores, pessoas que gostam de realismo, que escrevem para um grande público. Do outro lado, há a linhagem avant-garde, antirrealista, formada por pessoas que experimentam estilos radicais na forma do romance, admiram gente como o David Foster Wallace (escritor morto em 2008). Gosto de pensar que estou bem no meio desses dois lados antagônicos. Escrevi "Como Funciona a Ficção" para tentar estabelecer essa minha posição central. Mas algumas pessoas, como as que escrevem no Contra James Wood, não me veem como estando no meio, e sim como alguém do establishment, e me atacam por acharem que sou conservador.





Foto: Reprodução Ampliar

Milan Kundera: para James Wood, escritor é exemplo de quem nem todo crítico é um autor frustrado

Eles gostam apenas do risco na ficção, da quebra de regras, do excesso. Também gosto disso em literatura, claro. Mas essas pessoas não gostam de simplesmente nada que eu escrevo. É uma pena pensarem que sou desse establishment. E, do ponto de vista de um blog, é importante atacar alguém que pertença a essa elite, como acham que eu pertenço, da maneira como puderem.



iG: Em sua opinião, a literatura se torna melhor quando há crítica realmente severa?

James Wood: Sim, é importante que haja uma boa crítica. Quando as pessoas escrevem sobre mim em blogs ou em outros lugares, fico grato por esses blogs existirem, pois me mostram quando estou ficando muito repetitivo ou conservador. Esses textos me fazem pensar sobre o que eu não estou fazendo corretamente. E acho que é exatamente isso que os críticos têm de fazer para os escritores, mesmo que seja muito difícil para os autores aceitar isso.



iG: Você já publicou um livro de ficção, "The Book Against God" (O livro contra Deus). O que acha do velho clichê de que todo crítico é um romancista frustrado?

James Wood: Faz sentido, sim. Mas com um porém. Muitas das grandes críticas literárias foram escritas por escritores fabulosos, como Henry James ou Milan Kundera, e o tipo de crítica que aprecio é aquela que me empolga como se estivesse lendo um romance. É verdade, no entanto, que hoje muitas resenhas são escritas por romancistas frustrados, mas não podemos nos esquecer de que antes, no século 19, a crítica era formada por grandes ficcionistas.



iG: Se o modernismo começa com Flaubert, como você afirma em "Como Funciona a Ficção", termina com quem? Ou ainda não terminou?

James Wood: Não acho que a tradição flaubertiana tenha acabado. E uma das razões pela qual eu dei a Flaubert esse prestígio no livro foi para mostrar que esse estilo de realismo que ele inventou continua a ser usado na literatura, até mesmo nos best-sellers. Não gosto necessariamente de todos os produtos nascidos a partir desse realismo flaubertiano, mas quis ressaltar que algo inventado em 1850 continua sendo usado hoje.



iG: Ainda é possível um autor escrever seguindo preceitos do passado, como a ênfase na trama e nos personagens, e mesmo assim soar contemporâneo? Quem se encaixa nessa categoria?

James Wood: Sim, muitos exemplos se encaixam perfeitamente nesse quesito. J.M. Coetzee (escritor sul-africano premiado com o Nobel em 2003) é um deles. Alguns de seus romances são mais experimentais e radicais, mas sua obra mais popular, "Desonra", usa o realismo tradicional, tem frases simples e baseia-se em preceitos básicos do realismo. Essa tradição não é exaustiva. O que é incrível no mundo do romance é que a qualquer momento um escritor vem e revitaliza a maneira de escrever o romance - seja um escritor experimental ou tradicional. A maestria está na seriedade com que o projeto é levado. Admiro José Saramago, mas entendo que essa não é a única maneira pela qual alguém possa escrever ficção, ou que todos os livros precisam ser escritos no estilo de Saramago, com frases longas e sem muita pontuação.





Foto: Reprodução

"Admiro José Saramago, mas entendo que essa não é a única maneira pela qual alguém possa escrever ficção"

iG: O romance, em nossos dias, deve dizer algo sobre os problemas do mundo?

James Wood: Isso é complicado. Pessoalmente, gosto de escritores que tratem da condição humana, que discutam quem somos, quais são as nossas motivações por fazer o que fazemos, os motivos que nos levam a viver. Nesse sentido, a ficção deve dizer algo sobre o mundo, não necessariamente os problemas do mundo, mas sobre o mundo no qual estamos vivendo agora, sobre como vivemos nossas vidas. Mas não acho que a literatura tenha que obrigatoriamente estar repleta de discussões seriíssimas sobre as grandes questões mundiais.



iG: Você elogia o trabalho do português José Saramago. Conhece outros autores de língua portuguesa?

James Wood: Gosto muito de Machado de Assis. Quando tinha uns 20 anos, alguém me disse que, se eu gostava de Tchekhov, iria gostar de Machado, então fui lê-lo. Apesar de não achá-los tão parecidos assim, gosto muito de Machado.



iG: Cursos de escrita criativa podem transformar aspirantes a autores em grandes escritores?

James Wood: Não. Acredito que os bons escritores que frequentaram cursos de escrita criativa já eram bons antes de comparecerem às aulas. Os cursos podem ajudar, é claro. O problema é que há muitas pessoas fazendo esses cursos e muitas delas são ruins. Nos EUA, só deve haver um ou dois bons cursos, e neles provavelmente deve haver alguns poucos bons escritores. Nada mais.



iG: Pouco depois da última eleição presidencial, você escreveu uma análise positiva da retórica de Barack Obama. O governo de Obama está à altura de sua oratória?

James Wood: Nenhum governo é tão bom quanto a retórica de um presidente. De todo modo, Obama devia se aproveitar mais de sua oratória, fazer mais discursos, como os que fez durante a campanha. Se ele tem o dom da fala, devia usar isso todos os dias para se comunicar com o povo. Infelizmente, no último ano, ele não se comunicou tanto com os americanos. Mas, de um modo geral, estou satisfeito com o que o governo de Obama está fazendo nos Estados Unidos.



"Como Funciona a Ficção"

James Wood

232 páginas

Cosac Naify

Preço sugerido: R$ 49

sábado, 12 de março de 2011

“Como funciona a ficção” James Wood: 'A literatura é vida na página'





James Wood: 'A literatura é vida na página'

Finalmente é publicado no Brasil o livro de james wood, How ficcion work!

 Wood é um critico monumental, um comentador erudito e apaixonado, dotado de imenso talento analitico e perspicacia ensaistica.

Tenho lido e comentado Wood desde que seu livro saiu na ediçao inglesa. Sua clareza expositiva Impressiona!
Mesmo fazendo analises profundas e inteligentes sua prosa fluida faz da leitura critica um prazer até superior a alguns romances.

No Brasil seu livro vai dar o que falar !
 Em um pais com indices tao baixos de leitura e compreensao ( pesquisa divulgada recentemente mostra que apenas 1%  dos estudantes possuem uma biblioteca com mais de 500 livros) em que a maioria dos poucos leitores de ficçao consomem apenas best-sellers descartaveis nao sera surpresa se o livro for taxado de elistista e canonico demais.

Wood pode até dar mais atençao aos escritores consagrados pelo tempo mas justifica cada escolha com sua analise apurada e original.
Desmente brilhantemente a falacia de que a critica é muito teorica e afastada da criaçao artistica! Ler Wood é descobrir o real significado da palavra critica!





















James Wood: 'A literatura é vida na página'


Numa nota introdutória a “Como funciona a ficção” (Cosac Naify, tradução de Denise Bottmann), James Wood conta que escreveu a obra usando apenas “os livros à mão em meu escritório”. Uma olhada na bibliografia revela um pouco sobre os hábitos de leitura do ensaísta da revista “The New Yorker”, o mais influente crítico literário em língua inglesa hoje. Entre os 120 títulos citados por Wood, predominam os expoentes do cânone realista (Tchekhov, Henry James, Flaubert, Tolstói e Conrad, por exemplo, aparecem com três ou quatro obras cada) e nomes emblemáticos da literatura europeia e americana do século XX (Proust, Joyce, Woolf, Nabokov, Bellow, entre outros).



A predileção pelos clássicos reflete o estilo do crítico, e “Como funciona a ficção” serve ao mesmo tempo como introdução a uma história canônica da literatura e guia para entender o método de Wood, que ganhou admiradores e detratores em duas décadas de carreira com passagens pelo jornal britânico “The Guardian” e pela revista americana “The New Republic”. No livro, o autor, também professor de crítica em Harvard, usa a leitura cerrada dos textos, frase por frase, para discutir aqueles que considera os principais elementos da criação literária, como construção de personagem, ponto de vista narrativo e efeitos de verossimilhança.



Em entrevista ao GLOBO por telefone, Wood explica sua concepção de realismo, que define não como um gênero literário, mas como “vida animada”: para ele, o que determina o realismo de um texto não é seu grau de verossimilhança, e sim o fato de transmitir “vitalidade”. Wood responde ainda às críticas que o acusam de se ater apenas aos mecanismos internos do texto e ignorar as relações entre as obras literárias e as questões políticas e culturais de seu tempo. Também autor de um romance (“The book against God”, de 2003, inédito no Brasil), Wood revisita a polêmica provocada por seu conceito de “realismo histérico”, criado num ensaio de 2000 sobre Zadie Smith, em que atacava outros autores contemporâneos como Salman Rushdie, Thomas Pynchon, Don DeLillo e David Foster Wallace pela prosa maximalista e por se preocuparem mais com fenômenos sociais do que com questões humanas.



Você define o realismo não como um gênero literário, nem em termos de representação da realidade, mas como “vida animada” (“lifeness”). O que significa essa expressão?



JAMES WOOD: Tenho consciência de que é um termo desajeitado, e queria mesmo que soasse assim, em homenagem a todos que ao longo dos séculos tentaram falar da literatura como algo de certa forma relacionado à vida. Infelizmente, nos últimos tempos sempre voltamos a essa palavra incômoda, “realismo”, que acaba nos distraindo. Quero transmitir uma ideia de literatura como vida na página, e isso liberta o autor de ser um realista ou de escrever com verossimilhança. Um personagem pode ser pouco mais que uma voz, pode ser uma ausência ou um enigma, e ainda assim ter uma profunda vitalidade humana. É isso que quero dizer com “vida animada”.



E o que faz um bom personagem?



WOOD: Certamente esse conceito misterioso de vitalidade. Por isso é tão difícil construir um bom personagem, porque essa vitalidade vem do coração do escritor, é algo que ele simplesmente tem ou não. Todos sabemos, ao abrir um livro, se ali há vida. É uma daquelas coisas que não podem ser ensinadas. Outro critério para um bom personagem é uma qualidade de mistério, uma sutileza, um elemento inexplicado que está além do texto. E não precisa ser um personagem redondo. Muitas vezes um personagem plano, que tem apenas uma característica marcante, se torna enigmático para nós precisamente por não termos muita informação sobre ele. É difícil responder a essa pergunta, mas tem algo a ver com vitalidade e mistério.



Você encontra essa “vitalidade” em obras que fogem ao cânone realista e rejeitam noções ligadas a ele, como a própria ideia de personagem?



WOOD: Claro. Em Beckett, por exemplo, mesmo em suas últimas obras, que parecem narradas por um fantasma ou um morto, existe vitalidade. Há algo na linguagem que transmite vida. Em “Como funciona a ficção”, menciono o livro de Saramago sobre Ricardo Reis (“O ano da morte de Ricardo Reis”, que imagina uma biografia para o heterônimo de Fernando Pessoa), no qual há algo de maravilhosamente vívido. Embora seja a história de um fantasma, esse personagem está vivo, e a maneira como Saramago desdenha do sistema de pontuação e gramática transmite vitalidade. Em “Austerlitz”, de Sebald, você sente que uma vida foi oferecida a você. Ao fim do livro, o personagem continua um enigma completo, procurando pelos pais assim como estava no início, mas toda uma história de vida desfilou diante dos seus olhos. E Philip Roth, em “O avesso da vida”, faz o que eu chamo de “jogos sérios” com as convenções do realismo, que denotam uma presença humana.



Você cita Roland Barthes como uma grande influência. Ele é símbolo de uma época em que a crítica literária tinha muita ascendência sobre outros campos de estudo, o que não é mais o caso. Do ponto de vista de alguém que está tanto na academia quanto na imprensa, onde acredita que se pode encontrar boa crítica hoje?



WOOD: De fato, aquela época excitante da crítica literária deu lugar a uma mais insossa. No tempo de Barthes, havia uma confluência de excitação política e efervescência interdisciplinar. Mas um jeito otimista de olhar para isso é que, quanto mais provinciana e desimportante fica a crítica acadêmica, mais espaço há para o ensaísmo e a crítica jornalística. Acho que a boa crítica pode ser encontrada aí. Escritores e leitores ainda mostram interesse pela forma do ensaio, principalmente aqueles que se movem entre a resenha e o discurso acadêmico. Na academia sou visto como alguém mais ligado ao jornalismo, porque os departamentos de literatura tendem a considerar que só os acadêmicos podem refletir sobre a literatura.



O que você aprendeu com as críticas ao seu próprio romance, “The book against God”?



WOOD: Aprendi que a maioria dos problemas que eu via no romance eram visíveis. Nem todas as resenhas eram bem escritas, mas a maior parte delas tocava nas fraquezas do livro, então aprendi que mesmo as resenhas menos inteligentes contêm pelo menos uma verdade. Aprendi também que escrever um romance é muito solitário, porque você nunca pode dizer se é bom ou não, e não consegue confiar na opinião de ninguém. Tenho planos de escrever outro, nem que seja só para melhorar um pouco em relação ao primeiro. A experiência foi como quando você está doente e promete a si mesmo que, ao melhorar, vai ficar eternamente grato pela boa saúde, mas pouco depois se esquece completamente disso. Por um tempo, depois de publicar o romance, fiquei consciente de como é ser criticado e pensei: “Ok, vou ser mais legal com os outros daqui em diante”. Mas logo me esqueci disso e comecei a implicar de novo.



Sua atividade como crítico também é alvo de muitas críticas. Já foi dito, por exemplo, que você se detém excessivamente em aspectos de estilo e não se preocupa com a relação das obras com questões políticas e culturais de seu tempo. Como recebe essas críticas?



WOOD: Dizer que não me concentro em questões políticas e sociais não está errado, mas esse pensamento tende a privilegiar uma certa visão da atividade crítica, e há um outro tipo de crítico que é mais um esteta. Tenho consciência das minhas limitações, e fui levado por essas críticas a tentar sair de um hábito que eu havia adquirido, o de criticar sempre os mesmos livros. Essa foi uma das razões da minha mudança para a “New Yorker”, onde tenho podido escrever com entusiasmo sobre uma gama de autores contemporâneos. Estou tentando ampliar meu escopo. Geralmente escolho escritores de que gosto, mas sei que não sou especialmente receptivo ao pós-modernismo. Tentei nos últimos tempos não resenhar livros que sei que não vou gostar, mas procuro autores contemporâneos sobre os quais sinto que posso dizer algo interessante. Recentemente escrevi sobre Aleksandar Hemon e Geoff Dyer, dois autores que evadem caracterização fácil e estão longe do que se costuma definir como realismo.



Você também foi criticado ao definir como “realismo histérico” o estilo de uma gama de autores que ia de Thomas Pynchon e Salman Rushdie a Zadie Smith e David Foster Wallace. Ainda acha o termo válido?



WOOD: Quando me criticaram pelo “realismo histérico”, sempre deixaram de fora a parte mais importante, que era minha crítica ao próprio realismo. Eu sentia que em alguns autores, como Rushdie, a escrita simplesmente não era interessante, porque, de um lado, parecia humanamente implausível, e, por outro, apenas imitava a gramática básica do realismo. Com Pynchon é o mesmo, nos últimos livros está lá o tom farsesco que todos amam nele, mas, frase por frase, não há nada que force os limites do realismo, nada radical como em Beckett. O mesmo vale para Paul Auster, cujos livros estão cheios de jogos pós-modernos superficiais, mas 80% daquilo são indistiguíveis da mesmice realista que se vê por aí. Acho que a crítica continua atual, mas eu faria algumas ressalvas. De todos eles, David Foster Wallace era claramente alguém que estava tentando fazer algo novo no nível da frase. Ele estava “escrevendo a dificuldade”, por assim dizer, e é preciso dar crédito a ele. No fundo, os verdadeiros alvos eram Rushdie e Pynchon.



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10h10m.

Flora Süssekind resenha 'Como funciona a ficção', de James Wood

Como funciona a ficção, de James Wood. Tradução de Denise Bottmann. Editora Cosac Naify, 232 páginas. R$ 49.











Há uma dimensão quase farsesca no pragmatismo crítico de James Wood. Se é que se pode chamar de “crítica” uma reaplicação anacronizante e redutora (em geral, sem qualquer crédito) de categorias e perspectivas analíticas alheias como a que move o livro “Como funciona a ficção”. Algo, de fato, soa falso desde a epígrafe auto-irônica, evocando culinária (mas, com nobreza, via Henry James), e a introdução tratando o próprio ensaio de “manual” e “livrinho”. Pois, geminada a esse topos da despretensão, ao didatismo do guia de apreciação literária, que se deseja, em (condescendente) linguagem terra-a-terra, de algum uso para o leitor comum, há uma primeira pessoa fortemente impositiva, e incapaz de autoproblematização, conduzindo tanto a exibição de uma espécie de florilégio do cânone moderno, quanto um elogio pouco velado à própria capacidade de distinguir o “engenhoso” do “realmente interessante” e de resolver “de forma prática” as questões teóricas fundamentais sobre a ficção a que a “teoria literária e a crítica acadêmica”, a seu ver, não teriam chegado a responder “muito bem”.



A crítica universitária e a reflexão teórica não à toa aparecem como antagonistas desde as primeiras páginas de seu manual. Mas antagonistas que funcionam como desconfortáveis pontos cegos de um crítico que procura deslizar com estilizada naturalidade, e sem maiores paradas reflexivas, pelas questões de narrativa e teoria da ficção que mal deixa virem à tona em seu texto. “Quando um estilo se decompõe, se aplaina num gênero”, diz Wood, a certa altura, sobre o realismo comercial. Se haveria o que discutir nas noções woodianas de estilo, realismo e gênero, há algo nessa observação que parece se voltar contra seu autor. Quando a crítica se decompõe, e perde a reflexividade que a define, pode se aplainar em florilégio e manual. Assim como conceitos e questões, descontextualizados, perdem força cognitiva e viram vocabulário vip para leitores cultivados.



É assim que extrai de Erich Auerbach a noção de mescla de estilos e a concepção de mimesis (que não chega, porém, a definir de fato em momento algum) por meio das quais procura definir o realismo moderno; é em Chklovski, e em suas considerações sobre a imagem poética, que (sem dizer) procura ancorar, mas em sentido oposto ao da desfamiliarização, um elogio à metáfora, “pequena explosão de ficção dentro da ficção”, que “cria um estranhamento e logo em seguida faz uma conexão”; as observações sobre ponto de vista presentes em “Como funciona a ficção” apontam, por sua vez, diretamente para Wayne Booth; e é de estudiosos como Ann Banfield, Genette e Roy Pascal, dentre outros, que toma emprestada (mas achatando-a) a discussão sobre o estilo indireto livre, que parece guiar suas considerações sobre aproximação e distância focal entre autor e personagem. Mesmo quando os empréstimos são óbvios, não há qualquer discussão dos estudos modernos e contemporâneos mais relevantes sobre narratologia e ficção. Wolfgang Iser ou Mieke Bal, para ficar em dois exemplos de leitura obrigatória em qualquer universidade, não recebem sequer referência em nota.



Resta apenas a admiração meio vaga por Barthes e Chklovski. E, dado curioso, e certamente não gratuito, não há qualquer menção, por parte de Wood, em todo o livro, a Dorrit Cohn, professora em Harvard, como ele, e uma das mais importantes estudiosas atuais dos modos narrativos de representação da consciência. O silêncio, nesse caso, parecendo se aproximar de certa ironia (igualmente meio velada) com relação a John Updike, que o antecedeu como resenhista literário na revista “The New Yorker”. Pois se a dualidade e os jogos focais entre narrador e personagem são fundamentais à visão woodiana de ficção narrativa, não parece haver lugar para mais de um ponto de vista em sua prática crítica. Ou para maiores flexibilidades e indeterminações na voz didático-autoral que figura para si mesmo no ensaio em que, paradoxalmente, tematiza o estilo indireto livre.



O procedimento-guia de todo o livro é, também, sempre idêntico. Sugerem-se temas interligados — narrativa, olhar, personagem, detalhe, diálogo, empatia, consciência, realismo e assim por diante — e, sem maiores investigações históricas ou conceituais, passa-se a algum tipo de exercício de “close reading” no qual, mais do que iluminar analiticamente os trechos escolhidos, em sua maioria verdadeiros lugares comuns da crítica moderna (Flaubert, Virginia Woolf, Henry James, Kafka, Tolstoi), procura-se ressaltar sobretudo a voz de mestre, a “capacidade de ver e relatar o que vê” do crítico. Uma visão da qual se procura excluir o “projeto literário contemporâneo”, como se refere a ele o crítico. À exceção de um ou outro exemplo já canônico, como Saul Bellow, a cuja obra James Wood tem se dedicado regularmente. O que não deixa de ser curioso, sobretudo num crítico dedicado desde jovem ao jornalismo literário, primeiro nos suplementos ingleses, depois nos EUA, na “The New Republic” e atualmente na “The New Yorker”. Ao lado do impasse teórico-reflexivo, a contemporaneidade parece se apresentar como um segundo ponto cego que poderia forçá-lo a repensar conceitos, procedimentos narrativos, a redefinir o horizonte ficcional com o qual se defronta, embate que certamente desestabilizaria o seu ensaísmo, que, em vez de pautado em naturalidades e certezas-padrão, exporia o seu “leitor comum” a uma desfamiliarização com potencial crítico bem maior do que o oferecido pelo guia recém lançado pela Cosac Naify.



*FLORA SÜSSEKIND é crítica literária, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, professora de teoria do teatro da UNI-Rio e autora de “A voz e a série” e “O Brasil não é longe daqui”, entre outros.



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10h05m.

Cosac Naify responde a críticas da tradutora Denise Bottmann

Por Cassiano Elek Machado*



Embora nós da Cosac Naify tenhamos ficado surpresos com o fórum que a nossa colaboradora Denise Bottmann escolheu para conduzir este debate, a grande imprensa, gostaríamos de afirmar de antemão que achamos saudável a discussão sobre quais critérios devem ser adotados na tradução e edição de uma obra. Isso é parte essencial do ofício de qualquer editora e, em especial, desta casa, amplamente reconhecida pelo tratamento dado a suas traduções.



Não por outra razão convidamos Denise Bottmann, profissional experiente e qualificada, que já trabalhou em mais de uma dezena de títulos da editora, para traduzir o livro "How Fiction Works", de James Wood.



É especialmente interessante que um debate como este tenha vindo à tona em relação a esse título. Desde seu lançamento nos Estados Unidos, o livro suscitou apaixonadas discussões, enfáticos elogios, retumbantes críticas e até lugar de destaque em listas de mais vendidos. Não é sempre que obras dedicadas a escarafunchar os meandros da produção literária são envoltas em tanto som e fúria. E Bottmann acaba dando aqui mais uma volta no parafuso das discussões em torno de "Como funciona a ficção".



A questão central levantada pela tradutora em sua exegese diz respeito a uma suposta falta de nexo entre os trechos de obras literárias citadas (na verdade, a tradução desses trechos) e a argumentação que o crítico inglês desenvolve ao longo da obra. No entanto, basta uma leitura atenta da edição que acaba de ser publicada pela Cosac Naify para notar que as reflexões suscitadas por Wood encontram, sim, correspondência nas traduções utilizadas, sem prejuízo para a inteligibilidade do texto e dos efeitos que o autor busca ressaltar e discutir. Adotar traduções preexistentes tem a ver com normas internas e procedimentos editoriais, mas sobretudo (porque cada livro é único) com a opção que, aqui, nos pareceu a mais acertada.



Em "Como funciona a ficção", para ilustrar seu pensamento, Wood coloca em cena diversas obras, de variados autores. Cada qual com suas especificidades e, o mais importante, suas vozes. A variedade de registros nos parece, neste caso, fundamental. Não se trata de “colcha de retalhos” mas, antes, de entender o livro em toda sua riqueza e variedade. Por isso, recorrer ao trabalho dos tradutores que dedicaram anos (às vezes, décadas) aos autores citados por Wood nos pareceu algo incontornável. Sobretudo por termos nos valido para tal do trabalho de profissionais destacados como Boris Schnaiderman, José Paulo Paes, Rubens Figueiredo, Paulo Henriques Britto, Sergio Flaksman, José Rubens Siqueira, entre outros. Não que a tradução de Denise Bottmann seja insuficiente nesses casos, mas editorialmente nos pareceu importante levar em conta as versões feitas dentro de um contexto maior, por tradutores que se dedicaram mais amplamente à obra dos autores convocados por Wood. Em algumas situações pontuais, verificamos que detalhes discutidos pelo crítico se perdiam nas traduções adotadas. E, nesses casos, consultamos os tradutores e fizemos ajustes para que encontrassem correspondência no texto – e, assim, "Como funciona a ficção" de fato funcionasse.



Para ilustrar esse caminho tomado pela edição (quando se trata de edição há sempre muitos caminhos), podemos tentar refletir sobre alguns dos “problemas” levantados pela tradutora.



No trecho citado em que Wood trata do estilo indireto livre a partir de "Pelos olhos de Maisie", de Henry James, a análise da tradutora nos parece apressada. A questão aqui é que o foco da discussão de Wood foi deslocado ou não completamente compreendido. Para o crítico inglês, no trecho citado (“Foi por causa dessas coisas que sua mãe conseguira contratá-la por tão pouco, quase de graça: foi o que Maisie ouviu (...)”), a marca do discurso indireto livre não recai sobre o uso de “mãe” ou “mamãe”. O que Wood quer nos dizer é que Maisie, por ser uma criança, não é capaz de entender as razões que levaram sua mãe a contratar a governanta por tão pouco. A marca do discurso indireto livre aqui está em “foi por causa dessas coisas”: não sabemos que coisas são essas, porque Maisie não sabe. É nessa omissão que está o engenho de James – pelo menos o engenho ao qual Wood quer nos chamar a atenção aqui. Wood nos diz que a visão oficial “entreouvida” por Maisie é de quem “entende mais ou menos do que se trata”. E completa: “James precisa nos fazer sentir que Maisie sabe muito, mas não o suficiente”. Ou seja: o efeito de discurso indireto livre do trecho está inteiramente preservado. É claro que a tradutora tem o direito de reivindicar o “mamãe”. Mas Paulo Henriques Britto, em sua tradução, feita há dez anos e revista no ano passado (no título que inaugurou o selo Penguin/Companhia das Letras) fez essa opção. E é interessante perceber como no mesmo excerto, mais abaixo, a tradução utilizada dá conta desse efeito de intimidade, quando Henry James diz que junto à sra. Wix, Maisie experimentava uma sensação única de segurança que “nem o papai, nem a mamãe” lhe proporcionavam.



Bottmann também argumenta que a tradução da expressão “tucked-in and kissed-for-good-night feeling” por “sensação de aconchego e ternura” tornou-se insuficiente para a coerência do comentário de Wood. A expressão “to tuck in”, por exemplo, significa algo como “enfiar os dedos entre as cobertas e o corpo da pessoa que está deitada para que as cobertas fiquem bem apertadas em torno dela, como gesto afetuoso e protetor”. Como dizer isso em português com duas sílabas? A solução proposta pela tradutora (“ser-ajeitada-na-cama”) não reproduz, a nosso ver, exatamente o efeito carinhoso, de intimidade, que a expressão tem em inglês. Trata-se de algo típico de uma criança que foi posta na cama pedir: “Mommy, tuck me in”. E na tradução de Paulo Henriques Britto (“sensação de aconchego”), a ideia de segurança, o carinho que Maisie sentia pela sra. Wix, a opinião de Maisie, “pessoal, muito mais calorosa”, sobre sua pobre governanta foi preservada. Tomamos, claro, o cuidado de reproduzir o trecho de Henry James em inglês, entre colchetes.



Em outro momento, a tradutora questiona a tradução de “but Rome get build”, trecho de "Uma casa para o sr. Biswas". Tentar reproduzir o inglês de Trinidad, aqui, seria temerário. No Brasil não há a situação linguística típica do Caribe, em que as pessoas aprendem na escola e ouvem no rádio e na tevê a variante padrão da língua (inglês ou francês) e no dia a dia usam um crioulo baseado na língua europeia (crioulo francês no Haiti, crioulo inglês em Trinidad etc.). Não acreditamos que, no trecho citado, se o sr. Maclean dissesse algo como “nós vai” o efeito seria alcançado. A situação social que o separa do sr. Biswas é de outra ordem, não conseguiríamos retratá-la com essa tentativa de imitar em português o dialeto usado por Naipaul. Um crioulo não é a mesma coisa que um dialeto subpadrão falado por gente sem instrução; até as pessoas mais cultas no Caribe falam crioulo em casa (assim como na Suíça de fala alemã as pessoas falam dialetos locais do alemão que não seriam compreendidos em Berlim, e no sul da Itália fala-se um italiano muito diferente do toscano). Se optássemos pela solução proposta pela tradutora (“Mas Roma tá construída”) também não chegaríamos ao efeito desejado por Naipaul e discutido por Wood – além de o termo “tá” soar, para nós, mais como marca de oralidade; não chega nem perto da ideia do “patoá de Trinidad”. Novamente, o caminho mais adequado (o único realmente fiel às palavras de Naipaul) nos pareceu citar as próprias palavras de Naipaul, como foi feito na página 188.



Poderíamos citar outros exemplos. No entanto, o mais importante para nós, para além dos caminhos que possam ser tomados em uma tradução ou edição, debate muito bem-vindo, é que o leitor encontre em "Como funciona a ficção" tudo aquilo que tem para nos dizer o autor, James Wood.



* CASSIANO ELEK MACHADO é diretor editorial da Cosac Naify.



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10h00m.

Tradutora de 'Como funciona a ficção' critica edição

Por Denise Bottmann**



O acadêmico e crítico literário James Wood escreveu um livro muito interessante, chamado "How Fiction Works". É um estudo dos principais elementos que compõem uma obra literária: a voz do narrador, a caracterização dos personagens, as figuras de linguagem, o papel dos detalhes e assim por diante.



Traduzi o livro para o português em 2008, a pedido da editora Cosac Naify. O texto em inglês é muito simpático, fluente, agradável. Wood se dirige ao leitor como se fossem seus estudantes numa sala de aula em Harvard: vejam vocês, notem isso aqui, eu acho, vamos examinar este caso, a gente fica imaginando... Em linguagem informal, Wood apresenta aqueles elementos com uma sólida articulação entre eles, num tratamento bastante sistemático e rigoroso, sendo os temas expostos numa sequência de tópicos numerados (num total de 123).



Avisa ele logo na introdução:



Neste livro, tento responder algumas das perguntas fundamentais sobre a arte de ficção. ... espero que seja um livro que faz perguntas teóricas e dá respostas práticas – ou, em outras palavras, que faz as perguntas do crítico e dá as respostas do escritor.



E para isso Wood lança mão de uma infinidade de citações e exemplos. É como se ele seguisse um raciocínio de tipo indutivo, de particular em particular, até destacar os elementos capazes de reivindicar maior grau de generalidade. Ou, sob outra perspectiva, como se ele tentasse refazer o caminho que vai do empírico ao conceitual, da atividade do escritor à formalização do critico, e reconstruir ligações que pareciam ter desaparecido sob o peso de generalizações demasiado abstratas.



Assim, James Wood toma uma questão - por exemplo, a voz do narrador - e sustenta seu argumento invocando casos concretos, isto é, citando trechos mais ou menos extensos de várias obras literárias.



Isso, para o tradutor, coloca uma exigência clara - bastante simples, mas imperiosa. É preciso que a tradução preserve ao máximo possível o nexo que o autor estabelece entre o caso concreto e a formulação teórica, entre as citações literárias e as reflexões de Wood.



Aqui devo explicar um procedimento editorial que vige em algumas casas: é o costume de recorrer a traduções previamente existentes para extrair as citações, ao invés de permitir que o tradutor faça sua própria tradução de tais trechos. No entanto, conforme alertei os editores, este procedimento me parecia inaplicável a "Como funciona a ficção", pelo simples fato de que o elemento destacado por Wood numa determinada citação vinha alterado ou até eliminado em traduções anteriores. Por essa razão, traduzi pessoalmente as centenas de citações feitas por Wood, no esforço de preservar a articulação muito rigorosa e coerente de seus argumentos.



Imagino que a editora tenha considerado minhas alegações insuficientes para justificar uma exceção a suas normas internas, pois preferiu manter o costume de utilizar traduções já disponíveis.* Essa opção, a meu ver, acabou por acarretar alguns prejuízos para a inteligibilidade do texto. De minha parte, entendo que a obra de James Wood constitui uma unidade, e entendo que a edição brasileira acabou se tornando uma colcha de retalhos, em certos momentos beirando a incongruência.



Explico-me. Veja-se, por exemplo, o tópico 12. Wood está tratando do estilo indireto livre, e quer mostrar seu alto grau de flexibilidade. Para isso, toma um longo trecho de Henry James em "What Maisie knew", que começa:



It was on account of these things that mamma got her for such low pay, really for nothing: so much, one day when Mrs Wix had accompanied her into the drawing-room and left her, the child heard one of the ladies she found there ... announce to another.



Foi por causa dessas coisas que mamãe a pegou por um salário tão baixo, realmente por nada: foi o que a menina, num dia em que a sra.Wix tinha entrado com ela na sala de visitas e a deixou, ouviu de uma das damas que lá encontrou ... dizendo a outra.



"Que exemplo de escrita!", exclama Wood. O ponto em questão é a multiplicidade de níveis, o autor que se aproxima e depois se afasta de Maisie. No item 13, Wood comenta que Maisie filtra com sua voz pessoal a visão oficial dos adultos, destacando a frase onde isso se patenteia: "Foi por causa dessas coisas que mamãe a pegou por um salário tão baixo".



No mesmo trecho em que Henry James descreve a afeição de Maisie pela sra. Wix, Wood aponta mais uma passagem onde o autor empresta voz a Maisie, quando a menina compara a sra. Wix à sua ex-governanta, a srta. Overmore:



... on whose loveliness, as she supposed it, the little girl was faintly conscious that one couldn't rest with quite the same tucked-in and kissed-for-good-night feeling.



... em cuja amabilidade, qual ela a imaginava, a menina tinha a tênue consciência de que não seria possível repousar com aquela mesma sensação de ser-ajeitada-na-cama e ganhar-um-beijo-de-boa-noite.



Wood chega a comentar admirado:



Notem que, para deixar Maisie “falar”, James se dispõe a sacrificar sua elegância estilística numa frase como essa.



O autor prossegue e finaliza suas quase cinco páginas de comentário sobre o trecho (incluído um uso de “constrangedoramente” para “embarrassingly” pouco adequado ao contexto). Wood pretende ter demonstrado que Henry James, usando o estilo livre indireto, conseguiu criar diferentes níveis de compreensão com variados graus de identificação com o personagem, ao interpolar frases onde se ouve a voz de Maisie.



É um bloco muito bonito e esclarecedor, além de ilustrar bem o tipo de análise adotado por James Wood. Na decisão editorial, optou-se por utilizar outra tradução, já existente. Mas, numa infeliz coincidência, precisamente as passagens destacadas por Wood, onde James estaria dando voz a Maisie, estavam transpostas para outro registro:



Foi por causa dessas coisas que sua mãe conseguira contratá-la por tão pouco ...

... em cuja beleza a menina tinha a vaga consciência de que não era possível refestelar-se com igual sensação de aconchego e ternura.



Assim, desaparecida a voz de Maisie em mamma e tucked-in and kissed-for-good-night feeling arredondado em "sensação de aconchego e ternura", os comentários de Wood perderam a referência e se tornaram descabidos.



Friso que não pretendo questionar de maneira nenhuma o grande mérito das traduções utilizadas. Julgo-as, de modo geral, excelentes. O que quero destacar é que aqui, neste caso específico, a norma editorial de utilizar traduções prévias sem levar em conta o contexto e a finalidade da citação muitas vezes enfraqueceu - e algumas vezes anulou - os argumentos do próprio autor.



Veja-se outro exemplo.



There were not many patients, and he did not have to wait long, only about three hours.



Não havia muitos pacientes, e ele não precisou esperar muito, apenas umas três horas.



Aqui, no bloco 18, a intenção de Wood é mostrar que a narrativa pode se apresentar como um ponto de vista mais coletivo ("um coro") do que individual, que se expressa no uso do verbo impessoal “haver”, e dá a essa técnica o nome de "estilo indireto livre não identificado". A edição brasileira, porém, adotou uma tradução onde a ênfase recai sobre o personagem individual, com o uso do verbo pessoal “encontrar”, e novamente o argumento de Wood fica girando no vazio:



Encontrou pouca gente na fila e assim não teve de esperar muito, só umas três horas.



Ao comentar que as inovações de Flaubert acabaram se tornando um tanto maneiristas nas mãos de outros escritores, Wood cita Isherwood:



The entrance to the Wassertorstrasse was a big stone archway, a bit of old Berlin, daubed with hammers and sickles and Nazi crosses ... The pavement was chalk-marked for the hopping game called Heaven and Earth. At the end of it ... stood a church.



A entrada da Wassertorstrasse era uma grande arcada de pedras, um pedaço da velha Berlim, emplastrada com foices, martelos e cruzes suásticas ... A calçada estava desenhada a giz com os quadrados da amarelinha, terminando na casa do céu. No final dela ... ficava uma igreja.



Wood quer mostrar a conexão entre essas imagens:



As “cruzes” nazistas permitem um bom ponto de contato com o céu da amarelinha e com a igreja.



Na tradução utilizada, não há referência ao "céu" da amarelinha:



A entrada para a Wassertorstrasse era uma grande arcada de pedra, um pouco da velha Berlim, borrada de foices e martelos e cruzes suásticas ... O calçamento era riscado a giz para a brincadeira de amarelinha. No fim da rua ... ficava uma igreja.



Todavia, apesar de se ter perdido um dos elementos de conexão com o argumento de Wood, encontra-se no bloco seguinte, 37:



As “cruzes” nazistas permitem um bom ponto de contato com a amarelinha infantil, que vai do céu ao inferno, e com a igreja,



onde irrompe de súbito um surpreendente "do céu ao inferno".



No final do bloco 40, Wood comenta a propósito de uma imagem que acabara de citar: "A camponesa com a carta registrada é um pouco 'literária' demais".



... then a peasant woman reached out to him with a certified letter



... então uma camponesa se aproximou dele com uma carta registrada



O leitor pode procurar a imagem no trecho citado; no lugar da camponesa encontrará:



... uma mulher estendeu para ele a mão com uma carta registrada.



Um dos elementos centrais da narrativa literária, para James Wood, é o detalhe, sua concretude, sua tangibilidade. Dá como exemplos, entre outros, "um livro de orçamento doméstico" (a book of household calculations) e um "taco rombudo" (blunt cue) na mesa de bilhar, na casa de Eugênio Onêguin. A edição brasileira se desprende do contexto argumentativo de Wood, utilizando uma tradução com termos mais genéricos: "um diário de contas" e um "velho taco" de bilhar. Evapora-se a "estidade", a thisness de Wood.



Wood cita um trecho de To the Lighthouse, de Virginia Woolf, como exemplo de sutileza literária em apresentar "a complexidade de nossa estrutura moral":



They paused. He wished Andrew could be induced to work harder. He would lose every chance of ascholarship if he didn't. "Oh, scholarships!" she said. Mr Ramsay thought her foolish for saying that about a serious thing like a scholarship. He should be very proud of Andrew if he got a scholarship, he said. She would be just as proud of him if he didn't, she answered. They disagreed always about this, but it didn't matter. She liked him to believe in scholarships, and he liked her to be proud of Andrew whatever he did.



Fizeram uma pausa. Ele gostaria que Andrew se dispusesse a trabalhar com mais afinco. Do contrário perderia qualquer oportunidade de ter uma bolsa de estudos. “Oh, bolsas!”, disse ela. O sr. Ramsay achou uma tolice ela dizer uma coisa dessas sobre algo tão importante como uma bolsa de estudos. Ficaria muito orgulhoso se Andrew ganhasse uma bolsa, disse ele. Ficaria também muito orgulhosa se não ganhasse, respondeu ela. Eles sempre discordavam sobre o tema, mas não fazia mal. Ela gostava que ele acreditasse em bolsas de estudo, e ele gostava que ela se orgulhasse de Andrew, em qualquer circunstância.



Wood assinala que, se a obra de Woolf é tão comovente, em parte é porque apresenta os atritos e pequenas concessões do cotidiano de um casal. Mas aqui também as observações de Wood perdem força, visto que na tradução utilizada faltam algumas frases, especialmente aquelas com que o marido se opõe à esposa:



Houve uma pausa. Ele gostaria que fosse possível convencer Andrew a estudar mais. Perderia todas as oportunidades de ganhar uma bolsa de estudos. Mas ela ficaria orgulhosa com ele do mesmo jeito se não ganhasse. Eles sempre discordaram a esse respeito. Ela gostava dele por ele acreditar em bolsas de estudo, e ele gostava dela por ela se orgulhar de Andrew no que quer que fizesse.



Wood aborda o tema do diálogo, concordando com Henry Green que um diálogo deve portar múltiplos sentidos e deve significar várias coisas para vários leitores diferentes. E então se estende sobre um diálogo em "A House for Mr Biswa"s, de Naipaul. Wood quer mostrar que Naipaul marca a diferença entre os dois interlocutores e suas respectivas posições sociais utilizando sutilmente o patoá de Trinidad, e destaca como exemplo:



But Rome get build.



Mas Roma tá construída.



Na tradução adotada, tem-se:



Mas um dia teve que se fazer,



o que não parece propriamente corresponder ao argumento de Wood.



Eu poderia multiplicar os exemplos, mas creio que estes são suficientes.



Quero ressaltar que, naturalmente, minhas traduções não estão isentas de falhas e sempre podem ser revistas, buriladas, melhoradas: nisso eu seria a primeira a agradecer um diálogo com os editores, a fim de aprimorá-las.



Mas aqui a questão é outra: o cerne, a própria matéria-prima de reflexão em "How Fiction Works" aparece em "Como funciona a ficção" como uma montagem mais ou menos desconexa de trechos de diferentes tradutores, sem muito cuidado editorial em avaliar se as soluções eram cabíveis no contexto da análise de James Wood.



Não me sinto à vontade para assumir a responsabilidade de tradução em "Como funciona a ficção", pois entendo que a edição destoa em razoável medida do projeto desenvolvido em "How Fiction Works", obra unitária dotada de coerência entre suas partes.



Se não fosse esperar demais, eu tomaria como sinal de grande seriedade editorial se a Cosac Naify substituísse essa edição por uma edição mais condizente com a qualidade do original, o empenho da tradução e a expectativa dos leitores.



* Uma nota do editor à p. 213 da edição brasileira, na bibliografia, especifica: "As traduções das citações feitas por James Wood foram extraídas das edições indicadas aqui, e em alguns poucos casos foram adaptadas conforme necessidade do texto de Wood. [N.E.]".