domingo, 29 de maio de 2011

A Nova expressão do romance americano





Jonathan Franzen, autor de Liberdade, explica o seu território literário preferido, o Meio-Oeste dos EUA, fala do uso de diferentes pontos de vista em sua ficção e defende o hábito da leitura diante do avanço da web

Lúcia Guimarães - O Estado de S.Paulo

O endereço foi uma surpresa. Como o mais celebrado romancista americano de sua geração foi parar num prédio do Upper East Side, na esquina da Avenida Lexington? Longe dos restaurantes onde seus pares discutem e bebem? Não demorei a descobrir. O homem alto, que, havia pouco, me recebera na entrada do apartamento pisando o chão só de meias, se desmanchou num sorriso de gratidão quando, ao notar seu par de sapatos na porta, ofereci para tirar os meus também. Pergunto a Jonathan Franzen se lhe incomodam os modismos. A resposta: "Há algo menos cool do que o meu endereço em Manhattan?". Sou obrigada a concordar, tendo fugido da mesma rua tão logo deixei de depender da proximidade de uma certa escola de primeiro grau.





Veja também:

Leia o início de 'Liberdade' e compare com o romance anterior de Jonathan Franzen, 'As Correções'



Franzen, 51 anos, tem o olhar preocupado de quem se tornou o alvo de, nas suas palavras, uma carga de tijolos de louvor. Seu quarto romance, Liberdade, que chega ao Brasil - ele não virá lançá-lo aqui, mas garante presença na Flip de 2012 -, faz tanto sucesso dos dois lados do Atlântico que o autor já espera "pagar caro por isso" quando começar o próximo. Em tempo: o próximo livro de Franzen, Masafuera, não é um romance, é uma coleção de ensaios e já está a salvo de sua angústia, na editora.



Desde que Liberdade foi lançado nos Estados Unidos, em 2010, Franzen cumpriu uma turnê publicitária condizente com um astro das letras. Quem acompanhou seu esforço para sobreviver ao sucesso estrondoso de As Correções, em 2001, sucedido pelo apropriadamente intitulado livro de memórias A Zona do Desconforto, não deixa de notar um homem conformado com a fama que, ele admite, transformou sua vida.



Mas, além de uma ida à pedicure antes de se dirigir a seu apartamento, recomendo aos futuros visitantes atenção esmerada com as palavras. Como um artesão da escrita, ele monitora cada uma emitida na sua presença e sua reticência em busca do nirvana semântico pode abrir um intervalo de 10 segundos entre um sujeito e um predicado. Ao lembrar a Franzen que já nos encontramos outro dia, brevemente, ele enfatiza: "Sim, brevemente". Ao pedir para que diga uma segunda vez para a gravação a resposta sobre os muitos significados da "liberdade" do título de seu romance, sou comunicada de que essa foi a minha pergunta "menos favorita". Mas eu logo me lembraria que estava diante de um cavalheiro do Meio-Oeste que detesta ser indagado sobre o que isso quer dizer. Numa gentileza típica de Midwesterners, ele oferece a explicação. Mais do que isso, não deixa uma pergunta da entrevista a seguir sem resposta. Tijolos, afinal, servem para construir alguma coisa.



O seu romance, apesar de seguir a história de uma família por 30 anos, é rico em fatos da última década. Houve um momento específico em que a política americana foi decisiva para dar a partida da trama?



Sim, houve vários momentos. Provavelmente a decisão de invadir o Iraque, acima de tudo. O problema é que, toda vez que eu queria decolar, com um tema político, eu ficava paralisado pela minha própria raiva, pelo meu próprio partidarismo, como um democrata de esquerda. Não conseguia me separar das minhas convicções e a minha angústia como um americano por causa do que o governo estava fazendo. Então, não me parece acidental o fato de ter começado a escrever uma semana antes de Obama ser eleito, quando ficou claro que ele ia ganhar. Algo me fez relaxar e consegui me despreocupar de questões políticas e retornar ao trabalho de criar histórias complicadas e ambíguas. Até aquele momento, o que eu já tinha como trama era apenas a família da protagonista Patty e sua má experiência com o liberalismo americano. Eu tentava, há tempos, distribuir igualmente as ofensas à esquerda e à direita, mas só quando percebi que Bush ia embora me pareceu OK passar um ano escrevendo um romance.



O que é o seu Meio-Oeste, um elemento psicológico tão importante da sua ficção?



Eu acho que o Meio-Oeste não é um lugar, é uma síntese. As pessoas se identificam como midwesterners e têm algo em mente quando dizem isso. Se você mora na Califórnia ou em Nova York, também quer dizer algo quando se refere ao Meio-Oeste. Mas não tenho certeza se há um conjunto de características do Midwesterner que não são compartilhadas em outros locais do país. Pode ser um termo sem significado.



Mas por que você diz que por um lado é um "bom rapaz do Meio-Oeste"?



É quase uma redundância; se refere à ideia de que as pessoas nas costas Leste e Oeste são agressivas. O estereótipo do Midwesterner é extremamente bonzinho.



E não gosta de pretensão...



Isso mesmo, é despretensioso. Acho que podemos argumentar que F. Scott Fitzgerald e Sinclair Lewis inventaram o Meio-Oeste e o fizeram como pessoas que deixaram o lugar. Então, o Meio-Oeste parece se revelar só quando você vai embora. Hemingway foi embora, Kurt Vonnegut também. E o David Foster Wallace - todo mundo vai embora. E aí você percebe que vê as costas com um olhar diferente de quem cresceu lá e, desta posição, começa a argumentar que há algo sobre o Meio-Oeste.



Por que você gosta de usar múltiplos pontos de vista na sua narração?



Isso é muito natural para mim. Eu cresci numa casa com quatro vozes muito fortes. E cada uma muito diferente e todas em conflito entre elas. E todos falavam comigo, me incluíam na sua versão da história da família. Mas as versões estavam em grande conflito. Então acho que cresci, como o caçula, aprendendo a falar quatro línguas diferentes, olhando o mundo com quatro perspectivas diferentes. Seria difícil para mim um romance numa só voz narrativa.



Você comentou que cresceu como uma criança num mundo de adultos. Hoje, a cultura corteja segmentos jovens como se ser criança ou adolescente fossem um objetivo e não uma etapa do crescimento. Em Liberdade, nós vemos adultos se comportando como crianças e seus filhos tendo que amadurecer para compensar. Foi a sua experiência pessoal?



Eu pude observar isso. Há várias coisas. Os anos 60 inventaram a juventude e fizeram dela um território de acontecimentos na cultura. Foi algo liderado pela indústria da publicidade e muito útil para uma sociedade de consumo que gosta de transformar as pessoas em adolescentes eternos. Então, você começa por antecipar a adolescência - crianças de 8 anos já têm que se preocupar se usam roupas cool, com os aparelhos que têm que comprar e, no outro extremo, não termina aos 20 anos, vai continuando até os 65! Foi um fenômeno inventado pelos baby boomers. Há essa anulação da diferença de idade que, quando eu crescia, ainda era crucial. Eu não gostava especialmente de ser criança, queria me tornar adulto logo, mas desfrutava dos privilégios de ser criança. E me sentia grato porque meus pais faziam seu papel de adultos. Essa falta de distinção entre o que é ser adulto e ser criança na cultura me assusta.



A personagem Patty, a certa altura, critica a geração do filho, diz como deve ser difícil, por um momento, ter que sair do seu próprio mundo de fones de ouvido e gadgets pessoais. Muitos perguntam se o maciço assalto aos sentidos vai afetar o hábito da leitura solitária, que exige do leitor se desligar da internet e dos aparelhos.



Acho que ainda há muitos leitores. A minha visão é quase oposta. Muitas pessoas estão oprimidas por este mundo virtual e pelo bombardeio de comunicações. Nem todos, é claro. À medida que aumenta a diferença entre ler um livro e as outras experiências de hoje, o livro emerge como uma alternativa real e deve ser mais atraente por causa disso. É um refúgio. Num bom romance, você consegue se reconhecer e pensar: "Eu poderia estar nessa situação". Não é uma confusão de identidade, mas uma alternativa. Escrever e ler um romance tem muito a ver com uma perda voluntária do eu - o oposto de se sentir no centro do mundo virtual.



Quando o personagem músico Richard Katz dá uma entrevista sarcástica para o estudante adolescente sobre a canção avulsa em mp3, isso reflete o que você vê acontecendo com a música?



Ah, sim. A música está num lugar ruim, acho. O arquivo mp3 transformou completamente o uso cultural da música. E fez dela uma espécie de goma de mascar e também um tipo de droga, muito longe de uma experiência singular e coerente. Quem ouve um álbum completo hoje em dia? E quem grava um bom álbum completo? Poucos.



Mas exatamente porque os músicos não conseguem sobreviver com gravações, eles estão em tours constante - há muito mais música ao vivo.



Eu sei disso. Pode ser uma coisa boa. Mas é como dizer que há mais bares para tomar café. Eu não acho que a música ao vivo seja uma atividade que carregue significância. Você pode desfrutar dela. O que estou dizendo pode ser anátema para um público brasileiro. Porém não há conteúdo. É um prazer, mas, e daí? Quando você vê um músico que um dia respeitou tendo sua obra como trilha de comerciais para produtos deploráveis, você percebe que a música não tem centro moral e não tem mais conteúdo intelectual. É pura diversão.



Quando o jovem personagem Joey enfrenta dificuldades e se vê sozinho, ele pensa que deve satisfações ao seu pai "severo e com princípios". O que há de especial na necessidade de um filho ser aceito pelo pai - algo que me parece ser um elemento essencial do seu romance?



No meu caso não foi assim, o meu pai me aceitava. Ele era severo, duro, assustador. Minha mãe era bem mais militante na sua desaprovação. Ele era rígido, mas doce. O problema que você cita era mais o caso de um dos meus irmãos. Há um tipo de história que vai sempre me fazer chorar - qualquer história sobre um pai e um filho superando uma separação por desavença.



Por quê?



Bem, não queremos traficar estereótipos entre os sexos....



Fique à vontade, nós brasileiros temos tolerância alta para o politicamente incorreto.



Tradicionalmente, o esforço de construir redes de relacionamento é deixado com as mulheres, e tradicionalmente, os homens vão à luta para se definir por conta própria. Não sei se deve ser ou tem que ser assim, no entanto você olha para as outras espécies e, geralmente, as fêmeas estão organizando o lar e os machos estão por aí lutando uns com os outros. Pode chamar de conflito edipiano, não importa, o filho sempre está lutando por um certo espaço. E, por causa dessa história de conflito entre pais e filhos, eu fico muito emocionado quando eles superam isso.



Você já se referiu aos seus dois primeiros romances, The 27th City e Strong Motion como produtos de um período da sua vida em que queria a todo custo impedir qualquer risco de sentimentalismo na escrita. E que, com a doença e morte do seu pai, ao escrever As Correções, queria experimentar a perda de controle.



Eu ainda me preocupo em evitar o sentimentalismo - que é diferente de sentimento, claro. Sim, havia muita ironia e sátira nos dois primeiros livros. E me remete ao que acabamos de mencionar. Meu pai era esta presença masculina tão contida e inteligente e eu, o menino da família, queria me afirmar intelectualmente através do meu trabalho, ser invulnerável a qualquer ataque emocional. À medida que nos tornamos mais velhos, podemos assumir mais riscos.







sexta-feira, 27 de maio de 2011




Jonathan Franzen confirmou presença em na FLIP .
Um dos escritores americanos  mais festejados dessa decada tem seu mais recente livro " Liberdade" lançado  no Brasil

ABAIXO COPIO as ediçoes de HOJE do O GLOBO e FOLHA de S.PAULO sobre o escritor.



Houve um momento na carreira de Jonathan Franzen em que ele teve o pressentimento, raro para a maioria dos escritores contemporâneos, de que sua obra estava prestes a alcançar aquela entidade insondável que se costuma chamar de “o grande público”. Após escrever narrativas experimentais nos anos 1980 e 1990, ele trabalhava no romance “As correções”, uma saga familiar que, ao ser lançada, em 2001, recebeu atenção surpreendente para uma época em que se costuma decretar a decadência da literatura como gênero de massas. A princípio, Franzen pareceu desconfortável: naquele ano, rejeitou um convite para o clube de leitura da apresentadora de TV Oprah Winfrey, guardiã do gosto médio americano, por receio de vulgarizar sua obra.



Uma década depois, porém, o autor está mais à vontade no papel. Nos últimos meses, sentou no antes temido sofá de Oprah, concedeu centenas de entrevistas e posou para a capa da revista “Time”, com ar sisudo e olhar pensativo, ao lado do título de “Grande Romancista Americano”. Tudo para promover seu novo livro, “Liberdade” (que chega agora ao Brasil pela Companhia das Letras, em tradução de Sergio Flaksman) e, ao mesmo tempo, defender junto ao grande público sua maior causa: a relevância da literatura na cultura contemporânea.



— Enquanto eu escrevia “As correções”, me dei conta de que aquele era um livro ao qual as pessoas poderiam realmente prestar atenção. Foi um momento assustador, porque você tem que refletir se está disposto a isso, e a tudo de negativo que pode trazer. Mas, além do óbvio prazer de ser lido, vejo isso como um serviço. Acredito que, para sobreviver como gênero, o romance precisa receber atenção significativa da cultura mainstream. Caso contrário, o grande público pode simplesmente se esquecer dele — diz Franzen em entrevista ao GLOBO, por telefone, de Nova York.



Assim como em “As correções”, a trama de “Liberdade” se concentra num pequeno núcleo — no primeiro caso a família Lambert, agora a família Berglund — no qual se condensam experiências coletivas da sociedade americana (leia resenha ao lado). Mais do que apresentar um painel sociopolítico de seu país em forma de ficção, a ambição de Franzen é provar que há algo de específico na literatura que a torna um meio ideal para promover a reflexão pessoal sobre dilemas individuais e coletivos de nosso tempo. Essa ambição, como foi notado pelos críticos, aproxima Franzen dos escritores realistas do século XIX, como Tolstói e Dickens, que acreditavam no romance como espaço de discussão sobre a sociedade. Ao mesmo tempo em que encoraja a comparação (Tolstói chega a ser citado em “Liberdade”), o autor tenta matizá-la.



— Escritores como Dickens faziam relatórios sobre a sociedade, e não é isso que tenho em mente. O que um romance pode fazer é criar um diálogo entre o mundo como um todo e uma consciência individual. Não há outra forma capaz de fazer isso como o romance. É algo intrínseco à experiência da leitura, ao ato de decodificar marcas numa página e criar um mundo a partir da palavra impressa.



Apesar de dizer que não tentou fazer, em “Liberdade”, um “relatório social” à moda de Dickens, Franzen tem sido saudado nos Estados Unidos, desde o lançamento do livro, pela capacidade de criar “um retrato incisivo do nosso tempo”, como resumiu o jornal “The New York Times”. Para o escritor, essa é uma reação ao fato de o romance — não só o dele, mas todo o gênero — processar a experiência coletiva de uma forma diferente daquela à qual o público está acostumado no dia a dia.



— Estamos afogados em relatórios e notícias sobre nós mesmos. Com os canais de jornalismo 24 horas e a internet, não precisamos de ainda mais informação sobre nossa sociedade. Mas o romance, por existir num tempo mais lento do que o jornalismo, é capaz de isolar todo esse ruído e dar atenção às coisas que realmente importam, aquelas que não estão sendo noticiadas — diz o escritor.



A dificuldade de comunicação numa sociedade saturada de informação sobre si mesma é um dos temas de “Liberdade”, que investiga as cisões políticas e sociais vividas pelos Estados Unidos durante o governo de George W. Bush. Franzen enxerga no presidente Barack Obama, fã confesso $seu livro, alguém que tem se esforçado para superar a “gritaria polarizada” que tomou conta da política nacional nos últimos anos.



— Penso que Obama sente que, ao se comportar assim, os políticos e jornalistas americanos estão cometendo uma violência contra a verdade. Porque a verdade é complicada, mas o que vemos na TV e na internet é uma versão simplificada de tudo, com essas pessoas gritando suas opiniões sem se preocupar em ouvir os outros.



Franzen diz escrever em busca de leitores que não se satisfazem com verdades simplificadas. Um autor que procura conservar espaço para a literatura nas estantes de best-seller, ele descreve o leitor ideal como alguém que “anda por aí sentindo que todo mundo parece saber o que fazer, menos ele, que todos estão seguros enquanto ele está cheio de conflitos, e que ninguém parece incomodado com as coisas que o incomodam”.



— É encorajador acreditar que ainda há lugar no mundo para o romance, porque bons livros continuam a ser um espaço onde o mundo pode ser discutido em sua complexidade real, com ambiguidade, incerteza e humildade.



Receba este blog Permalink.Envie.Compartilhe ...Comente Ler comentários (0) ....Enviado por Guilherme Freitas - 27.5.2011
0h05m.

A amizade literária de Jonathan Franzen e David Foster Wallace

Num longo ensaio publicado em abril na revista "The New Yorker", Jonathan Franzen escreve sobre a temporada de duas semanas que passou na ilha remota de Masafuera, na costa chilena, no início do ano. Fisica e mentalmente esgotado pela turnê mundial de promoção do romance "Liberdade" (ver post acima), e ainda abalado pelo suicídio de um de seus melhores amigos, o escritor David Foster Wallace, que se enforcou em 2008, Franzen desembarcou na ilhota do Pacífico buscando paz e isolamento. Levava na bagagem um exemplar surrado de "Robinson Crusoe", o romance de Defoe inspirado num aventureiro escocês que teria vivido em Masafuera, e uma urna com cinzas de Wallace para serem jogadas no mar, a pedido da viúva dele. Como se pode imaginar por essa combinação, em vez da tranquila observação de pássaros raros que tinha planejado, Franzen viveu uma experiência catártica, que o confrontou com o luto pela morte do amigo e a solidão do trabalho de todo escritor.



No ensaio, Franzen detalha a importância da amizade com Wallace em sua formação. Os dois começaram a publicar nos anos 80, compartilhavam com frequência debates de "jovens escritores americanos" e trocavam longas cartas sobre as possibilidades da literatura no mundo contemporâneo.



- Passamos muito tempo falando sobre o que fazer da literatura hoje, mas não é apropriado falar em influência de um sobre o outro, era mais uma conversa constante. Chegamos à conclusão de que, num mundo em que as pessoas estão cada vez mais isoladas, a literatura pode ser um meio de estabelecer uma conexão entre as pessoas - diz Franzen ao GLOBO, por telefone, de Nova York.



O escritor refina esse argumento no ensaio da "The New Yorker", explicando que, embora citasse em entrevistas o discurso um tanto batido sobre a "conexão através da literatura", Wallace encenava, em sua obra, a impossibilidade mesma dessa conexão. Para Franzen, a literatura promove uma comunicação paradoxal, baseada na solidão de duas pessoas, uma que escreve e uma que lê.



- Quando leio um livro que significa algo para mim, a sensação que tenho é de um certo conhecimento sendo transmitido, através do tempo ou do espaço. Mas acredito que Dave tinha um senso de isolamento maior do que eu. Escolhi interpretar essa ideia de conexão através de uma comunidade da qual o escritor participa de duas formas, lendo e escrevendo - diz.



Pouco conhecido no Brasil, onde tem apenas um livro publicado ("Breves entrevistas com homens hediondos", Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira), Wallace surgiu na cena literária americana nos anos 80, com narrativas experimentais que dialogavam e se confrontavam com a tradição pós-moderna do país, de autores como Thomas Pynchon e John Barth (que Wallace simultaneamente homenageou, desafiou e satirizou na novela "Westward the course of empire takes its way", de 1989).



Em 1996, Wallace publicou "Infinte jest", um romance de mais de mil páginas no qual buscava colocar em prática as teorias que vinha desenvolvendo desde o início da década sobre a fusão entre técnicas narrativas pós-modernas e o humanismo dos autores realistas do século XIX (argumento desenvolvido longamente no ensaio "E unibus pluram", de 1993, que será lançado em português como parte de uma coletânea de não ficção de Wallace a ser publicada pela Companhia das Letras no ano que vem). Um amplo painel sobre a presença invasiva do entretenimento na cultura americana contemporânea, e o tipo particular de solidão que isso engendra, "Infinte jest" se tornou um best-seller inesperado, especialmente por se tratar de uma narrativa tão intricada (quando perguntado sobre isso, Wallace dizia, não totalmente de brincadeira, que determinara a disposição dos capítulos segundo o modelo geométrico do Triângulo de Sierpinski).



Tendo ele próprio flertado com o experimentalismo em suas primeiras narrativas, Franzen diz que a relação com Wallace o levou a buscar um caminho mais convencional em seus livros. Desde "As correções" (2001) e mais ainda com "Liberdade", Franzen abraçou o romance social como forma.



- Dave era um verdadeiro artista experimental. Ele tentava fazer coisas que nunca tinham sido feitas, assumindo o risco de fracassar, o que é parte de ser um artista experimental verdadeiramente honrado. Ter um amigo que trabalhava de forma tão radical me fez reforçar meu compromisso com uma forma narrativa mais convencional. Mas sou escolado em Modernismo e, mesmo que eu goste muito da ficção do século XIX, algo aconteceu no início do século XX, quando os escritores começaram a tomar consciência de aspectos como voz, perspectiva e representação do tempo, e isso não pode ser ignorado. Hoje, tenho um compromisso com uma parte da comunidade de leitores que não estudou literatura, mas isso não quer dizer que eu não pense na forma de meus romances - diz Franzen, citando o longo trecho de "Liberdade" narrado como a autobiografia em terceira pessoa de uma personagem, que tem função central na trama.



Justamente por prezar a dimensão experimental do trabalho do colega, Franzen escreveu duramente, no ensaio da "The New Yorker", contra amaneira como Wallace passou a ser lido desde sua morte. A publicação do romance que deixou inacabado, "The pale king", lançado com fanfarra em abril no Estados Unidos, provocou uma onda de resenhas pirotécnicas e perfis hagiográficos que, aponta Franzen, destacam apenas o discurso humanista do escritor, deixando de lado as características sombrias e perturbadoras que são parte essencial de sua obra.



- Eu estava reagindo a uma leitura superficial de Dave, que tenta transformá-lo numa espécie de santo. Isso incomoda qualquer pessoa realmente interessada no trabalho dele, que pode ser extremamente sombrio. Dave era um grande amigo, uma das pessoas mais amáveis que conheci, mas também tinha seus problemas.





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0h00m.

Resenha de 'Liberdade', de Jonathan Franzen

Liberdade, de Jonathan Franzen. Tradução de Sergio Flaksman. Editora Companhia das Letras, 608 páginas. R$ 46,50.



Por Marcelo Moutinho*



O jornal “The Guardian” classificou-o como “o livro do século”. A apresentadora Oprah Winfrey incluiu a obra em seu prestigioso Oprah’s Book Club. O próprio presidente Obama devorou as mais de 600 páginas durante as férias. Além disso, o autor figurou na capa da revista “Time”, cuja chamada proclamava que Jonathan Franzen “nos mostra o modo como vivemos hoje”. Diante de tanto confete, uma pergunta se impõe: “Liberdade” justifica o frisson ou é mera fumaça midiática?



Descontada a profecia hiperbólica do “Guardian”, a resposta ganha feição positiva. O livro, ao qual o escritor se dedicou por nove anos, traz uma daquelas histórias com as quais nos enredamos a ponto de querer adiar o fim. Franzen evoca os chamados romances panorâmicos, que buscam descortinar o espírito de um tempo sob a perspectiva de um grupo de indivíduos. No caso de “Liberdade”, os Berglund.



A saga familiar atravessa quatro gerações e é esboçada em prosa realista, não linear. Walter e Pathy são um casal liberal de classe média e têm dois filhos, Joey e Jessica. Há um terceiro vetor: Richard Katz, músico com quem Pathy flertou rapidamente antes de se unir ao marido. Katz aparece como um dos elementos desesta$da aparente harmonia dos Berglund. O outro é Joey, cuja declarada simpatia pelo Partido Republicano ativa no pai, democrata até o último fio do cabelo, os instintos mais primitivos. “Ele tem o ar superior de quem frequenta Wall Street”, diz Walter.



A conjuntura pós 11 de Setembro está no centro do romance, embora a descrição se estenda por décadas. Conjugando os dramas pessoais de seus personagens com a pauta política, Franzen aborda temas como o conflito entre Israel e Palestina, o aquecimento global, a invasão do Afeganistão e a ofensiva contra o Iraque “para tomar as armas de destruição em massa de Saddam Hussein”, que recebe inflamada defesa de Joey.



Bem urdida, a trama se estrutura a partir do desenho de perfis que serão aos poucos desconstruídos. Walter, o ambientalista que faz questão de ir de bicicleta para o trabalho, envolve-se com mineradoras de carvão. Pathy, a mãe zelosa, expõe um inusitado talento para a perversidade. Katz, antagonista na contenda amorosa por ela, revela a intensidade de seu amor — um amor fraterno — por Walter.



Um dos méritos de Franzen é a densidade que dá aos personagens, tornando-os quase palpáveis, capazes de provocar dó, empatia, repulsa e mesmo fúria — estados que se revezam no sentimento do leitor. Na intenção de fazer o inventário social de uma época, o autor capta também a perplexidade de quem testemunha a mudança dos ventos, sintetizada por Walter quando se vê sozinho em um concerto de rock para jovens: “Era mais uma espécie de desespero diante do esfacelamento do mundo. Os EUA estavam travando duas guerras terrestres e feias em dois países, o planeta estava se aquecendo como um forno elétrico, e ali no 9:30, ao seu redor, havia centenas de meninos e meninas (...) com suas suaves aspirações, sua ideia inocente de que tinham direito — a quê? À emoção.”



A narrativa transita com leveza da melancolia ao humor, e a plausibilidade dos diálogos garante ótimos momentos, como aquele em que Walter, já na meia-idade e ao lado de sua sedutora assistente, toma a primeira cerveja da vida. Ou, ainda, a longa “DR” na qual Katz e Pathy tentam compreender afetos guardados em banho-maria, subitamente reaquecidos.



A destreza literária de Franzen, já atestada no anterior “As correções”, não impede, contudo, que recaia num erro primário. Sob o pretexto de uma recomendação do terapeuta para que anotasse as próprias memórias, em alguns capítulos Pathy assume a condução do relato. O registro formal, no entanto, é idêntico ao do narrador onisciente — exceto pelo fato de ela, com intimidade, chamar Katz de Richard. Pouco para uma alteração tão brusca.



Capital na cultura americana, o conceito de liberdade a que alude o título do livro se desdobra para além do viés político. Pairando sobre todo o romance em frases, placas, slogans, refere-se igualmente à esfera privada, e nem sempre como sinônimo de ventura. “A personalidade suscetível ao sonho da liberdade ilimitada também tende, quando o sonho desanda, à misantropia e à ira”, salienta o narrador ao comentar as diabruras do avô de Walter, que, na direção de um automóvel, desrespeita os demais motoristas. A indireta, com jeitão de autocrítica, é uma piscadela ao leitor. Como se Franzen sugerisse: assim como o velho Einar, certas nações às vezes abusam ao volante.

*Marcelo Moutinho é escritor e jornalista



Autor de "Liberdade", saga familiar lançada no Brasil, Jonathan Franzen confirma presença na Flip em 2012




Geoff Pugh - 27.set.10/Rex Features



O autor norte-americano Jonathan Franzen em sessão de fotos no Gore Hotel, em Londres



ÁLVARO FAGUNDES

DE NOVA YORK



Jonathan Franzen, 51, tem quatro livros de ficção, o suficiente para ganhar a capa da revista "Time" em 2010 e ser chamado de o grande romancista americano.

O mais recente, o premiado "Liberdade", que chega agora ao Brasil, é um épico sobre uma família do Meio-Oeste dos anos 80 até a era George W. Bush (2001-2009).

Na entrevista, Franzen fala de suas inspirações e do convívio com novas tecnologias.











Folha - Antes de falar sobre o livro, o sr. vai à Flip de 2012?

Jonathan Franzen - Sim, eu já me comprometi. O Luiz Schwarcz [dono da Companhia das Letras] é muito persuasivo. Também sou ornitófilo e o Brasil é um ótimo lugar para ver pássaros.



O sr. já criticou a TV e outras mídias, mas elas foram incorporadas à sua narrativa. Como elas afetam seu trabalho?

Eu me isolo delas. Quando estou trabalhando, não tem música, internet. Gosto delas, mas distraem facilmente.

Porém não vejo a razão do Twitter e o Facebook me irrita. Já o e-mail é uma invenção maravilhosa, e abrandei minha posição sobre a TV.

Algumas séries se desenvolvem como os grandes folhetins do século 19.



Em "Liberdade", o sr. menciona mais de uma vez "Guerra e Paz". Tem outros livros que o inspiraram?

Quando estava travado, um livro que me faz andar foi "O Teatro de Sabbath", de Philip Roth. Pensei muito em Stendhal, Tolstói e em Alice Munro, gênia canadense.



Em época de Twitter e SMS, tudo parece estar mais curto. O seu livro é o oposto, tem mais de 500 páginas e foi um sucesso. Como se explica?

Não acredito que as pessoas que gostam de ler livro queiram um romance curto.

Exatamente porque estamos numa era com tantas distrações, a exigência sobre os romances é maior. Não dá para deixar passar partes que não funcionam. Caso contrário, o livro nunca será lido.

Ele ainda é meu chapa", diz Franzen sobre Obama




Autor afirma que pela primeira vez não está furioso com presidente dos EUA



Para escritor, perigos modernos residem na falta de alternativa para a situação ambiental e na mídia eletrônica



DE NOVA YORK



Na continuação, Jonathan Franzen fala sobre a admiração por Obama e sua preocupação com as novas tecnologias.

(ÁLVARO FAGUNDES)











Folha - Uma boa parte do livro se passa durante os anos George W. Bush. Se a história continuasse, como o sr. imagina que escreveria sobre o governo Obama?

Jonathan Franzen - É uma questão que não posso responder até que escreva meu próximo livro. É a primeira vez que ele é alguém que admiro e apoio. Ainda é meu chapa.

Eu sou um desses escritores que se sentem mais confortáveis quando estão reagindo contra algo. Pela primeira vez, não estou furioso com o presidente.



Talvez então ele não sirva para um bom livro.



Em que áreas o sr. não está satisfeito?

Estou incomodado com a situação ambiental, com a falta de uma alternativa plausível para o crescimento insustentável.

Além disso, me incomoda essa tendência narcisística na mídia eletrônica. A internet supostamente ia nos levar a entender melhor as pessoas. Neste país, estamos indo para o lado oposto.

Estou preocupado com a perda do espaço público. Comunidades on-line não são o mesmo que comunidades.

Isso incomoda, mas também significa que tenho assunto para escrever.



LIVRO



ROMANCE

Liberdade

Jonathan Franzen

EDITORA Companhia das Letras

TRADUÇÃO Sergio Flaksman

QUANTO R$ 46,50 (608 págs.)