sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Bob Wilsom volta ao Brasil com texto de Muller

O encenador americano Bob Wilson sacudiu o Brasil nos anos 70 com um teatro que desprezava o texto. No mês em que ele volta ao país, a atriz Maria Alice Vergueiro lembra do impacto causado por sua primeira vinda
Por Maria Alice Verqueiro

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Isabelle Huppert e Ariel García Valdés em cena de Quartett, que Bob Wilson traz ao país. Em seu teatro, os atores não eram importantes. Como será agora?

Com texto do dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995) e atuação da francesa Isabelle Huppert, Quartett marca o retorno de Bob Wilson aos palcos brasileiros. Trinta e cinco anos atrás, o diretor americano promoveu um acontecimento no Teatro Municipal de São Paulo com as 12 horas de apresentação de A Vida e a Época de Joseph Stalin, durante o Festival Internacional de São Paulo. Em pleno regime militar, o nome do ditador soviético teve de ser substituído por "Dave Clark", porque a censura achou que ali tinha coisa. O que havia de subversivo, contudo, estava na encenação, que incluía atores imóveis, e na relação anárquica com a plateia — os espectadores tinham a liberdade de, por exemplo, entrar e sair a qualquer momento.

Entre as testemunhas desse frisson estava a atriz Maria Alice Vergueiro. Naquele ano de 1974, Maria Alice era integrante do Teatro Oficina. A atriz escreve sobre o impacto dessa apresentação num país bem mais provinciano do que hoje, sacudido pela contracultura e os movimentos artísticos de vanguarda — e também sobre sua expectativa em relação a Quartett.

Eu tinha 39 anos. Era uma época muita boa, viva, forte — mas complicada. Eu tinha terminado de atuar na peça Gracias, Señor (1972), o José Celso Martinez Corrêa tinha sido preso e estava exilado em Portugal, e o grupo que ele liderava — e do qual eu fazia parte — morava no Teatro Oficina, que estava uma decadência total. No Brasil, vivíamos em plena ditadura. Nesse contexto, a vinda do Bob Wilson foi um baque de modernidade. Com a contracultura em alta, questionava-se o tradicional, o racional e o naturalismo dentro das artes. Era um teatro diferente de tudo, um teatro que reforçava a consciência do corpo, que levava as artes plásticas e a dança para o palco. A intenção era que o espectador tivesse ideias próprias, não se limitando ao que o artista queria passar.

Nessa época, o Oficina já tinha rompido com o naturalismo. A discussão no teatro era sobre o uso da palavra, e Bob Wilson era visto como o homem que brigava com a palavra. Nas suas peças, o ator quase fazia parte do cenário — e o visual era central para ele. Nessa época, ele tinha 33 anos. Agora está com 68 e tem dado mais valor ao texto. Está lidando com Heiner Müller, com Samuel Beckett, e tudo isso é o teatro da palavra.

Apesar disso, ele usa o texto de outra maneira, apenas certos trechos para instigar o espectador, não convencer ou influenciar. Sobre o Bob Wilson, o Zé Celso já disse: "É um grande artista que recebe rios de dinheiro para fazer as pessoas dormirem no teatro". Mas, para o diretor americano, dormir não é necessariamente uma coisa ofensiva — é o relaxamento, pois ao dormir você sonha, e sonhar é receber o espetáculo por outra via.

Por isso, quando A Vida e a Época de Joseph Stalin chegou ao país, ficamos excitados — embora tivéssemos a percepção de que o dinheiro para trazê-lo poderia financiar vários de nossos projetos. Nós estávamos sem nenhum tostão, e havia certa inveja. Mas Bob Wilson fazia uma coisa tão diferente que todo mundo embarcou na dele. E é assim até hoje. Ele ainda está na crista da onda e recebe grandes verbas. Talvez seja mesmo o sujeito que melhor exprimiu nosso tempo. Dentro de um sistema econômico liberal, foi revolucionário nas artes.

Tanto que quase impediram a estreia de A Vida e a Época de Joseph Stalin. Naquele ambiente provinciano em que vivíamos, parecia muito estranho o Teatro Municipal ficar aberto 12 horas, com os espectadores livres para entrar, sair ou dormir — o que quisessem, pois faziam parte do espetáculo. Eram cem atores em cena, mas nunca ao mesmo tempo. Era uma coisa anárquica. Eu, por exemplo, não assisti ao espetáculo inteiro. Fui ao Municipal para vender pôsteres do Richard Nixon vestido de preso, mas tinha polícia à paisana de olho. Durante a peça, eu estava com a turma no foyer do teatro ganhando algum dinheiro. Ali virou um ponto, com gente entrando, saindo, espiando. Com tudo isso, mesmo que o espetáculo não fosse subversivo por si, o evento era.

Como espetáculo, A Vida e a Época de Joseph Stalin não me pegou. Mas eu compreendi que no teatro dele não precisa de ator. É um teatro de diretor. Por isso, muitos não gostam desse trabalho. Mas agora, com Quartett, com a grande atriz francesa Isabelle Huppert, veremos um Bob Wilson bem diferente do dos anos 70.

É justamente essa a minha curiosidade em relação ao espetáculo que irá estrear no Brasil. O que seria a arte do ator no teatro de Bob Wilson? Acho que teremos que esperar para ver a Isabelle Huppert.


Maria Alice Vergueiro é atriz, autora de Tapa na Pantera na Íntegra — Uma Autobiografia Não-Autorizada.



A PEÇA
Quartett. De Heiner Müller. Direção de Bob Wilson. Com Isabelle Huppert. Sesc Pinheiros (rua Paes Leme, 195, São Paulo, SP, tel. 0++/11/3095-9400). Dias 12, 13, 15 e 16/9. Sáb., 3ª e 4ª, às 21h; dom., às 18h. R$ 15 e R$ 30. No 16o festival Porto Alegre em Cena, no Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, Porto Alegre, RS, tel. 0++/51/3347-8636). De 23 a 25/9. De 4ª a sex., às 21h. R$ 10 e R$

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