sábado, 6 de fevereiro de 2010

Don DeLillo troca estilo detalhista e frenético por abordagem íntima ao tratar de conflito no Iraque; livro é engenhoso, mas tem personagens artificiais

Don DeLillo troca estilo detalhista e frenético por abordagem íntima ao tratar de conflito no Iraque; livro é engenhoso, mas tem personagens artificiais




MICHIKO KAKUTANI

DO "NEW YORK TIMES"



Richard Elster, o personagem central de "Point Omega" (ponto ômega), a nova novela de Don DeLillo, é um acadêmico que ajudou o Pentágono a conceituar o quadro intelectual em favor da Guerra do Iraque. Está sendo cortejado por um cineasta chamado Finley, que quer fazer um documentário com ele falando sobre a guerra.

Imagine Paul Wolfowitz, Condoleezza Rice e alguns pensadores do American Enterprise Institute colocados num processador de alimentos, juntamente com Robert S. McNamara do jeito como foi visto no filme "Sob a Névoa da Guerra", de Errol Morris.

Como muitos dos livros anteriores de DeLillo, "Omega" trata da morte, do pavor e da paranoia, e, como muitos desses livros, possui uma arquitetura engenhosa que ganha ressonância quando é vista em retrospectiva. Mas mesmo sua engenharia estrutural inteligente não consegue compensar o retrato atipicamente simplista traçado pelo autor de seu protagonista: um intelectual pomposo que emprega argumentos filosóficos abstratos para descaradamente justificar o envio de milhares de jovens soldados para morrer em uma guerra desnecessária, mas que, de repente, conhece em primeira mão o que significam a morte e a perda, quando sua filha amada desaparece de uma hora para outra.

Em lugar da linguagem agitada, informal e soturnamente espirituosa que empregou com efeito tão eletrizante em "Ruído Branco" e "Submundo", desta vez DeLillo optou pela prosa minimalista, esmaecida, quase beckettiana que empregou em sua novela de 2001, "A Artista do Corpo", e em sua peça "The Day Room", de 1987.

E, em lugar das observações elétricas e altamente detalhadas da vida americana que animam "Libra" e "Mao 2º", ele recorreu a reflexões cansativas e carregadas de presságios sobre a mortalidade e o tempo. Fala-se sobre como o tempo é sentido diferentemente no deserto ou na cidade, fala-se sobre a vida versus a arte e a arte versus a realidade, fala-se sobre um "ponto ômega" em que "a mente transcende toda direção interior", seja lá o que isso possa significar.



Discurso cerebral

De tempos em tempos Elster soa como Donald H. Rumsfeld ou George W. Bush, declarando que "uma grande potência precisa agir", que a América precisa "retomar as rédeas do futuro". Mais frequentemente, porém, DeLillo faz o discurso de Elster sobre a guerra ser propositada -e absurdamente- cerebral: ouvimos que ele escreveu um ensaio sobre a palavra "rendition" (um de cujos significados é a transferência forçada de prisioneiros para serem submetidos a interrogatório em outros países), com "referências ao inglês da Idade Média, francês antigo, latim vulgar e outras origens", e o ouvimos falar sobre seu desejo de uma "guerra haiku", que significaria "nada além do que ela é".

Mais tarde, Elster diz que "alguma coisa está vindo", e prossegue: "Mas não é isso o que queremos? Isso não é o ônus da consciência? Estamos esgotados. A matéria quer perder sua consciência de si. Somos a mente e o coração que a matéria se tornara. É hora de fechar tudo. É isso o que nos move agora".

Os três personagens centrais do romance -Elster, sua filha, Jessie, e o cineasta Finley- são pessoas alienadas, estranhamente desapegadas. São indivíduos que vivem em um estado de limbo, buscando algo que possa dar ordem ou sentido a suas vidas, ou então simplesmente em estado de choque devido ao caráter aleatório e ameaçador da vida moderna.



Personagens irreais

É claro que muitos personagens anteriores de DeLillo compartilham essas características afásicas, mas há algo de desencarnado e genérico nestes três. É difícil acreditar que Elster algum dia foi chamado pelo governo para dar consultoria sobre a Guerra do Iraque, assim como é difícil acreditar que Finley seja de fato um cineasta ou que Jessie faça trabalho voluntário com idosos. Eles mais parecem hologramas que seres humanos.

Após seu período trabalhando para o governo, Elster se isolou em uma casa no deserto "para não fazer nada" exceto ficar sentado e pensar. Ele diz que está lá "para parar de falar". O que ele sente lá "é o tempo envelhecendo devagar. Ficando tremendamente velho. Não a cada dia que passa. Este é um tempo profundo, um tempo que marca época".

Finley foi a esse retiro no deserto para tentar persuadir Elster a estrelar seu filme: o documentário mostrará esse homem em processo de envelhecimento falando sobre a guerra, sobre o período que passou no governo e sobre qualquer outra coisa que quiser falar.

Em Nova York, Finley certa vez apresentou Elster a um filme chamado "24 Hour Psycho", exibido no Museu de Arte Moderna: uma obra de arte conceitual de Douglas Gordon, mostrando o filme de Hitchcock em câmera tão lenta que leva 24 horas para ser exibido. A obra levanta alguns dos mesmos temas que DeLillo parece querer explorar nas páginas do livro -realidade e percepção, identidade e embuste.

É a mesma obra à qual Jessie (e possivelmente, também, um homem que vem seguindo Jessie) assistiu, devido ao desejo de ver um filme em que, nas palavras dela, "nada acontece" parece ser a questão principal. Jessie é uma jovem estranha, com tendência a mergulhar em estados de espírito nos quais "ela parecia estar amortecida para qualquer coisa que pudesse provocar uma reação".

"Seu olhar tinha uma qualidade resumida, ele não alcançava a parede ou a janela", diz Finley. "Achei perturbador observá-la, sabendo que ela não se sentia observada." A mãe de Jessie -a esposa de quem Elster está separado- a enviou para o deserto para afastá-la de um homem que ela conhecera em Nova York.

Embora a chegada de Jessie modifique ligeiramente a dinâmica entre Elster e Finley, pouca coisa acontece por vários dias. Os três ficam sentados, juntos ou separados. Eles comem sanduíches e falam em sair em expedição à procura de carneiros selvagens.

Finley tece fantasias sobre fazer sexo com Jessie; ele pede a ela que se sente com ele e pega em sua mão, mas ela "não dá sinal algum de ter notado". E então, um dia, quando Elster e Finley retornam de fazer compras de comida, a casa está vazia: Jessie desapareceu, não é encontrada em lugar algum.



América estilizada

Embora DeLillo extraia suspense considerável de sua história, erguendo um clima de medo digno de Pinter, há algo de sufocante e sem ar na produção inteira. Diferentemente das pessoas de seus romances mais memoráveis, os três personagens deste livro não vivem em uma América reconhecível ou uma realidade reconhecível.

Eles dão a impressão de serem papéis escritos para uma peça de teatro estilizada e altamente artificial: Elster, um tigre de papel que é preparado para ser derrubado do pedestal; Finley, seu interlocutor, um perdedor esquecível, e Jessie, a vítima que lembra uma sílfide e cujo desaparecimento vai ensinar uma lição a seu pai. São papéis que precisam desesperadamente de atores que lhes deem substância e vida.

Tradução de Clara Allain











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