sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Hans Ulrich Obrist - O Todo Poderoso


O suíço Hans Ulrich Obrist foi eleito pela revista inglesa "Art Review" o nome mais influente do mundo da arte em 2009. O fato ilustra como os curadores são importantes hoje - tanto quanto os críticos ou os próprios criadores

Por Marianne Piemonte, de Londres



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Dayanita Singh/Courtesy the artist and Frith Street Gallery, London/© 2008 Dayanita Singh
O CURADOR...

O suíço Hans Ulrich Obrist. Participar de uma exposição dele é uma honra para o artista



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Dayanita Singh/Courtesy the artist and Frith Street Gallery, London/© 2008 Dayanita Singh O CURADOR...

O suíço Hans Ulrich Obrist. Participar de uma exposição dele é uma honra para o artista





Em 1999, o curador suíço Hans Ulrich Obrist, famoso por assinar exposições nada convencionais - em quarto de hotel e biblioteca, por exemplo -, resolveu aproximar a arte da ciência. Durante a temporada de Laboratorium, a cidade da Antuérpia, na Bélgica, virou mesmo um grande laboratório. Convidada para a experiência, a artista alemã Rosemarie Trockel criou a sua versão de uma sala para estudo do sono. O lituano Jonas Mekas fez um filme em que revisitava a lendária Factory, como era chamado o estúdio de Andy Warhol (1928-1987). Foi um período em que artistas e cientistas puderam conversar sobre suas visões de mundo, tudo devidamente documentado e divulgado. Obrist já era bastante conhecido na época justamente por não se conformar em manter a arte restrita ao ambiente das galerias e museus. Mas seria ainda mais.



Hoje, aos 41 anos, o co-diretor e curador da Serpentine Gallery, em Londres, acaba de receber o título de pessoa mais poderosa do mundo da arte pela respeitada revista inglesa Art Review. Pela primeira vez, na oitava edição da lista anual, um curador ocupa o primeiro lugar. Sinal dos tempos. No princípio, eram os artistas - e do contato direto deles com seus mecenas e o público resultava o valor e a relevância de uma obra. Num segundo momento, entraram os críticos. Em seu livro A Palavra Pintada, publicado nos anos 70, o jornalista americano Tom Wolfe mostrou como eles se tornaram relevantes num mundo em que a arte necessitava de "legenda" - nas palavras de Wolfe - para ser entendida. Segundo ele, artistas como Jackson Pollock (1912-1956) inclusive adaptaram seu processo criativo às teorias que críticos influentes, como Clement Greenberg, defendiam. Agora, chegou a era dos curadores. E por que eles são tão importantes?



Em primeiro lugar, porque hoje eles não se limitam a organizar exposições e escrever seus catálogos, como faziam no passado. Por meio das coletivas que montam, expressam suas opiniões sobre a arte contemporânea. Em 2002, por exemplo, Obrist lançou a exposição on-line Do It (Faça Isto). Dela participaram veteranos da arte conceitual, como o americano John Baldessari, e nomes de fora do eixo Londres-Nova York, caso da palestina Mona Hatoum e de Pépon Osorio, porto-riquenho conhecido pelas instalações em grande escala. A idéia do curador era permitir que os próprios espectadores fizessem arte, seguindo as instruções detalhadas dos autores das peças. Durante a temporada, ele gerenciou um blog em que publicava diariamente as alterações sugeridas pelo público, deixando claro o sonho de proporcionar um campo expandido para a arte.



O segundo motivo é que, por exercerem essa função criativa, os curadores ganharam prestígio. Assim, passa a ser uma honra para um artista - e fator de valorização - participar de uma mostra assinada por uma grife como Obrist. O poderoso curador, que já esteve à frente de cerca de 200 exposições, não tem problemas em conseguir um grande nome para um evento seu. O pintor alemão Gerhard Richter e o polonês Gustav Metzger, famoso por sua arte política, já produziram obras especialmente para coletivas promovidas por ele. Aliás, isso ocorreu desde o início. A primeira mostra de Obrist foi feita quando ele tinha 23 anos, na cozinha de sua casa em Zurique, e chamou-se World Soup (Sopa do Mundo). Na seleção, que ficou em cartaz durante três meses e recebeu exatas 29 visitas, havia trabalhos do inglês Richard Wentworth, que hoje leciona na Escola de Desenho e Artes Ruskin, em Oxford, e do escultor e fotógrafo francês Christian Boltanski.



Cappuccino de caramelo



Obrist coloca até hoje a coletiva em sua cozinha entre as preferidas. Sempre vestindo ternos em tons de cinza e azul, ele fala muito rápido, em um inglês com forte sotaque alemão e que ainda mistura palavras em francês. É um suíço que gesticula as mãos como um italiano e sempre pontua uma frase com uma citação de um filósofo ou de um artista. Enquanto conversa, ele rabisca pequenas ilhas sobre papéis e esses desenhos parecem ajudá-lo a encadear os pensamentos. Em sua mesa, pilhas de livros, ilustrações e jornais de diferentes países dividem espaço com o laptop, o BlackBerry e uma xícara gigante de cappuccino de caramelo com creme da rede americana Starbucks.



Obrist gosta de fazer experiências com o tempo. No começo dos anos 90, dormia apenas duas horas por dia e tomava muito café, seguindo o esquema criado pelo escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850). Mais tarde, já no final dos anos 90, tentou o modelo proposto pelo renascentista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519). Passou a trabalhar por três horas e dormir 15 minutos. "Funcionou bem por mais de dois anos. Foi quando transcrevi boa parte das minhas entrevistas com artistas e os transformei em livros", conta (Entrevistas Vol. 1 e Vol. 2 saíram no Brasil pela editora Cobogó). Mas a rotina provou-se inviável e anti-social quando Obrist virou o curador do Musée d'Art Moderne de La Ville, em Paris, em 2000.



Desde que aceitou o convite para trabalhar na Serpentine Gallery, em abril de 2006, uma galeria pública e de acesso gratuito em Londres, Obrist diz que está mais "sedentário". Dá expediente na galeria, vai sempre à abertura de exibições de outras galerias e, de sexta a segunda, sai de Londres em busca de novos artistas. Faz questão de fugir do Natal viajando para países que não celebram a data. No ano passado, ele visitou Teerã. "Acho um desperdício parar esses dias. Em 2008, descobri muita gente interessante no Cairo", diz Obrist, que afirma não tirar férias desde 1999 e folgar só no primeiro dia do ano.



Para dar uma movimentada nessa vida "quase tranquila", Obrist inventou as Maratonas Culturais na Serpentine. São duas rodadas de 12 horas, realizadas quatro vezes por ano, em que artistas, poetas, escritores e jornalistas participam com idéias. Catalogadas em um dossiê intitulado Idéias Possíveis, o curador suíço pretende colocá-las em prática no futuro. Há também o Brutally Early Club (Clube Brutalmente Cedo), reuniões em torno de temas como filosofia e arte que acontecem pontualmente às 6h30 da manhã. A modelo Kate Moss, o artista Damien Hirst - número um da lista da Art Review em 2008 -, o escritor Tom McCarthy e o arquiteto Markus Miessen aparecem com frequência. Para quem duvida que Obrist consiga angariar convidados nesse horário, ele pega um cartão e carimba com força: "Você está brutalmente convidado". Só fica então espaço para outra dúvida: quem se atreveria a faltar a um encontro com o todo poderoso da arte?



Brasil e Bienal



O Brasil está no roteiro de viagens do curador neste ano. Além de entrevistas com os músicos Tom Zé e João Gilberto e com o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, o admirador confesso da artista Lygia Pape (1927-2004) pretende visitar ateliês de jovens promessas. Obrist gostou muito da Bienal de São Paulo de 1998, que tinha como tema a Antropofagia, mas critica esse modelo de exposição: "Precisamos de uma nova bienal", diz. Segundo Obrist, hoje há cerca de 150 bienais pelo mundo e cada vez mais elas "se espelham nelas mesmas". O curador teme ainda os eventos assim tão esporádicos: "É como se a arte só acontecesse nos períodos de bienais e depois houvesse um imenso deserto". Ele acredita em ações contínuas e atividades mais "holísticas", que unam diversas áreas.



O homem mais importante do mundo da arte enxerga possibilidades de trabalho em praticamente tudo ao redor: "Hoje se pode fazer curadoria de arquitetura, música, revistas ou tudo isso misturado. O mundo todo pode receber curadoria", diz Obrist que, no entanto, garante não ter se deixado seduzir com o topo do ranking da Art Review: "Eu estava trabalhando quando vi a notícia no meu telefone e continuei a trabalhar".



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Marianne Piemonte é jornalista.

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