domingo, 22 de julho de 2012



Antologia da 'Granta' afirma novos talentos, mas traz decepções
*Por Felipe Charbel

"Granta — Os melhores jovens escritores brasileiros", com textos de 20 autores. Editora Alfaguara, 288 páginas. R$ 34,90

A seleção de textos para a edição da prestigiosa revista inglesa “Granta” dedicada aos melhores escritores brasileiros com menos de 40 anos causou alvoroço no campo literário nacional, já diagnosticado como carente de espaços de prestígio. Muita coisa estava em jogo: traduções, bons contratos, visibilidade e sobretudo a chancela da marca. Num sistema literário em que as relações de compadrio às vezes falam mais alto que o debate franco, um carimbo desses é extremamente cobiçado.

Mas esta edição da “Granta” é apenas uma antologia de ficção, e não uma ontologia da literatura brasileira atual. Fossem outros os selecionados, outro cenário seria instituído. Por isso é inútil cravar diagnósticos sobre os rumos da literatura brasileira com base nos pontos de convergência entre os textos. A melhor forma de falar sobre a coletânea é comentando os trechos de romances e os contos, tomados individualmente ou no horizonte das obras dos seus autores.

Não é coincidência que os melhores textos venham de escritores que publicaram recentemente trabalhos expressivos: Daniel Galera (“Mãos de cavalo”, 2006), Michel Laub (“Diário da queda”, 2011) e Ricardo Lísias (“O livro dos mandarins”, 2009). São autores que sobressaem pelo rigor formal, o investimento na construção dos personagens, o estilo bem marcado e “detectores de bobagem” eficientes: não deixam passar quase nada que faça o leitor torcer o nariz.

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Mesmo sendo parte de um romance inédito, “Apneia”, de Galera, pode ser lido como conto, graças à habilidade do autor de imprimir e sustentar tensão dramática, sem apelar para um desfecho forçado. Não há truques ou guinadas mirabolantes. Apenas sensibilidade e técnica, evidentes já na primeira cena, que insinua todo o conflito. “Animais” seria identificado como sendo de Laub mesmo que não levasse seu nome. O conto tem o estilo seco de “Diário da queda”, os parágrafos curtos numerados, as indecisões de um narrador evasivo que foge do seu centro até atacá-lo num bote certeiro: o efeito alcançado é a vitória por nocaute que Cortázar diz ser própria do conto. Lísias segue a trilha de “O céu dos suicidas” (2012) e investe na autoficção. “Tólia” é narrado por um “Ricardo Lísias” que parou de escrever e se tornou enxadrista. Também aqui é nítida a impressão digital do autor: o conto funciona como amostra representativa da sua poética.

Carola Saavedra poderia formar um quarteto com eles, se não tivesse escolhido enviar o texto “Fragmento de um romance” — estilhaço sem autonomia, extrato pálido de seu universo, muito aquém de “Toda terça” (2007) e “Flores azuis” (2008).

Das apostas da revista — autores que publicaram pouco ou por editoras pequenas — destacam-se, com pequenas ressalvas, os contos de Laura Erber, Cristhiano Aguiar e Vinicius Jatobá. Bem escritos, formalmente sólidos, ainda que gravitando ao redor de outras poéticas, despertam interesse pelo que seus autores virão a produzir.

“Aquele vento na praça”, de Erber, tem uma atmosfera que recende a Bolaño, e nos seus melhores momentos explora com competência as fronteiras entre literatura e artes visuais. Ávido por demonstrar um repertório consistente de técnicas narrativas, Aguiar apresenta em prosa poética uma história que tem como pano de fundo as enchentes do Nordeste. Seu conto, “Teresa”, é bem amarrado, mas de um lirismo às vezes maçante. “Natureza-morta”, de Jatobá, também peca pelo excesso de virtuosismo: bem resolvido exercício de estilo, em que uma “câmera” passeia numa casa e proporciona entradas pela tessitura temporal das histórias vividas ali, o conto me deu a impressão de que não há muito sendo dito, e que o aparato faulkneriano é um fim em si.

Os demais textos ou se enquadram na zona sonolenta entre o irregular e o certinho, ou chamam a atenção pela proposta ruim e a realização ainda pior.

Assim como “Procura do romance” (2011), último livro de Julián Fuks, seu conto “O jantar” me pareceu um simulacro de grande literatura afogado em beletrismo. No texto, o autor do ótimo “Histórias de literatura e cegueira” (2007) se agarra à relevância do seu material — as memórias da ditadura argentina — como se isso, a priori, pudesse dar consistência à narrativa e aos personagens. Não há singularização, só ilustração.

“Violeta”, de Miguel Del Castillo, parte desse mesmo investimento externalista, mas o agravante, aqui, é a idealização da luta armada por um narrador cujos conflitos mal são esboçados. Já ao ler o conto “O que você está fazendo aqui”, de Luisa Geisler, tive dificuldade de visualizar as cenas e dar contorno aos personagens. Para piorar, a autora se vale de um penduricalho tolo, a expressão “[Weltanschauung]” lançada 21 vezes para demarcar sabe-se lá o quê (talvez sua função seja a de conferir sabor sociologizante a uma narrativa insípida, em que a principal constatação do protagonista é a de que as pessoas inspiram e expiram, sobem e descem degraus).

O sociologismo também é a marca de “Antes da queda”, de J. P. Cuenca, quase um panfleto com divagações sobre o mercado imobiliário carioca. No texto, o autor parece mais preocupado em lançar suas “sacadas” do que em construir personagens e tensões. Já em “O Rio sua”, Tatiana Salem Levy se vale de uma constrangedora teoria do ethos carioca (“fala com o corpo”, “não sabe conviver com a dor”, “a tristeza sai pelos poros”) para apresentar um Rio para inglês ver — clichê adequado a uma prosa que acumula clichês: Pão de Açúcar, escola de samba, caipirinha, baile funk, réveillon em Copacabana.

“Valdir Peres, Juanito e Poloskei”, de Antonio Prata, é um conto-placebo: narrativa leve sobre um garoto de classe média nos anos 80, divertida, amarradinha, inócua. Mesmo caso do trecho de romance enviado por Vanessa Barbara, que, com personagens bidimensionais, acaba sendo tão insosso quanto a promessa do título: “Noites de alface”.

Alguns textos começam bem e vão minguando. O humor “Have-you-ever-noticed?” à la Seinfeld de Leandro Sarmatz funcionaria melhor não fossem as generalizações sobre “os filhos da revolução”. “Mãe”, de Chico Mattoso, tem uma premissa interessante — um personagem que não para de imaginar a morte da mãe — mas a realização é duvidosa. Javier Arancibia Contreras, se demonstra competência para criar uma atmosfera claustrofóbica, joga tudo pelo ralo com um desfecho fácil. “Faíscas”, de Carol Bensimon, é correto, bem escrito, mas se perde nos lugares-comuns de road movies.

Por sua vez, “F para Welles”, de Antônio Xerxenesky, começa mal e até que termina bem. A aposta no farsesco destoa da mesmice, mas o resultado final está longe de ser consistente. Já “Temporada”, de Emilio Fraia, não desperta interesse em momento algum, com suas histórias em paralelo conectadas numa imensa forçação de barra. Um conto que dá a impressão de se autodestruir ao fim da leitura. Assim como boa parte dos textos dessa “Granta” — que operam na mediania, às vezes quebrada com momentos de grande literatura. E a grande literatura sempre surge em conta-gotas.


*Felipe Charbel é professor de Teoria da História na UFRJ

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