segunda-feira, 9 de julho de 2012

DO TODOPROSA

Sergio Rodrigues

Stefan Zweig, Borges e Fernando Pessoa encerram a Flip



Como já é tradição, a mesa de encerramento da 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) reuniu alguns dos autores convidados do evento para a leitura de seus livros favoritos. “Essa mesa celebra a razão de ser da festa: a literatura”, disse Miguel Conde, que apresentou a sessão Livro de Cabeceira, mediada pela criadora do evento, Liz Calder. Entre os escritores lidos, estavam o austríaco Stefan Zweig, o argentino Jorge Luís Borges, a brasileira Lygia Fagundes Telles e o português Fernando Pessoa.
Ao todo, nove convidados emprestaram a voz ao encerramento. Os primeiros a ler foram os francófonos Amin Maalouf, libanês, e Dany Laferrière, haitiano. Maalouf selecionou um texto do alemão Zweig, autor de Brasil, País do Futuro, e Laferrière optou pelo pedaço de um conto do argentino Jorge Luís Borges, Lunes, O Memorioso, sobre um rapaz com uma grande memória. “Há 30 anos, quando era um operário, entrei numa livraria e escolhi o livro mais elegante e livre da prateleira”, disse o escritor, lembrando seu encontro com o conto de Borges.
Depois de Laferrière, a portuguesa Dulce Maria Cardoso leu um excerto do livro Os Passos em Volta, de seu conterrâneo Herberto Hélder. Nos contos que compõem a obra, o autor levanta questões sobre identidade. O jornalista Millôr Fernandes, morto este ano, foi lembrado pelo gaúcho Luís Fernando Veríssimo, que apresentou parte do conto Imaginação.
As leituras se seguiram com o espanhol Vila-Matas, em sua terceira mesa só nesta edição. “Vou ler o mesmo poema que li aqui na Flip de 2005, chamado Ao Volante de Chevrolet pela Estrada de Sintra. Não tenho motivos para mudar, porque não encontrei um poema melhor”, disse o catalão sobre o poema feito por Fernando Pessoa sob o heterônimo de Álvaro de Campos. “Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, / Ao luar e ao sonho, na estrada deserta, / Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco.”
Em seguida, a cubana Zoé Valdés recitou um poema da brasileira Lygia Fagundes Telles, que conheceu em Aix-de-Provance. “Sua literatura é música e desejo contido”, disse. O poema escolhido foi O Moço do Saxofone. O espanhol Javier Cercas e o colombiano Juan Gabriel Vásquez escolheram trechos da segunda parte de Dom Quixote e do romance A Estalagem, do chileno Juan Carlos Joanete, respectivamente.
Único a falar inglês na mesa, o britânico Ian McEwan foi buscar no irlandês James Joyce o trecho desejado. “É um dos melhores contos do século XX”, disse, referindo-se a Os Mortos, da coletânea Dublinenses. A mesa fechou a programação oficial da 10ª edição da Flip, que teve público recorde e ainda não tem data fechada para 2013.
Raissa Pascoal

08/07/2012
às 19:56 \ Vida literária

Shteyngart e Kureishi: diversão e arte

Gary Shteyngart, americano nascido na Rússia, e Hanif Kureishi, inglês de ascendência paquistanesa, protagonizaram uma das mesas mais divertidas do ano – mas nem por isso destituída de seriedade. Numa divisão um talvez grosseira – mas não muito – pode-se dizer que coube ao histriônico Shteyngart fazer o auditório gargalhar, com seu humor judaico autodepreciativo à la Woody Allen (com quem tem razoáveis semelhanças físicas), enquanto Kureishi levou a conversa para campos graves como a relevância da literatura – que ele defende com ênfase – no mundo contemporâneo.
Autor de romances satíricos como “Absurdistão” e “Uma história de amor real e supertriste”, Shteyngart apresentou o último como uma história passada num “futuro em que uma América completamente iletrada está prestes a desmoronar. Ou seja, terça-feira que vem”. Como o livro satiriza a cultura digital e as redes sociais, acrescentou, teve que contratar um jovem para lhe ensinar a usar essas coisas. “Foi quando passei a ter um iPhone. É uma troca. Aprendi a usar o iPhone, mas nunca mais li um livro. Não leio há cinco anos.”
Afirmando que terceiriza para escritores indianos a tarefa de escrever seus livros e recebe direitos autorais em queijo parmesão, Shteyngart disse que escrever sobre sexo, em seu caso, foi uma forma de compensação. “Comecei a escrever sobre sexo porque não estava fazendo nenhum sexo. Foi esse o motor dos meus dois primeiros romances. Então, aos 37 anos, eu finalmente fiz sexo. Foi muito bom, melhor do que nos livros.”
Roteirista de “Minha adorável lavanderia” e romancista de “O buda do subúrbio”, Kureishi – que esteve na primeira Flip, em 2003 – disse que começou a escrever “para não enlouquecer”. “Cresci num subúrbio de Londres nos anos 1960, quando a cidade ainda não era multicultural, e sendo filho de imigrantes sofria abusos e perseguições diárias. ‘De onde você é? ‘, me perguntavam. ‘Daquela casa ali’, eu dizia. ‘Não, de onde você é de verdade, de verdade mesmo?’Eram perguntas muito filosoficas”, disse o escritor inglês, deixando claro que a palavra humor abarca efeitos cômicos muito diferentes. “Foi para responder a essas questões a que eu comecei a escrever.”
A suposta irrelevância cultural da literatura – um dos temos preferidos do espanhol Enrique Vila-Matas, outro convidado da Flip 2012 – não é algo com que Kureishi concorde. “É muito fácil ser cínico sobre literatura no Ocidente. No Paquistão, por exemplo, onde o fundamentalismo islâmico é puro fascismo, ninguém espera ouvir a verdade de ninguém, em momento algum. O único lugar em que ela ainda pode ser encontrada é um livro”.

08/07/2012
às 19:05 \ Vida literária

Drummond em alta voltagem emocional


Carlito (centro) entre Eucanaã e o mediador Flavio Moura: poema inédito

O depoimento em vídeo de um poeta que conviveu com Carlos Drummond de Andrade e um poema inédito de outro poeta, mais jovem, que o chamou de “uma espécie de Buda” foram dois dos pontos de maior voltagem emocional de toda a Flip 2012. Ambos se deram em rápida sequência hoje à tarde, na mesa “Drummond – o poeta presente”. O depoimento em vídeo foi de Armando Freitas Filho, autor de “Raro mar”. O poema inédito, de Carlito Azevedo, autor de “Monodrama”. O também poeta Eucanaã Ferraz completou a tarde em tom mais sóbrio – o que o contido Drummond certamente aprovaria.
“Era um homem muito carinhoso, eu às vezes achava até que ele tinha pena de mim”, contou Armando. “ Aquela cara litográfica, limpa, limpa, parecia que tinha saído do banho. Aqueles olhos azuis, duas bolas de gude azuis. Era um homem muito simples, mas escrevia aquelas coisas extraordinárias… Ele escre via como quem faz a barba a seco, sem água, sem espuma e sem sabão… Escrevia com o próprio fígado, tirava dele, mas aquilo se transformava num discurso geral. Drummond não escrevia para ninguém mas escrevia para todos, isso era o que mais me impressionava, como ele conseguia abrir esse arco partindo do próprio fígado. Carlos Drummond, mesmo quando de luto, é uma festa. Você pode esquecer a letra do verso, mas você leva o sentimento que o verso trouxe.”
Carlito Azevedo acentuou o aspecto emocional da mesa. “As pessoas quebram”, disse, esparramado na cadeira sobre o palco, com toda a linguagem corporal de quem fala do fundo de uma depressão. “É quase como se Drummond fosse uma espécie de Buda e a poesia dele me ensinasse a iluminação pelo desapontamento. Lendo Drummond, descobri que as coisas têm que quebrar, e só quando elas quebram você consegue ver como são por dentro se tiver um bom – como ele diz – sentimento do mundo.” Em seguida, leu um poema inédito em homenagem a Drummond, afirmando ser a primeira coisa que escreve desde que terminou, há três anos, o criticamente festejado livro “Monodrama”. “Querido príncipe…”, começa o belo texto, que ao fim foi aplaudido de pé e demoradamente pelo auditório.
Eucanaã Ferraz, autor de “Cinemateca”, veio por último, depois de dois momentos de grande intensidade, e foi mais contido e apolíneo. Falou do percurso acadêmico de suas leituras de Drummond, dando crédito a diversos críticos como guias de leitura. “De certo modo”, afirmou, “o Drummond oferece o mesmo teatro do (Fernando) Pessoa, que leva às últimas conseqüências a fragmentação, a multiplicidade, aquilo a que a moderrnidade nos conduziu. Ao mesmo tempo, é como se Pessoa tivesse dado a isso uma espécie de arrumação. Nesse sentido o Drummond foi ainda mais radical, porque não fez a arrumação. Um livro contradiz o outro, um poema contradiz o outro dentro do mesmo livro, um verso contradiz o outro dentro do mesmo poema. O Drummond sempre nos deixa numa enrascada.”

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